quinta-feira, 28 de março de 2024

Acabo de ler "Teatro Infantil: um olhar para o desenvolvimento da criança" de Sandra Márcia Campos Pereira

 



O teatro é a arte da expressão. A sua importância está em ensinar as pessoas a se expressarem. Isto é, num mundo que constantemente nos afronta, é necessário uma posicionalidade. A capacidade de agir dentro do mundo, de chegar onde quer chegar, de ter até uma resistência para com o apagamento da própria identidade em um mundo que constantemente busca uma normalização esvaizadora da potencialidade ontológica de cada alma humana.


Por meio do teatro temos a possibilidade de expressar uma mensagem e, ao mesmo tempo, de entrar em contato com essa própria mensagem que é parte de nós. O processo de construção da teatralidade é o processo de vivência da própria mensagem que se encontra dentro do texto. É dar vida, é dar voz, é dar palpabilidade ao que representamos. Encontrando sempre um nexo de conexão ao que está dentro do texto, visto que o que está ontologicamente escrito também se encontra dentro de cada um de nós.


E é a partir dessa linha que podemos compreender a importância do teatro para cada criança, não só no Brasil, como também no mundo: a capacidade de uma vivência simulada e aproximativa dos grandes dramas da vida humana. E, por meio dessa, o desenvolvimento de sua personalidade para agir em meio ao jogo de conflitos em que está imersa a própria realidade de nossa existência.


É por meio do teatro que somos sensibilizados e podemos novamente ter um reassombramento: é onde há uma construção do mundo não como uma realidade que devemos nos curvar, mas como algo que podemos nos emancipar e reconstruir. Quando ensinamos teatro, nas escolas ou faculdades, queremos que o aluno possa aprender pela alteridade e pela criatividade.


A criança ao estudar e ao praticar o teatro adentra num campo artístico em que o aspecto do diálogo com o outro é salutar, visto que a maior beleza do teatro é dar voz ao outro por meio de si e, com isso, descobrir que também somos parte do outro. O teatro é perigoso pois humaniza e pela humanização faz a sua crítica.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Acabo de ler "Teatro para crianças: dramaturgia e encenação" de Raimundo Matos de Leão

 



Qual seria o posicionamento quanto a produção teatral voltada ao público infanto-juvenil? Um ar adocicado, distante das questões da vida em si mesma, para fazer rir e promover um encantamento pelo esvaziamento da criticidade ante a angústia do mundo em si mesmo? Talvez não.


Nesse artigo há um conflito: muitas vezes se visa dar às crianças ares doces, de modo a não conectar a vida delas a construção usual - e, por vezes, deplorável - da vida no geral. Elas cresceram protegidas e frágeis para um mundo que posteriormente as esmagará. Essa condução não é só estranha, como se revela sempre ingênua.


A questão teatral é um mergulho do ser na conflitualidade. Seja esse conflito de ordem pessoal, de ordem social, de ordem política. Não há qualidade em obras que se esgueiram sorrateiramente num esvaziamento do próprio mundo, do ser e dos conflitos. O teatro é uma arte que agoniza, é uma arte que sangra pois o humano mesmo sangra.


É necessário municiar a pessoa de sua humanidade: ensiná-la sobre a vida e sobre a morte. Mesmo que por uma obra dedicada ao público infanto-juvenil. Um trabalho crítico, no âmbito teatral, é infinitamente mais proveitoso a longo prazo. Ensina, desde cedo, um desenvolvimento do raciocínio e da capacidade de compreender o mundo e a si mesmo.


Esse artigo nos demonstra exemplos fantásticos de como fazer isso. E a sua leitura é de natureza salutar para quem busca bons artigos para melhor entender a dramática processual do teatro infanto-juvenil em sua devida especificidade e proporcionalidade.

Acabo de ler "Uno y el Universo" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)

 



A leitura de Ernesto Sabato vem sido duma grande preciosidade em minha vida. Ernesto, junto a Ortega, apresentou-me a língua hispânica na potencialidade de sua beleza imortal. Os dois, Ortega e Ernesto, apresentam um espanhol estilisticamente rico e bastante poetizado. Engana-se quem crê que suas colocações intelectuais não sejam equivalentes: os livros deles são belos e conceitualmente ricos.


Ernesto trabalha numa via bastante difícil: precisa passar toda uma densidade conceitual, algo intelectualmente difícil, ao mesmo tempo que precisa desenvolver a beleza artística de quem usa a língua em si mesma como arte, algo artisticamente difícil. Sua obra, ao mesclar as duas, traduz-se num equilíbrio formidável que poucos intelectuais poderiam levar cabo.


Essa é uma obra bastante diversa. Sua abordagem traz uma série de assuntos que são tratados em textos que variam de tamanho e não há uma unidade estrutural plena e sistematizada. Ainda assim, a leitura e a compreensão não são minimamente prejudicadas pela natureza conjuntiva da obra. O que demonstra, mais uma vez, a grandeza desse gigante argentino.


A obra mesclará diversos assuntos: epistemologia, filosofia, história, surrealismo, política, teologia, poesia, crítica literária, etc. E o formato, absolutamente variável, traz um quê de humor refinado, de apologética, de polemismo, de prosa. Uma variação densa que dificilmente passaria despercebida.


Mesmo que exista, nessa versão, uma nota introdutória do autor dizendo que ele mudou de crença, não se pode negar que esse pequeno livro é bastante bem escrito e bem pensado. Revela já o estilo de um autor que se revelou a cada dia mais fantástico e de estatura universal.

terça-feira, 26 de março de 2024

Acabo de ler "A Aprendizagem do Ator" de Antonio Januzelli

 



O teatro é uma arte diferente da arte filosófica. Se a filosofia atua de forma apolínea, o teatro tem, por sua essência, uma raiz que lhe é dialeticamente contrária: a sua imersão dionisíaca. E essa contradição, entre áreas, faz com que eu tenha que me reinventar enquanto intelectual para que eu me sintetize em meio a essa contradição que me conflita.


Quando Antonio Januzelli traz uma argumentação pautada na libertação por meio de atos, em vez de ser por meio do pensamento, e uma vida pautada num constante desnivelamento das diferenças por meio da aproximação gradual de vivências que destoam da minha... Ele traz uma mensagem que ao mesmo tempo encanta - pela poeticidade da ontologia da vida que traz - e afasta - pelos riscos inerentes de adentrar nos territórios desconhecidos.


O que é um ator? É alguém que treina corpo e mente. Só que esse treinamento é um treinamento que exige uma dedicação de quebra. O teatro é a existência que não se iguala, pois está sempre agindo contra os regimentos de uma sociedade normalizadora e ritualística. O teatro é a continuidade da quebra dos dogmas, e vivemos numa sociedade dogmatizada.


A vida teatral não é apenas um modus pensandi que atua ao modus vivendi. No teatro, o modus pensandi e o modus vivendi se colocam par a par, o tempo todo, um deve existir para locupletar o outro. E tal complementariedade existe só quando os dois atuam ao mesmo tempo e no mesmo lugar.


Estudar teatro vem sido, para mim, uma experiência de enriquecimento qualitativo. A possibilidade de me reimaginar e de projetar aquilo que quero dentro de mim para realizar meus sonhos me vem sido de gigantesca potencialização. O teatro é mais do que um local para uma apresentação, é uma apresentação da vida em si mesma.

segunda-feira, 25 de março de 2024

Acabo de ler "La resistencia" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)

 



Existe uma beleza indescritível na obra de Ernesto Sábato. E essa é a capacidade com que ele argumenta com erudição, mas suas formas conteudísticas não param exclusivamente na eruditividade, elas vão facilmente para uma grande poética que demonstra o gênio criativo dum grande autor. O uso do espanhol por Ernesto, sem se perder na contumaz objetividade acadêmica, demonstra que ele além de acadêmico é um artista das palavras.


Neste livro, vemos um Ernesto bastante pessimista para com o mundo em que vive. Se questionando sobre a megalomania estatizante, a massificação do homem, a ausência de sentido e, de igual modo, a capacidade do mundo sobreviver a exploração exaustiva de recursos naturais. O cenário, bastante catastrófico e desumanizador, apresenta um mundo corroído pela ausência de sentido existencial.


A linha de pensamento poderia ser facilmente conectada com a percepção de Viktor Frankl e, igualmente, de Ortega y Gasset. Sendo que Frankl diagnosticou melhor a ausência de sentido atual e Ortega y Gasset diagnosticou exemplarmente o fenômeno do homem massa. Todavia a chave da questão política - quadro ambiental e agigantamento do Estado - são bem observados por Ernesto.


Ora, é evidente que o trabalho de Ernesto teria uma conexão, também profunda, com George Orwell: este também era cético para com o socialismo estatista de seus dias. Todavia há um diálogo com a espiritualidade teológica da libertação dos dias de hoje, muito ligada à ecologia, como vemos em Leonardo Boff.


Existe uma possibilidade monstruosa de conexões na obra de Ernesto. Ela se revela bem ampla, bem complexa e, portanto, bastante rica em possibilidades dialógicas. Sua leitura também é bastante agradável. Como sempre, mais um excelente livro lido.

sábado, 23 de março de 2024

Acabo de ler "Raça e Etnia"

 



Nota:

- Como o nome da pessoa que escreveu não foi apresentado, não o apresentarei. Mas o conteúdo veio do curso de teatro e poderia ser provavelmente debitado a pessoa que escreveu o documento anterior.


Existem diversas formas de preconceito. E aqui tratamos do preconceito na forma que ele é usualmente encarado: um juízo alienatório de uma pessoa incapaz de sair da circunferência de seu eu e de seu grupo social, de raça, de gênero, de orientação sexual, etc. O preconceito se manifesta por uma atitude discriminatória hostil a determinados segmentos sociais. E se revela pelos seus impactos não só socialmente destrutivos, mas semelhantemente:

- Pelo impacto psicológico, gerando transtornos mentais e, em casos mais graves, suscitando ideações suicidas e práticas de automutilação;

- Pelo impacto econômico, fomentando a desigualdade e até a dominação de determinados grupos;

- Pelo impacto político, criando estruturas politicamente nocivas que paralisam a igualdade harmônica e desejável entre membros de uma mesma sociedade;

- Pelo impacto social, caracterizando uma sucessiva construção de um aparato deslegitimador de pessoas por suas orientações sexuais, etnias, religiões, dentre outras características.


Existem, evidentemente, outras características nocivas que poderiam aparecer aqui. Todavia o número de caracteres do Instagram impossibilita um detalhe mais minucioso.


O racismo, o preconceito mais trabalhado no texto, é uma forma de dominação e uma mentalidade que justifica algumas raças e subjuga outras. Ele atribui que algumas características, típicas de determinados fenotipos, possuem uma superioridade intrínseca. Enquanto outras, pertencentes a outros tipos, possuem inferioridade intrínseca. Esse determinismo gera uma confirmação passiva ideologicamente determinada para estruturar todo um aparato repressivo.


Combater o preconceito, seja de qualquer espécie, é um dever de um educador na medida mesma que qualquer preconceito impede o pleno exercício da humanidade. Combater o preconceito é possibilitar que exista, no outro ou em nós mesmos, uma humanidade aspirante de sonhos e dignidades.

Acabo de ler "Multiculturalismo" da Dra Marcia Polacchini

 



O papel de um educador é sempre o de favorecer uma ampliação da capacidade crítica. Essa capacidade, por sua vez, revela-se na possibilidade mesma de expandir os horizontes da própria cultura. Isto é, a de expandir os limites do mundo em que se localiza. Essa expansão é decorrente duma imersão dialógica no multiverso de diferentes culturas que variadamente conflitam, juntam-se ou vivem tolerantemente.


O processo de desenvolvimento da América Latina está atrelado a um conflito: mesmo que multicultural por sua forma, apresenta-se dum modo desnivelador e opressivo. Existiam os grupos socialmente dominantes, aos quais obedecíamos, e os grupos marginalizados de toda espécie. Essa postura favoreceu um engrandecimento de locais dominados pelos grupos mais poderosos e pouco ou nenhum espaço para grupos sociais de menor poder. Contradição essa que resulta em conflitos sociais gigantescos até hoje.


O multiculturalismo visa estabelecer:

- O contato entre diferentes grupos;

- Um processo de radicalização democrática;

- Frear as pulsões de dominação de grupos sociais majoritários;

- Propulsionar uma sociedade mais harmônica;

- Tornar mais presente a participação de grupos minoritários ou menos poderosos no rumo sociopolítico;

- Etc.


O multiculturalismo também é uma negação do pseudo-universalismo. E o pseudo-universalismo nada mais é do que uma falsa concepção, gerada por um erro perceptual, de um grupo sobre si mesmo. Esse grupo usualmente se coloca acima dos demais e quer subordiná-los a sua cosmovisão. Nesse campo é necessário um combate. Uma forma de esfriamento de mentalidades antidemocráticas expansionistas.


O multiculturalismo é, por sua importância social, um dos maiores debates da contemporaneidade e um gigantesco problema a ser resolvido.