sábado, 5 de fevereiro de 2022

Acabo de ler "Harry Potter e o Enigma do Príncipe" de J. K. Rowling

 



"– E como é que se divide a alma? – Bem – respondeu Slughorn, constrangido –, você precisa compreender que a alma deve permanecer intocada e una. A divisão é um ato de violação, é contra a natureza."
"Contudo, se encaixava perfeitamente: com a passagem do tempo, Lorde Voldemort parecia ter se tornado menos humano, e as transformações que ele sofrera só me pareciam explicáveis se sua alma estivesse mutilada além da esfera do que chamaríamos de maldade normal...”

O livro nos introduz mais a vida de Voldemort. Não só de forma meramente biográfica, mas ao modus pensandi do icônico vilão que, para atingir a imortalidade, maculou a própria alma. Há também o fascínio pelo mal que atraí Harry a magia das trevas pelo Príncipe Mestiço - (spoiler) que, mais tarde, descobre-se que nada mais é que o próprio Snape. De qualquer forma, a relação com o Snape é ambígua: Harry conheceu e o admirou sem saber que estava a receber um conteúdo de um professor que ele próprio odiava. A relação com Snape (spoiler) é ambígua: admira-o sem saber que é ele, sabe que ele foi responsável por revelar a profecia que levou à morte dos seus pais e é o próprio Snape que mata Dumbledore. Todas essas ações carregam substancialiadade a obra, enriquecendo os personagens e dando um peso realístico dificilmente realizável em obras de menor peso.

O discurso sobre o "um e o múltiplo" me encantou, sobretudo quando se fala da divisibilidade da alma que é a sua corrupção em caráter maior. A divisão da alma, da psiquê, do espírito ou como quer se ouse chamar, é um absurdo trágico. O ser dividido é inautêntico e sofredor. É um ser que está sempre em parte, sofrendo pela mutilação de seu ser que nunca encontra paz. Tal assunto é encontrado na mais alta filosofia, teologia e, igualmente, na literatura e na mística. Nesse livro, vê-se a mística em Harry Potter, duma forma nunca dantes vista dentro do mundo de nosso querido bruxo. E o poder do amor (ou seria "Amor"?) é visto como o equilíbrio desejável, a união do ser consigo mesmo e o laço verdadeiro, o verdadeiro poder: não se pode unir pelo medo, o medo só consegue pressionar com força em determinado tempo e um dia esse mesmo aspecto tensional o arrefece. Logo há ilusão de poder, poder esse que será destruído por sua natureza corrupta e inatural. Não se pode perpetuar a corrupção, já que ela é de aspecto degradante. Onde não há liberdade, há uma gravidade que só pode ser respondida com outro jogo gravitacional de relações, relações essas marcadas pelo o que há de mais baixo.

"o último e maior de seus protetores morrera, e ele estava mais sozinho do que jamais estivera"

Esse livro é de suma importância para Harry Potter. Nele, ele se torna adulto. O mundo protegido por seu padrinho, pai, mãe e até mesmo Dumbledore entrou em colapso. Nas ruínas, ele terá que agora em diante buscar a própria solução, não mais como um menino, mas como um homem legítimo dentro de sua responsabilidade em ação humana. Nisso está a compreensão do livro: o rito de passagem da adolescência para a vida adulta em que se tem que se lutar para conseguir o que se quer. É por isso que esse livro é um dos mais bonitos da franquia, embora recheado duma morte nada agradável. Morte essa de alta significação: o tempo de ser protegido e ter o risco atenuado passou, agora é necessário ser adulto e arcar com as consequências de uma teia embaralhada de alta complexidade irresoluta.

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