terça-feira, 23 de abril de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 2)


O que gera um homem tão hipnótico quanto Josef Stalin?   Sua figura é apresentada diversas vezes e nas mais variadas facetas que se alternam ad infinitum. Após tantas e tantas versões, com tantos e tantos detalhes, há uma certa contrariedade narrativa, um sentimento de auto-anulação pela absoluta oposição de diferentes teses e antíteses em efeito cascata. Seja como for, a maioria das impressões históricas se manifestam contrariamente a ele. Todavia, após tantas batalhas narrativas - de esquerda ou de direita -, ficamos no disse-me-disse: sem saber o que dizer ou o que pensar.


Stalin teve uma vida como a de muitos habitantes da União Soviética e, de semelhante maneira, muito próxima ao cidadão de terceiro mundo: moralidade rígida, um pai alcoólatra e de figura turva, pobreza e a noção de que o mundo era como uma profunda inquietação promovida pelas hordas de intempéries que se sucediam dia após dia. Mesmo com toda essa junção de complexidade trágica, Stalin tirava boas notas e isso levou a ele entrar no seminário. Assim feito, esperava-se que ele se juntasse à hierarquia da Igreja Ortodoxa.


Como um menino tão inteligente, de notas tão boas e de comportamento asceticamente exemplar poderia, então, desviar-se dum caminho tão bom e tão bem planejado? As cenas lamentáveis de pobreza que se manifestavam como uma espécie de ritualística da vida cotidiana despertaram em seu peito uma necessidade. Necessidade revolucionária, diga-se de passagem. Stalin não poderia conviver perfeitamente bem com o que via, com o que testemunhava. Isso fez com que o pobre menino da Geórgia se convertesse, mesmo que lentamente, num agitador revolucionário.


Seu comportamento tinha uma natureza dual: ao mesmo tempo em que mantinha o rigor estoico da vida dum católico ortodoxo exemplar questionava a autoridade da estrutura hierárquica da Igreja Ortodoxa e se dispunha mais na leitura da assim chamada "literatura subversiva", gastando o seu tempo em atividades de agitação revolucionária. Seu estudo, por sua vez, foi edificado tendo como base o drama russo e o drama universal.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 1)

 



Essa análise remete a apresentação (7 a 37). Resolvi fragmentar a análise visto que ando muito ocupado para escrever análises com maior regularidade graças ao pouco tempo para uma leitura mais diversa. Também creio que a análise fragmentária funciona mais no Instagram: os poucos caracteres que a plataforma disponibiliza dão um entrave para análises mais minuciosas, todavia isso pode ser burlado pela fragmentação. A fragmentação da análise, por sua vez, permite uma escrita mais atenta aos detalhes de cada parte do livro.


Quando pensamos em Stalin pensamos não só nele. A imagem de Stalin sempre vem atrelada a uma série de outras imagens. A história da União Soviética, sua ligação com Lênin, as brigas com Trotsky, os sentimentos que provocava em seus adversários, seus críticos de esquerda e de direita, a tradição imperial russa. No meio a tanta ebulição social provocada pela multiplicidade de projeções imagéticas, o que será verdade e o que será mentira? O aumento da acuracidade da história, um olhar crítico ao passado, importa para a humanidade em si mesma. Se a humanidade é incapaz duma correta autocrítica, perdemo-nos no caminho.


Esse livro vai numa linha bastante interessante: em vez de seguir a maioria, vai no fluxo contrário. Atacar Stalin é, hoje em dia, uma tecla tão batida que gera uma monotonia sonora e argumentativa. Quando me deparei com esse livro eu pensei: "por que não?". Sou uma pessoa extremamente curiosa e ver que existe uma sólida defesa ao Stalin - que sempre me pareceu uma figura muito mais interessante que Trotsky - me interessou muitíssimo. E os autores de tais textos já garantem, logo de cara, que muito do que se diz por aí é um fuzuê de desinformação, confusão mental, calúnia ou alteração para atacar tamanha figura.


O quadro que o livro apresenta não é algo que foge muito do discurso padrão? E será o discurso padrão válido? Creio que devemos dar uma chance para que um ponto de antagonismo se estabeleça em prol da saúde da própria discussão. Só assim poderemos adentrar nos confins da história e estabelecer com maior precisão e rigor a veracidade da própria história.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Acabo de ler "España en los diarios de mi vejez" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)

 


Os escritos de Ernesto Sabato são fascinantes. Ele é um grande pensador latino-americano e adentra no ringue com um dos maiores ensaístas do século XX. Sua obra, entretanto, também é marcada pelo tom lírico de sua escrita e pela utilização de múltiplas disciplinas para a criação conteudística.


Ernesto foi um intelectual altamente combativo e erudito. Capaz de prosear sobre os mais diversos assuntos como se estivesse num passeio. Não lhe eram incomuns temas como ciências exatas, humanas, sociais ou artísticas. Até o terreno da psicologia e biologia lhe eram comuns.


Nesse livro, estamos na fase adulta desse grande homem. Percebe-se que nesse período existe um tom mais sereno no escrever, o que é particularmente distinto do tom mais beligerante usado "Uno y el Universo". No livro anteriormente analisado, permanece a crença na ciência e na técnica. Aqui existe o conhecimento de que a ciência e a técnica são boas, mas devem ser utilizadas de modo humanisticamente responsável.


Há também o fato de que Ernesto também comenta assuntos menos abstratos e mais ligados à vida cotidiana. Coisa que lhe seria bastante estranha quando era mais novo. O que demonstra uma apreciação mas multifacetada da vida e menos ligada às altas abstrações da vida acadêmica/intelectual.


De fato, como o livro em si demonstra e pelos discursos apresentados por admiradores da obra sabatiana, Ernesto é um grande pensador e não poderia ser ignorado sem que se perca substancial parte do pensamento latino-americano e mundial. Visto que a obra de Ernesto não é só muito apreciada na América Latina, como em todo o mundo.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Acabo de ler “A Educação para uma compreensão crítica da arte no ensino fundamental" de Dr. Teresinha Sueli e Lila Emmanuele

 


Quando pensamos sobre o ensino de arte no Brasil nos deparamos com um grande problema conjuntural: como podemos nos enquadrar numa sociedade extremamente multicultural - o Brasil é uma união de distintos povos - e, ao mesmo tempo, tão radicalizada em problematicidades oriundas de comportamentos e pensamentos de matriz universalista e pulsões de dominação por grupos majoritários ou minorias poderosas?


Anteriormente a educação no âmbito das artes era abertamente reprodutivista, essencialista e universalista. Sua busca era atender a profissionalização, uma necessidade do mercado de trabalho. Uma importante questão era ignorada no ensino da arte: o pensar criticamente a própria arte. A arte precisa ser pensada além de ensinada e localizar os contextos, questioná-los e até mesmo relativizá-los é de suma importância.


A educação pós-moderna visa uma cidadania responsável. Ela é propulsionadora duma ótica mais multicultural, na defesa duma sociedade mais plural e também questionadora das estruturas de dominação e exploração. As realidades sociais não são tidas como essenciais e tampouco adquirem o status de inquestionabilidade. A lógica ocidental criada por homens brancos não é vista como universal. Muito pelo contrário: a educação pós-moderna visa uma dialogicidade entre as mais diversas formas de se realizar o ato artístico.


Creio que precisamos pensar responsavelmente a arte. E pensá-la responsavelmente requer uma atitude de igualdade entre as diferentes culturas, aceitando - e não apenas tolerando - o outro em sua humanidade. Pensar de forma pós-moderna, no fundo, é isso: pensar humanisticamente. Abrir o diálogo, não querer a submissão de um povo, deixar que cada um possa adentrar no oceano da multicultura e fazer sua arte de forma crítica e responsável.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Acabo de ler "Jogos teatrais na sala de aula" de Maria Lúcia de Souza Barros Pupo

 


A anatomia do estudo de teatro, em seu aspecto de encenação, é bastante diferenciada do estudo usual. Visto que seu visar é mais lúdico e menos domesticado por abstrações teoréticas que elevam a imaginação aos céus sem mexer muito com o corpo, levando um desnivelamento entre aquilo que se estuda e aquilo em que o corpo inteiro atua.


Por meio dos jogos teatrais temos o estudo lúdico em uma ficção partilhada. Existem diferentes jogadores que, perto um do outro, traçam linhas atitudinais. Cada um deles faz um personagem-tipo diferente e atua cenicamente de modo experimental. O que dá margem a uma série de problemáticas que são resolvidas durante o jogo e podem ser repensadas.


Por meio desse jogo se desenvolve simultaneamente a expressão corporal e a escuta atenta no sentido mais profundo do termo. Não só aquilo que o companheiro ou a companheira fala verbalmente, mas por meio de sua expressão não verbal. O que a sua vestimenta traz, o que seu posicionamento corporal traduz, o que a sonoridade se sua voz ecoa. Tudo isso leva a uma atenção multicorrelacional em que a percepção da pessoa em si é exercitada.


É nesse brincar que são trabalhados exercícios de alteridade em que nos colocamos e corporificamos na pele do outro. Tentando viver as suas vidas. Tentando entender quais são os problemas que ele tem. Quais são as suas debilidades. E também podemos levantar hipóteses sobre distintos cenários possíveis, reimaginando também as nossas próprias possibilidades enquanto indivíduos portadores de vontades e de liberdades.


Estudar teatro é, seja pelos jogos teatrais, seja pela imersão nos aspectos teóricos, uma forma de repensar a vida em sua totalidade. Visto que tudo é um cenário e tudo exige, de cada um de nós, um modelo de atuação e uma forma de personificar o que queremos com a totalidade de nosso ser.

Acabo de ler "O belo, a percepção estética e o fazer artístico" de Cristina Costa

 



A sociologia da arte estuda as manifestações artísticas através das diferentes sociedades em seus diferentes percursos históricos. Cada qual com gostos diferentes que dão uma mensagem sobre o que se passa nessas sociedades. O artista é tido como um agente social que serve para justificar o poder instituído ou contradizê-lo por meio de sua arte.


Quando pensamos na arte não podemos adentrar numa lógica universal, visto que cada arte representa os valores ou contra-valores dos diferentes grupos que estão em disputa. Sendo que o maior valor apresentado não é do grupo marginal, mas aquele que pertence a classe dominante. Isto é, dos detentores dos meios de produção cultural. Embora seja verdade que os detentores dos meios de produção cultural podem ser a alta burocracia que, nos países autointitulados de comunistas, usurparam o poder do proletariado e campesinato, constituindo assim a nova classe dominante.


O juízo estético é fruto das diversas composições que formam nosso ser: classe social, classe econômica, período histórico, gênero, cultura, geografia, religião, crenças. Tudo isso envolve a forma com que veremos e perceberemos a sociedade. Então não temos juízos imparciais para criar uma universalidade, essa sempre vem dum desejo de dominação e desumanização dos grupos minoritários ou tidos como inferiores. Esse assunto é, na sociologia da arte, palco de inúmeros debates.


A ótica que temos hoje é uma ótica de legitimação da diversidade. A razão disso? A sociedade globalizada sempre nos põe em contato com o outro. Dificilmente um cidadão urbano, em contato com múltiplas culturas e bastante conectado a internet, poderia ter uma lógica não cosmopolita. E é por isso que a pretensão hegemônica de certos grupos é abstrata, visto que eles mesmos são mesclas de vários grupos ou até mesmo visam paralisar esse ambiente por meio dum movimento de censura e paralisação do processo global.


Estudar sociologia da arte é uma forma de aprender mais sobre nós mesmos, de nossa sociedade, de nossa cultura. No entanto, não para nisso: compreendemos mais do outro, do passado e da relatividade.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Acabo de ler "O ensino de arte na educação brasileira" de Rosa Iavelberg

 


O Brasil sofre de enormes debilidades na questão do ensino da arte em suas instituições de ensino. Mesmo após tantos anos e tantos avanços, temos uma generalizada crise e insuficiência no quesito do ensino da arte em nosso país.


Em primeiro lugar, é preciso compreender que "arte" se divide em quatro linguagens:

1- Artes Visuais;

2- Música;

3- Teatro;

4- Dança.


Se existem quatro linguagens, como é que um único professor pode ser capaz de passar essas quatro linguagens de forma igual e com rendimento simétrico com uma formação debilitada e, muitas vezes, não atualizada? Não só a formação do professor é deficiente, a sua atualização como professor também é. Como resultado, o contato dos alunos com as linguagens e expressões da arte é irregular e deficitário.


Corre também outro fato: o professor é muitas vezes obrigado a dar aula em mais de uma escola para sobreviver. Essa característica torna ele incapaz de ensinar, pois o intelectual é um atleta do pensamento. E o atletismo requer um treino constante. A ausência de amparo financeiro - salário adequado - cria uma característica bastante insalubre: professores que não estudam dão aulas sem refletir e sem se aprimorarem enquanto intelectuais.


Questionar sobre o ensino da arte em sua singularidade leva a um questionamento sobre o quadro geral da educação no Brasil. E esse quadro geral também revela as deficiências do Brasil enquanto nação e a linha estratégica de seus projetos de Estado. Falta-nos, como sempre, uma consistência e uma visão. Nosso caminhar é tímido e montado por acasos e tropeços.