segunda-feira, 8 de abril de 2024

Acabo de ler "Proposta ou Abordagem Triangular: uma breve revisão" de Ana Mae Barbosa

 



Quando refletimos sobre a arte devemos refletir de forma contextualizada, relativizadora e desalienante para que possamos ver a nós e aos outros de forma norma, pensando de forma crítica e conscienciosa.


Quando a burguesia criou a sua produção, ela precisava dum público consumidor. Para tal, ela reforçou um modelo de assimilação alienatória. Este modelo tinha muito a ver com a apreensão de objetos culturais - e também normas e valores - produzidos pela burguesia. Criou, com isso, uma dupla condição:

I- A venda de seus produtos culturais;

II- A assimilação de seus valores de forma imperceptível para a maioria das pessoas.


O modelo de cópia ou o mero consumo dos produtos, sobretudo aqueles produzidos pela indústria cultural, pode incorrer numa postura grosseira em que uma série de valores e normas culturais são psiquicamente naturalizadas como a realidade em si mesma e são reproduzidas por uma sociedade de modo acrítico. De tal forma, esse modelo de alienação pode ser aplicado por classes dominantes para arrefecer as classes dominadas ou por países dominantes contra países mais fracos.


A abordagem triangular é um modelo baseado na contextualização, na relatização dos valores e normas que regem o funcionamento das sociedades, na postura que temos diante do outro e de nós mesmos. É um modelo que pensa e age de forma crítica, possibilitando uma percepção social e uma autopercepção. O que vai contra as práticas de alienação e busca uma via de libertação pela arte. Buscando uma vida carregada de sentido, um devir artístico e descobertas múltiplas: sociológicas, antropológicas, geopolíticas, psicológicas, artísticas.

domingo, 7 de abril de 2024

Acabo de ler "O Papel do Encenador: das vanguardas modernas ao processo colaborativo" de Cibele Forjaz

 


Existe uma linha, aqui bastante simplificada, para entender o desenvolvimento do encenador/diretor:

1- A primeira posição seria apenas de uma pessoa que vai ajudando nos ensaios para que se acomodem a concepção artística dum dramaturgo, um papel majoritariamente tomado pela subordinação textocêntrica;

2- Posteriormente há um aspecto de vanguarda na direção teatral. O diretor começa a ser tomado como um artista e autor dum processo próprio: a passagem do texto para a cena. Ele é um adaptador e também um co-autor, visto que dá um sentido próprio;

3- Por fim, instale-se o processo colaborativo em que cada pessoa envolvida na peça do teatro adentra como coautora. Uma descentralização que tem a plena potência do vigor democrático.


Estudar a forma que o teatro passa pelo tempo é interessante. O teatro também faz parte da história humana, visto que a arte é intrínseca à humanidade. E é importante ver que a estrutura descentralizada é muito parecida com uma das principais pautas contemporâneas: o desenvolvimento das múltiplas personalidades em harmonia de reconhecimento mútuo e em conjunto para a instauração dum processo criativo.


Quanto mais o tempo passa, mais a sociedade é plural e maior é a necessidade de questionarmos a questão da autoridade e sua centralização. Visto que uma autoridade irredutível é a negação de outras subjetividades, já que elas teriam que se curvar ante a autoridade central. Nessa questão, é preciso que aprendamos a valorizar a importância de cada vida humana, sempre aprendendo com as diferenças e entendendo que cada um tem a sua singularidade. O teatro é uma arte libertacional e, por isso, adiantou-se nesse processo de aceitação da democratização tão necessário ao mundo atual. 

Acabo de ler "As mudanças do diretor teatral e suas respectivas evoluções" de Carlos Alberto Ferreira Silva



Antes do surgimento da figura do diretor, existia um cargo mais ligado ao ensaiador. A figura consistia no preparo dos atores para a peça. Com o tempo, a mudança tecnológica - como as técnicas de iluminação e sonorização - exigiam um diretor mais atento ao processo geral da peça, o que exigia um cargo de natureza mais sistemática.


A figura do diretor teatral surge lá para o final do século XIX. As necessidades do cargo eram: cuidar do processo teatral para que gere um produto final. Deste modo, o diretor não era, tão somente, uma figura que pegava a dramaturgia e colocava ela em cena de forma despreocupada. Era necessário que essa obra fosse passada teatralizadamente, num processo cênico de qualidade e com todos os arranjos ambientes e sonoros necessários. O diretor era também autor pois era o responsável pela condição cênica que seria passada ao público.


O diretor meio que verticaliza o processo das várias distintas figuras que se unem para o fazer teatral. Ele é influenciado por todas elas e dialogicamente influencia todas em direção do resultado criativo. O que o torna de suma importância. Visto que o diretor é, também, um teórico sistemático do fazer teatral e é responsável pela concepção do teatro na plena expressão de sua totalidade.


O teatro é, certamente, uma das artes mais belas. E compreender a questão da teatralidade e de sua necessidade na vida humana - visto que exercemos através de nossas máscaras sociais papéis distintos em nossas vidas - é libertador e, ao mesmo tempo, extremamente complexo.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Acabo de ler "O que é direção teatral?" de Walter Lima Torres

 


O teatro tem muitas características que são mais complexas do que podem soar inicialmente. Uma dessas características é a direção teatral. Todavia esse pequeno artigo trata de várias delas, de forma bastante interessante e com uma postura histórica apurada.


Um encenador teria que lidar com a ausência de atores e atrizes sem capacidade de leitura, por causa do analfabetismo. O treino das falas se tornava mais difícil. O diretor tinha que se submeter ao textocentrismo, dando margem a uma soberania dramatúrgica. O ator seria de um tipo-personagem só, com base muitas vezes em estereótipos.


Hoje em dia, o que mudou? O ator contemporâneo é camaleônico, mudando e reinventando-se enquanto ator com base num estudo pormenorizado em vários âmbitos. O encenador não pode mais escolher um ator com base em estereótipos de forma doutoral e precisa lidar com a coautoria do ator. O diretor não está mais submetido ao aspecto textocêntrico e tem maior maleabilidade, pensando na estrutura cênica. O dramaturgo precisa compreender que as peças não existem apenas por si mesmo, mas estão dentro duma dinâmica coletiva em que ele faz parte.


É central que hoje existe uma maior descentralização no teatro. Essa descentralização é baseada numa maior dimensão do coletivo enquanto portador de igualdade, inclusive na questão criativa. Logo há uma certa espécie de democratização do teatro. Essa mudança dificilmente veio para ser substituída. Além disso, ela é fruto do próprio aumento da educação.


O teatro, tal qual qualquer outra área, tem lá as suas modificações e o diretor também tem que lidar com essa pluralidade dialógica ao qual está submerso como membro do teatro. Ganhou maior autonomia, mas essa autonomia está enquadrada numa maior igualdade com seus parceiros de trabalho.

terça-feira, 2 de abril de 2024

Acabo de ler "Apontamentos bibliográficos sobre jogos teatrais no Brasil" de Alexandre Mate

 



O teatro é uma arte de subversão. Em todos os períodos históricos em que regras moralizantes, vindas das elites dominantes, foram postas para cercear a arte teatral, essa se viu privada de sua potência e, de modo inequívoco, tornou-se falha e desvirtuada.


A questão teatral é diferente de outras, existem três estados:

1- Jogo-Educação:

A primeira premissa que nos surge é a radicalidade divergente do método teatral. Seu método se dá muito pelo lúdico, como se estivesse num jogo.

2- Reflexão por Imaginação e Simulação Vivencial:

O teatro reflete por meio de exercícios que treinam a musculatura da imaginação. E é por meio dela que os estudantes vão, pouco a pouco, se reimaginando e se reinterpretando.

3- Provocação pelo Imaginário:

Aquele que se depara com uma narrativa utiliza sua própria memória e vida para refletir as questões existenciais que a obra apresenta. Logo a sua reflexão parte da sua emoção só para depois atingir a razão.


O ato teatral é, em si mesmo, uma postura subversiva. É subversivo em seu método educacional, atacando aqueles metódicos da rigorosidade objetiva que separam a emoção, o eu, o subjetivo. É subversivo na forma com que promove a reflexão, visto que sua reflexão parte de uma brincadeira e adentra em simulações existenciais. É subversivo na forma com que atinge o leitor, visto que o leva a refletir por meio de seu imaginário e coração. Tudo isso demonstra que o teatro está sempre numa posição distinta, de choque, de não-lugar.


O teatro é algo que vai sempre além. É algo que ultrapassa. Algo que esmaga as concepções dos outros intelectuais. Algo que ataca vertical e horizontalmente a tudo que está na sociedade. Rindo enquanto é sério. Chorando enquanto é feliz. Essa é a postura do teatro, é a postura da quebra paradigmática enquanto posição paradigmática.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Acabo de ler "Quando o teatro e a educação ocupam o mesmo lugar no espaço" de Flávio Desgranges

 


A arte é educadora enquanto arte, isto é, possibilita uma imersão não só na experiência da vivência da arte, mas abre-se para uma postura de revisão da vida em si mesma. Essa capacidade de gerar uma inquietação prova que a arte tem valor educacional irredutível.


Quando lidamos com uma narrativa temos que usar uma chave para a sua compreensão, usamos essa chave de forma mais ou menos consciente. Essa chave é a de resgatar o material de nossa própria mente, a nossa memória, para entender como a narrativa vai se construindo. A imersão na arte é também um mergulho do ser em si mesmo, sempre e em todo momento.


O teatro moderno registra uma nova ação: ele quer radicalizar esse fenômeno de crítica e autocrítica. Para tal, ele deixa claro que o público está no teatro. Não ocultando a montagem. Isso retira um pouco do processo de imersão na peça que se apresenta, mas acentua a autopercepção. Nesse ponto, o expectador tem mais espaço para a sua intimidade psicológica e até mesmo um diálogo existencial com o que vê.


Existe outro fator no teatro moderno e contemporâneo: ele não quer ser o centro do universo. Ele quer que o universo exista e seja vislumbrado. Quer que a platéia não veja só o teatro, mas as engrenagens do próprio mundo. O que é uma possibilidade enorme de criticar e questionar a sociedade e a cultura dominante.


Sobre o teatro podemos dizer: ou o teatro é questionador ou é questionável. O objetivo do teatro é o de gerar indagação, é o de gerar um questionamento para com o sistema. É levar a uma revisão metódica dos valores que carregamos ou somos obrigados a carregar. Tudo em prol duma mudança qualitativa de nossa própria vida e da sociedade. 

Acabo de ler "Jogos de Improvisação" de Flávio Desgranges

 



Muitas vezes olhamos as ciências humanas como uma educação baseada na subjetividade, todavia essas exigem uma alta carga de abstração que, apesar de aumentar a objetividade, também tornam o estudante abstraído da própria questão em que se coloca. O teatro, entretanto, age de forma distinta.


Nos jogos teatrais adentramos numa outra forma de colocação, num outro modus operandi, em que o objeto investigado e a vida vivenciada se demonstram complementares. Realidade e imaginação, vida e criação, abstração e real, empirismo e epistemologismo. Tudo se dá de forma conjunta.


No jogo teatral a investigação é a forma com que imaginativamente nos colocamos em cenários, recriando substancialmente, corporificando como se tudo fosse, não um mero jogo, mas a vida que de fato vivemos e os sentimentos que de fato sentimos. O objetivo da investigação teatral é abrir, por meio de um jogo, a percepção daquele que analisa. Só que nessa investigação não há separação entre ser-epistemologizante e objeto-epistemologizado. Ser e objeto não estão separados, estão na mesma condição de subjetividade.


O acadêmico de humanas costuma, em sua prática, separar a sua realidade psíquica para depurar a sua análise da realidade. Assim ele garante a sua objetividade. Já o estudante de teatro faz de outra forma: ele investiga por meio de um contato íntimo com o objeto de sua análise, confundindo a noção entre realidade e ficção, tornando até mesmo ficção em realidade.


Estudar de forma teatral não é apenas ler um livro, ler um artigo. Não é escrever sobre algo que está distante. Estudar teatro é viver o livro, viver o artigo, escrever sobre o que está no próprio coração. É por isso que o estudo do teatro é tão maravilhoso e rico, visto que promove alteridade a cada momento.