quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Acabo de ler "Sobre o sentido da Vida" de Viktor Frankl (Parte 4)

 



Dizer sim a vida, apesar de tudo. Esta é a condição para viver, embora não seja fácil. Sendo a vida a indagadora de tudo, temos que escolher como agir e não questionar as questões da vida. O que podemos questionar, e isso sim nos cabe, é como agir. Somos livres comportamentalmente, mas não somos livres quanto às questões apresentadas pela vida. Ela é, e sempre foi, tal qual o destino.


Frankl nos conta um lado profético, até mesmo poético, do campo de concentração de Buchenwald: "queremos, apesar de tudo, dizer sim para a vida". O que esses prisioneiros fizeram, cantar em meio há tanto sofrimento, transcende qualquer concepção. É aceitação da vida até as últimas consequências. Mesmo com o sofrimento, mesmo com a dor, mesmo com a morte. E a vida existe e tem sentido apesar de todas as realidades conjunturais que se apresentem circunstancialmente. Isto é, o questionamento que a vida apresenta é variável, mas o sentido não. O sentido existe apesar de toda situação apresentada. Tal qual "Deus é", o "sentido é". Pode mudar de figura, de forma, de conjectura, mas não deixa de existir.


É preciso que exista, dentro de nós, um ímpeto de responder tal questionamento. Já que, como disse Frankl, a vida é um jogo existencial e todo esse jogo só pode ser respondido existencialmente. Ser é assumir a responsabilidade e agir. Ser alegre na resposta que iremos tomar, pois toda decisão assume a roupa de eternidade. Toda ação tomada se registra na eternidade. Fazer algo é, em última instância, realizá-lo eternamente. Não fazê-lo é eternamente deixar de o fazer naquele momento em específico que se registrou na eternidade.


Frankl está, para mim, como uma das melhores leituras de 2023/2024. Me ajudou - e me ajuda - em muito nesse processo existencial que tenho passado. Há, em mim, o desejo de viver apesar de tudo que tenho passado, de toda angústia psíquica que venho, nos últimos tempos, sofrido. Tenho o desejo que continuar a caminhar - ou, melhor, marchar -, apesar das circunstâncias desfavoráveis.

domingo, 21 de janeiro de 2024

Acabo de ler "Sobre o sentido da Vida" de Viktor Frankl (Parte 3)

 



Na parte anterior lhes alertei que não somos nós que determinamos o sentido de nossas vidas, mas as ações que tomaremos sobre as possibilidades de sentido que a vida nos oferta. Ou seja, trata-se dum giro de 180 graus. Não mais nos questionamos qual é o sentido, questionamo-nos, isto sim, sobre como agir no horizonte que se nos apresenta.


Frankl nos convida a fazer um giro de questionamento, em vez de perguntarmos o "por que?", nos perguntaremos "para que?". Não nos é permitido, isto pela natureza da vida em si mesma, escolhermos e criarmos um mundo em que toda nossa vontade se projete perfeitamente na realidade e sonhos irrealistas podem acabar por gerar maior frustração existencial. O questionamento, direcionado agora para finalidade (para que?), busca compreender aquilo que está sendo apresentado existencialmente diante de nós e o que podemos aprender - no fundo, extrair - dessa vivência e como nos portaremos diante dela.


A chave "determinismo" e "liberdade" estão encaixadas. A vida é determinada, já que o ambiente externo não pode ser elegido e moldado absolutamente. Todavia temos, em algum grau, possibilidade de agirmos como bem desejarmos sendo bem sucedidos ou não. Frankl fala da vida como um "jogo de Xadrez", cada situação existencial requer, por sua natureza, uma jogada existencial. Tudo que fazemos, em nossa vida, é basicamente uma série de apostas mais ou menos calculadas de acordo com nossas hipóteses.


Viver é ser indagado. A vida nos questiona através de situações existenciais. Não somos nós que questionamos ela, estamos numa situação que revela exatamente o contrário: a vida que, por meio de situações, cria circunstâncias em que podemos ou não agir de tal ou tal modo. Não se trata de perder ou ganhar, trata-se tão apenas de seguir jogando conforme o conhecimento acumulado e força de vontade. E uma perda no mundo exterior não representa, de modo algum, uma perda interior. Muito pelo contrário: a vitória no mundo exterior é quase sempre provisória, a única vitória que podemos garantir é a interior. Faça o que fizer, continue o combate.

sábado, 20 de janeiro de 2024

Acabo de ler "Sobre o sentido da Vida" de Viktor Frankl (Parte 2)


 


Na sua experiência trágica com o holocausto, Frankl perceberia que a câmera de gás deixaria de ser uma ameaça e tornar-se-ia, pouco a pouco, uma espécie de antídoto e esperança. Isto é, estar em uma acumulação trágica tão grande que, quando menos percebe, a morte lhe soa como um doce alívio e não a negação fulminante de qualquer felicidade ou prazer futuro.


Scruton escreveu, em um livro que não me lembro, que em certos casos a existência é tão assustadoramente sombria que a morte é a única possibilidade de alívio do ser. Como, por exemplo, no caso de africanos que eram colocados em navios negreiros para serem escravizados ou para judeus que sabiam que iriam parar no campo de concentração.


O que houve, então, com Viktor Frankl? Mesmo com crises, deu continuidade a sua vida. Decidiu que, em vez de buscar a morte, imperiosamente trabalhou para vida e criou, pouco a pouco, uma escola psicológica que ajudou - e ajuda - várias almas desesperadas ao redor do mundo. Tudo isso graças a uma experiência que, longe de ser animadora, negava seu ser ao todo.  A mais excruciante negação de si, Frankl não se deixou ser dissolvido pelo meio e afirmou gloriosamente a subjetividade de seu distinto espírito.


A afirmação: "o ser é" está dada como definitiva de Frankl. Visto que a aceitação do destino faz parte da vida, tal como a aceitação da morte e do sofrimento. E elas, temos que admitir que, mesmo que amarguradamente, elevam a nossa capacidade ao sobrevivermos e superarmos seus desafios. A existência é, em si mesma, uma indagação. Já que, em Frankl, não somos nós que decidimos o sentido de nossas vidas, é a vida que nos dá o sentido em forma de questionamento.


A situação em que nos encontramos, o que está posto, é uma questão existencial e a nossa possibilidade é, tão apenas, escolher como responderemos a indagação que a vida nos apresenta. Logo, não podemos questionar o sentido da vida, só podemos ver a vida em si mesma revelar-se e nos posicionarmos por meio de atitudes para respondê-la. 

sábado, 30 de dezembro de 2023

Acabo de ler "Sobre o sentido da Vida" de Viktor Frankl (Parte 1)

 



Viktor Frankl é marcado como um dos maiores intelectuais do século XX. O fato dele ter vivenciado o holocausto, a dura realidade do campo de concentração e ter saído de lá portando uma teoria que revolucionou todo ambiente psicoterapêutico mundial é ainda mais notável. Como um indivíduo é capaz de entrar num ambiente em que há um movimento de profunda anulação do ser e sair dali plenamente fortalecido em sua individualidade? E mais do que isto: fortalecido de forma tão substancial ao ponto de alterar a realidade mental de inúmeras pessoas num grande levantamento de metanoias e de expansão de consciências?


Em primeiro lugar, vamos a alguns dados filosóficos e sociológicos:

1. O Um representa o indivíduo em sua subjetividade.;

2. O Múltiplo representa o meio (social, político, econômico, material, etc) que o indivíduo (Um) se insere;

3. É observável que o Múltiplo (meio) sempre tenta anular o Um (sujeito);

4. Em situações de coletivização radical da sociedade, sejam por motivos políticos, religiosos ou culturais, a subjetividade se torna um risco em potencial ao projeto tribalizador seitizante do coletivo;

5. No nazismo, tal situação tornar-se-ia radicalmente deplorável.


Dito isto, é impressionante que Viktor Frankl tenha saído se fortalecido e não se dissolvido. O martírio social ao qual passou transcende em muito a situação que passamos hoje - mesmo que a idolatria social ainda seja imposta a ferro e fogo.


Para Frankl, o destino exterior (a realidade) apresenta a possibilidade dum movimento interior. Há um movimento interno que pode ser tomado em face de cada realidade que se apresenta. O posicionamento interno pode estar atrelado a uma vitória interna mesmo quando há uma derrota externa. E a derrota externa não significa a dissolução do indivíduo enquanto tal, visto que o indivíduo pode vencer internamente ao não se deixar dominar pelo terrorismo da multiplicidade.


O posicionamento interior, a realidade intraestrutural de cada humano, pode ser uma chama que irradia mesmo dentro do mais sombrio, denso e assustador oceano. Para cada circunstância, uma possibilidade atitudinal.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Acabo de ler "Amores Proibidos na história do Brasil" de Maurício Oliveira




Nada melhor do que terminar o ano lendo sobre o amor, não é mesmo? Este livro traz uma perspectiva intensamente interessante: partes da história de nosso país contada através da situação romântica de homens e mulheres que marcaram a história do Brasil. Um prato cheio para quem busca estudar nossa história sem o fardo de se perder no vaivém burocratizante e sonífero que toma conta da nossa história extremamente academicizada e pouco apaixonada.


Aqui o leitor entra em contato com uma realidade que transcende a banalidade oficialesca que é usual nossa forma histórica-narrante, isto é, ele sai das condições do castelo de marfim dos padrões normativos e adentra nos terrenos ocultos e íntimos do amor. O leitor, pouco a pouco, compreende que os grandes homens e mulheres de nosso país não eram tão somente figuras de ação política, cultural ou econômica: eram homens e mulheres normais, infinitamente normais, e, portanto, ligadas ao ato profundamente humano e normal que é o ato de amar.


O que move a história é mais do que uma gigantesca maçaroca de idealidade abstrata. O que move a história é muitas vezes o desejo de amar e ser amado. E esta necessidade leva os seres a grandes ideias. O amor precede tudo. O amor é o guião da inteligência e dos grandes atos. Até mesmo a ciência está envolta deste calor efervescente a qual poderia chamar de chamas do amor. A ideia de que estamos separados do imaginário e da busca do Ordo Amoris em todos os nossos atos nada mais é do que uma construção da própria imaginação humana e a objetividade nada mais é do que um fruto dum desejo subjetivo.


O leitor corre um grande risco ao entrar em contato com esse livro: o de ver-se humano. Quando nos vemos como humanos, apaixonamo-nos e deixamo-nos a mercê dos ventos da impotência da volatilidade do desejo. E, quiçá, em uma época tão dominada pela idealidade vazia dum maquinacismo vil, exato e proporcionalmente desumano, esta ação de se deixar levar seja a nossa principal lição.

sábado, 16 de dezembro de 2023

Acabo de ler "Paulo Francis, Polemista Profissional" de Paulo Eduardo Nogueira

 



O que define um intelectual marcado pelo paradoxo? Sua aversão à crescente coletivização da consciência acadêmica em prol duma seitização do debate me encanta. Sabemos que, hoje, há uma tendência perniciosa que confunde escolas de pensamento com unidades doutrinais de sistemas teológicos que só podem ser aderidos por inteiro ou negados por inteiro. Com tal comportamento, vemos a negação sistemática do livre pensamento, do livre exame e, por fim, da consciência individual como consequência lógica deste encadeamento trágico.


Paulo Francis é um homem contraditório, de erros e acertos. Isto não é uma desqualificação: é a própria natureza humana que assim o é. A humanização do debate, se considerada seriamente, começaria pela aceitação da subjetividade humana. Isto é, em vez da classificação e adesão restrita aos conteúdos unitários de escolas de pensamento - tomadas em sentido religioso -, teríamos que considerar a pessoa, sua subjetividade e a individualidade de sua construção intelectual. Atualmente o que temos é um classificacionismo que visa, antes de tudo, transformar o debate em ordens tribais em que as pessoas são justificadas perante a sua tribo e condicionadas a elas.


A própria hipótese de que alguém possa, por livre exame, chegar a uma construção intelectual autêntica soa como uma heresia e é tomada com desdém ou com incredulidade. Em vez de pensar na pessoa em si, pensa ela em relação ao grupo e ao suposto grupo que pertence. O debate sempre terá frases como "isso vai em contradição com o seu grupo" ou "você está em contradição com a sua escola". Aos partidários dessas seitas infernais, uma resposta é necessária: minha escola é o mundo e meu método é o livre exame. Intimamente a consciência individual importa mais do que o (auto)condicionamento irrestrito.


Francis errava, como todo ser humano. E errar é da natureza humana. As críticas a Francis escondem mais do que ao erro "X" ou "Y", escondem uma postura disciplinada de tribalismo coercetivo que condena sobretudo a quem pertence supostamente ao grupo que se odeia ou ao grupo que se deve aderir fielmente como crente.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Acabo de ler "Teatro Completo: Peças Psicológicas" de Nelson Rodrigues

 



"E se, todavia, quereis saber, ainda, o que quer dizer 'Viúva, porém honesta', eu vos direi: sua mensagem é demoníaca. Por 'demoníaco' entendo eu esse impulso que vem de dentro, das profundezas, esse grito irredutível contra tudo e contra todos que falsificam os valores da vida. É essa negação da ordem social, política, familiar ou religiosa que já apodreceu ou que representa verdades esgotadas"

Nelson


Já terminei de ler mais e de analisar mais da metade das peças teatrais de Nelson Rodrigues. Não dum tradicional, visto que o faço de "modo abstrato" para evitar dar spoilers ao possível futuro leitor e pelo fato de que o objetivo das análises postadas no Instagram é o de serem curtas, breves e rápidas de serem lidas.


Ler Nelson Rodrigues em sua forma teatral vem mudando toda minha percepção da realidade. Sempre fui muito próximo de sua obra jornalística e a sua obra literária mais voltada ao romance, mas como não fui muito próximo ao teatro, nunca tive muito interesse em ler a sua expressão teatral. Em minha vida, tinha lido poucos textos teatrais. A leitura dessas obras é fruto dum gosto muito recente. Juntei o útil (ler um gênero literário que eu tinha pouco contato) ao agradável (ler a obra de Nelson Rodrigues).


Pretendo, todavia, só terminar a leitura da obra teatral de Nelson Rodrigues ano que vem. Atualmente tenho que terminar uma série de outros estudos e para adiantá-los preciso largar um pouco de minhas chamadas "leituras livres" - que não deixam nem por um momento de serem intelectualmente proveitosas.


Creio que se pudesse dar uma recomendação aos estudiosos, recomendaria a leitura mais acentuada do corpo literário de Nelson Rodrigues. Apesar das diferenças culturais geradas pelo tempo e a suavização dos costumes que Nelson criticava, ainda há um quê que nos escapa profundamente: a angústia da desejabilidade que temos enquanto seres humanos de natureza essencialmente transcendental. O nosso desejo se choca com o mundo e nem sempre o mundo lhe corresponde, e isto leva a um sofrimento e é deste sofrimento (desejo x contradição) que a obra de Nelson trata particularmente bem.