quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Scripta Thomistica #5: Introdução à Suma Teológica

 


A Suma Teológica é o mais perfeito e influente trabalho de São Tomás de Aquino. O livro terminou incompleto por causa da sua morte. Especula-se que o livro era um texto de estudo para estudantes dominicanos. Porém exigia-se uma compreensão prévia de artes liberais, filosofia e (Sagrada) Escritura. A intenção era dar um compacto e ordenado sumário que fosse mais próprio ao estudo.


Existem três partes centrais na Suma Teológica.  Elas divididas em questões e as questões são divididas em capítulos.


— A Primeira Parte (Prima Pars):

- Começa com a questão da metodologia;

- Passa por várias questões a respeito de Deus;

- O Deus único, a Trindade;

- Fala sobre a criação, fala do ato da criação, o trabalho dos seis dias, anjos, homens e governança divina.


— A Primeira Parte da Segunda Parte (Prima Secundae):

- Vida moral;

- Constrói os blocos que constituirão a vida moral;

- Trata da beatitude, a ação humana, as paixões, os hábitos, as virtudes, as graças do Espírito Santo, os vícios, os pecados, a lei e a graça.


— A Segunda Parte da Segunda Parte (Secunda Secundae):

- Há uma especificação maior na vida moral;

- Aqui estão as virtudes individuais por si mesmas;

- Fé, esperança, caridade, prudência, justiça, fortitude e temperança;

- Termina com os bens carismáticos e os Estados da vida.


— Terceira Parte (Tertia Pars):

- (Jesus) Cristo e os sacramentos;

- São Tomás de Aquino não terminou essa parte;

- Ele tentou trazer todos os sacramentos, mas conseguiu trazer apenas três;

- É por isso que há um suplimento. 


— A Organização da Suma:

- Há um movimento de sair e voltar para Deus;

- É chamado de Esquema Exitus-Reditus;

- Começa considerando Deus por si mesmo, depois a percepção das criaturas a respeito de Deus, depois o retorno delas para a vida moral através de Cristo e seus sacramentos.

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Scripta Thomistica #4: relevância

 


Atualmente existem frases que persistem: "o pensamento de Tomás de Aquino não é relevante nos dias de hoje", "Tomás de Aquino era um gênio da síntese no seu tempo, isto é, no século XIII", "nós precisamos verdades comuns da era, da filosofia moderna e da ciência natural de nosso tempo, criando nossa própria síntese". Diante de todas essas palavras, para que ler Tomás de Aquino?


São Tomás de Aquino desenvolveu uma visão em que defendia a doutrina da fé razoável, isto é, a compatibilidade entre a fé e a razão. Aquinas também desenvolveu uma filosofia do mundo natural que examina o reino natural e a essência das coisas, além de olhar a causalidade, o tempo e a mudança em uma direção que é profundamente compatível com que ciência naturais que são praticadas hoje. Aquino demonstrou como um conhecimento filosófico sobre o mundo natural que é compatível, mas não idêntico, as verdades da fé católica.


Filosofia, ciências naturais e Revelação Divina: todas elas nos ensinamentos várias verdades sobre o mundo, mas também verdades que são compatíveis umas com as outras. Tomás de Aquino não era um fundamentalista que rejeitava os ensinos naturais. Tampouco era um cético racionalista que rejeitava considerar a possibilidade da Revelação Divina. No pensamento de Tomás, a razão e a fé eram distintas, harmônicas e sinfônicas.


O pensamento sobre Tomás de Aquino sobre os seres humanos é de que éramos animais pessoais, almas encarnadas. Ele defendia o hilemorfismo, o ser humano é corpo e alma. Logo ele não era um materialista e nem um dualista.

Scripta Thomistica #3: o trabalho de São Tomás de Aquino

 


Nos anos iniciais da sua carreira, São Tomás de Aquino trabalhou com a filosofia natural e com a metafísica. Mais tarde, ele fez um bacharel nas Escrituras, escrevendo seus primeiros comentários bíblicos. Tecendo os seus comentários as sentenças de Pedro Lombardo. Quando ele se tornou mestre em teologia, ele tinha três principais responsabilidades:

1. Ler e comentar a Escritura;

2. Entrar nas questões teologicamente disputadas;

3. Pregar a palavra de Deus.


A Escritura, como a alma da teologia, não sairia do farol do Doutor Angélico. Ele fez alguns trabalhos com o Antigo Testamento, dois evangelhos, todas as epístolas de São Paulo e teceu um compilado de comentários dos Evangelhos cotando os Pais da Igreja.


Além disso, São Tomás de Aquino comentou os mais importantes trabalhos de Aristóteles.


— Os dois mais importantes trabalhos de São Tomás de Aquino:

- Suma Contra os Gentios: um trabalho missionário, tenta conversar com os não-cristãos de uma maneira compreensiva, ele usa mais a razão natural antes de apelar para a Revelação no final do livro;

- Suma Teológica: é a sua obra mestra, nele ele cobre toda a Teologia Sagrada em forma de sumário.

Scripta Thomistica #2: a fé é irrazoável?

 


Três erros fundamentais:

1. Ceticismo: a visão de que a fé por si mesma é irracional ou contraditória com a razão. Comentários como "a fé não pode ser provada, logo é irracional" ou "a ciência desaprova a religião";

2. Fideísmo: essa visão concorda que a fé é desaprovada pela razão, mas diz que isso não é um problema, diz para ficar só com a fé.  Fala que tudo o que precisamos é a Bíblia, para não nos preocuparmos com a razão e a ciência;

3. A fé puramente subjetiva: nessa visão, a fé só interessa ao campo puramente individual, como um fenômeno unicamente pessoal ou interior.


São Tomás de Aquino argumentava que a fé e a razão nunca estão em contradição. Visto que há uma unidade fundamental na ordem da realidade. Logo não há como algo ser verdadeiro de acordo com a fé e ao mesmo tempo falso de acordo com a ciência e a razão. Além disso, a verdade nunca pode ser subjetiva, nem privada ou pessoal, visto que ela é baseada em algo que está fora da nossa mente. Deus, como fonte da própria realidade de tudo o que existe, é a última fonte da luz da razão, como também é a luz da revelação divina e é a luz da fé.


Razão e fé vêm de Deus, e a verdade é uma só, logo a podemos ser confiantes que fé e razão nunca estarão em contradição, visto que a verdade não pode ser autocontraditória. Podemos estar enganados em correlação com os mistérios da fé. Podemos enganados a respeito do que pensamos a respeito de Deus.


Existem casos que superam, na fé, a razão natural. Nesse caso, convém o ensinamento da Igreja. A divindade de Cristo e a Santíssima Trindade são dois exemplos que escapam da razão natural. Aqui cabe a luz sobrenatural da fé, muitos creram nela sem hesitação e sem reservas. Visto que, em última instância, Deus é Verdade.

Scripta Thomistica #1: na tempestade

 


Queria me dedicar aos estudos tomistas faz tempo. O que ando vendo no mundo vem me deixado muito mal. Fiquei cansado de tanta violência, sensacionalismo e populismo. Tudo parece conturbado. Não aguento vem um jornal e já me deparo com uma tragédia que se anuncia após a outra. Resolvi estudar o tomismo para recobrar a paz de espírito.


Escolhi de São Tomás de Aquino pela gratuidade do curso e pela minha afinidade com o Direito Natural. Além disso, pelo meu reconhecimento ao tomismo. A sua sabedoria filosófica e teológica, o fato de existirem pensadores que até hoje seguem o seu pensamento. Ademais, ele é o Doutor Angélico da Igreja. Fora a sua pureza e castidade. Tudo isso me motiva.

Sociologia Iuris #5: O Comportamento da Lei

 


O que explica as variações nos casos jurídicos? Em notas públicas passadas, vimos que o jusrealismo acredita que as normas jurídicas são insuficientes para explicar o resultado e as variações que vemos em casos jurídicos. É por isso que eles buscam fazer pesquisas para compreender as razões que levam as variações entre casos semelhantes e distintos.


Existem muitos modos de tentar se chegar a como a lei de fato é. Uma das possibilidades  é a antropologia jurídica. Essa área da ciência jurídica se dedica a estudar a lei em sociedades mais tribais ou sociedades de tipo mais tradicional. É o caso do livro "The Cheyenne Way" escrito por  E. Adamson Hoebel (antropólogo) e Karl Llewellyn (jusrealista).


— Teoria da Rotulação:


Nessa teoria, a intenção é chegar a compreensão da variação entre o que determina o desvio, visto que os atos isoladamente não explicam. Ela sai do simples questionamento (por qual razão as pessoas cometem desvios de conduta) para ir em direção a algo mais complexo (por qual razão algumas pessoas são caracterizadas como desviantes e outras não mesmo que o seu comportamento seja basicamente o mesmo).


— Donald Black:

- The Behavior of Law (livro)


O senhor Donald Black, um sociólogo americano que foi professor da Universidade de Virgínia, começou os seus estudos pela polícia. Com o tempo ele foi desenvolvendo teorias mais gerais, científicas. Uma teoria sociológica que pudesse explicar a variação em vários distintos estágios. Ele também tentou identificar padrões. Além de sistemas de controle social alternativos (como a família). Fora a tentativa de compreender isso em todas as sociedades humanas.


Nesses seus estudos, ele compreendeu que a lei era quantativamente variável. A quantidade de leis predizem outros aspectos do mundo social. A quantidade de leis tinha correlação com o comportamento humano. Podemos ter maior ou menor quantidade regulatória em determinas situações. Podemos compreender a quantidade de leis como a quantidade de controle social governamental. E podemos compreender o controle social como um processo de definição e resposta ao desvio.


A lei é variável em acordo com a estrutura social. A estrurura social pode ser definida como o relacionamento entre várias pessoas. Essa estrutura varia de várias formas. Quando há intimidade ou estranheza. Quando são membros de um mesmo grupo cultural ou de diferentes grupos culturais. Quando eles são da mesma classe ou quando são de classes diferentes. Diferentes estruturas sociais atraem diferentes quantidades de leis. O padrão de relacionamentos entre todos afeta a quantidade de leis que serão dispostas, podendo ser maior ou menor de acordo com essas relações. 

Acabo de ler "A Filosofia do Direito Natural de John Finnis" (Parte 1)

 


Nome:

A Filosofia do Direito Natural de John Finnis


Autores:

Victor Sales Pinheiro

Horácio Lopes Mousinho Neiva


O jusnaturalismo, diga-se de passagem, é muito atacado e sempre encontra uma indisposição de diálogo e preconceito ideológico. Muitas vezes, não atacam ele, mas o seu espantalho.


John Finnis, um defensor moderno do jusnaturalismo, trabalha com a ética dos bens humanos básicos e da necessidade do bem comum. É evidente que há uma interdependência entre a ética da razão prática, a ética dos bens humanos básicos no direito comum, a necessidade da autoridade do Estado de direito de se firmar nos direitos humanos, além de uma indagação a respeito da existência de Deus como fundamento último da racionalidade humana.


Como é importante salientar, o jusnaturalismo se contrapõe ao juspositivismo. O positivismo jurídico (juspositivismo) apresenta uma tese acerca dos critérios da validade jurídica que é diferente da tese jusnaturalista. Nele há a separação dos valores morais. Isto é, os valores morais não entrarão no conjunto de razões relevantes para aceitação de um ordenamento jurídico como ordenamento jurídico. O positivismo metodológico defende a neutralidade moral da teoria do direito. O que John Finnis verá como inconsistente. Visto que a teoria do direito, para ele, apresenta valor substantivo.


Quando pensamos a respeito do direito, temos um empreendimento normativo. As normas necessariamente passam por uma dimensão valorativa. Elas não podem ser avaliadas de modo puramente descritivo. Nenhum teórico pode dar uma descrição ou análise teórica dos fatos sociais sem também participar do trabalho de avaliação. Ele sempre se questionará o que é bom para as pessoas. O que é realmente exigido pela razoabilidade prática. Quando ele faz isso, ele faz um julgamento avaliativo. É por isso que Finnis defende que a teoria do direito deve ser diretamente avaliativa. Logo ela não será normativamente inerte. Qualquer teoria geral do direito, mesmo que com ambições meramente descritivas (tal como os juspositivistas intentam fazer), necessariamente preferirá um conceito de direito a inumeráveis outros. E aí vem o questionamento: "por qual razão esse conceito de direito é melhor do que os outros?".


O nosso conceito de direito não é algo neutro. Ele vem de uma importante parte de nossa cultura, de nossas tradições culturais e de nosso autoentendimento enquanto sociedade. Isso ocorre pois a sociedade precisa de conceitos compartilhados para existir enquanto sociedade. A sociedade precisa de uma concepção de propósito/finalidade, visto que não há prática humana sem finalidade. Além disso, ações e práticas humanas só podem ser compreendidas em correlação a sua finalidade, com seu ponto, com seu valor, com o seu propósito. Em outras palavras, há uma dimensão teleológica, visto que é observável que não se pode reconhecer uma ação sem saber qual é a sua finalidade.


O direito, enquanto instituição social, requer um telos. Isto é, um fim para que ele se volta. Ele requer um caso central. Quando questionamos a função do direito, perguntamo-nos a respeito da sua finalidade. Em outras palavras, é implícito que buscamos a sua prioridade. O ponto de união: como as pessoas entendem a sociedade e o sistema jurídico. E todo sistema jurídico necessariamente afirma ser uma autoridade legítima. Para justificar essa legitimidade ele requererá um caso central e significado focal.


Existem diversos conceitos de direito, diversas intuições e opiniões diversas a respeito dos limites do direito e de seus propósitos. É preciso elencar uma prioridade. Logo precisamos, para cumprir essa finalidade, rejeitar a natureza moralmente neutra da teoria do direito. Visto que para escolher razões normativas, que justifiquem nossas normas, precisar dar razão para nossas escolhas conceituais. Em última instância, um argumento normativo (e o direito é uma ciência social normativa) é um argumento que aponta para o caráter bom de determinada característica ou propriedade do direito. O direito, enquanto ciência social normativa, requer argumentos normativos e precisa determinar um conceito focal. Ele precisa justificar o seu propósito, a sua finalidade.


Um jusnaturalista procura a justificação axiológica da existência do direito. Ele busca saber o que é moralmente aceitável. E é por isso que John Finnis procurou determinados pontos basilares:

1. Teoria moral do florescimento humano;

2. Bens humanos básicos;

3. Razoabilidade prática;

4. Bem comum.


O bem comum é um conjunto de condições necessárias para a realização dos bens humanos básicos, os bens humanos básicos constituem a base necessária para o florescimento humano. O direito tem autoridade legítima quando serve ao bem comum, quando promove a justiça dos direitos humanos. A razão jurídica, por sua vez, serão as razões para a ação com a finalidade de promover o bem comum.


Toda ação humana carrega uma dimensão teleológica. Visto que toda ação humana carrega um sentido, um propósito. O direito também tem uma dimensão teleológica. E só pode ser justificado que a sua finalidade for boa. Como uma instituição social, ele deve ser socialmente justificável. Então o bem comum é necessário para a existência do direito. É por isso que Agostinho de Hipona diz que "lex iniusta non est lex" (lei injusta não é lei). Visto que se a finalidade da lei é o cumprimento do bem comum, uma lei injusta não cumpre o bem comum, sendo portanto um desvio ou uma subversão do que a lei deveria ser. É por isso que há uma conexão entre a obrigação jurídica e a obrigação moral na teoria jusnaturalista, visto que há uma obrigação do bem comum na esfera da justiça.


O teórico jusnaturalista deve se tornar cada vez mais reflexivo e crítico, visto que essa escola doutrinária, exige juízos cada vez mais bem dotados de razoabilidade a respeito do que é bom e razoável na prática. O jusnaturalista vê o bem comum como fundamento do Estado de Direito. E o seu compromisso moral é assegurar o bem comum.