sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Philosophia Iuris #5: Agostinho e o Direito Natural

 



— Curiosidades Históricas:


1. Quando Agostinho estava escrevendo ainda não havia ocorrido a redescoberta dos trabalhos aristotélicos e tampouco dos livros de Aristóteles;

2. A tradição do Direito Natural teve uma radical transformação com a influência da nova religião que se instaurava na época, o cristianismo;

3. O cristianismo, em específico, era aquele da Doutrina Católica;

4. Naquele período, o cristianismo de um movimento religioso perseguido para a posição de religião formal do Império Romano, o que fez com que ele se espalhasse por toda Europa e partes do norte da África;

5. Os pensadores mais importantes para compreender filosoficamente e teologicamente o Direto Natural na esfera cristã são Santo Agostinho de Hipona e São Tomás de Aquino;

6. Agostinho de Hipona é a figura mais importante da Patrística e Tomás de Aquino é a figura mais importante da Escolástica.


— Relevância de Santo Agostinho de Hipona:


Agostinho de Hipona foi um dos Pais da Igreja, vivendo entre 354 a 430 d.C. e ajudou no desenvolvimento inicial do cristianismo. Nesse período a Cristandade era influenciadas por diferentes teorias e contribuições sobre como interpretar os textos bíblicos. Tão logo, práticas consideradas heréticas se estabeleceram. Nessa época, houve uma tentativa de dar uma codificação formal da Doutrina Cristã e uma codificação formal de como a teologia deveria ser interpretada.


Agostinho de Hipona nasceu no norte da África, que era parte do Império Romano. Seus escritos sobre a teologia e a doutrina cristã exerceram um grande impacto nos trabalhos dos teólogos que vieram depois dele. Foi ele que desenvolveu a Doutrina do Pecado Original, a Doutrina da Graça e deu elucidações a respeito da Santíssima Trindade. Impactando o Primeiro Concílio de Constantinopla em 381.


— Santo Agostinho de Hipona e o Direito Natural:


A primeira distinção a ser feita é o papel que Aristóteles exerceu em seu trabalho. Como dito anteriormente, numa nota pública anterior, Aristóteles é a chave fundacional do Direito Natural. E, como bem sabemos, os trabalhos de Aristóteles não tinham sido recuperados no tempo de Agostinho. Se muito, a influência de Aristóteles no pensamento de Agostinho é limitada, provavelmente inexistente. Quem terá mais influência aristotélica é Tomás de Aquino. Agostinho de Hipona, por sua vez, terá influência de Platão.


Agostinho trabalha com a ideia do bem e do mal para compreender a natureza humana e a condição da humanidade, acreditando que a submissão para Deus é a mais favorável. A conexão que podemos traçar é a ideia de Platão a respeito da submissão à autoridade máxima do Rei Filósofo.


O que podemos ver é que Agostinho procura uma autoridade mais extrema, mais poderosa e mais sábia que o Rei Filósofo como ponto para submissão. E essa autoridade é o próprio Deus. Deus é uma autoridade tão máxima que ele é o único que comporta a lex aeterna (lei eterna). Todas as outras leis, isto é, as leis positivas criadas pelo homem (leis do Estado), não são necessárias caso se siga a lex aeterna (lei eterna). A lei positiva (lei do Estado) é chamada de lex temporalis (lei temporária) e tem importância menor, visto que pode ser substituída se os humanos simplesmente se submeterem a lex aeterna (lei eterna) que é derivada do próprio Deus.


— "Do Livre Arbítrio" (livro de Agostinho):


Uma das maiores frases de Santo Agostinho de Hipona é "lex iniusta non est lex" (uma lei injusta não é lei). Essa frase tem correlação direta com o conceito de direitos naturais, com a moralidade natural e com o conceito natural de lei baseada em princípios morais.


A escola doutrinária do Direito Natural crê na possibilidade de se chegar a um padrão objetivo de moralidade e nesse padrão objetivo de moralidade está o Direito Natural. Se uma lei criada pelo Parlamento (o Poder Legislativo) não adere aos direitos naturais, essa lei é automaticamente inválida.


Para Agostinho, as leis positivas (as criadas pelo homem para serem usadas pelo Estado) só são aceitáveis se encontram fundamentação na lex aeterna (leis eternas). Isso abriu margem para o Direito Positivo basear-se teologicamente na lex aeterna (lei eterna). Estamos falando da teologização do Direito.

Philosophia Iuris #4: Aristóteles e o Direito Natural

 


— A Teoria Anciã do Direito Natural:


Quando falamos do aspecto ancião da Teoria do Direito Natural, fazemos um retorno a Sócrates, Platão e Aristóteles. Em outras palavras, adentramos nas origens fundacionais do Direito Natural. Na nota pública anterior, escrevi sobre Platão e sobre a importância que a lei e a obrigação legal — diante da lei — no pensamento dele.


É válido lembrar que, em se tratando do Direito Natural, Platão conecta-se a Agostinho e Aristóteles conecta-se a Tomás de Aquino. Aristóteles é de suma importância, não só pela influência que exerceu sobre Tomás de Aquino, mas também pelo fato de que ele é o fundador e inventor da Teoria do Direito Natural.


— Recaptulação:


A Teoria do Direito em Platão fala sobre o funcionamento próprio da cidade-Estado (lembre-se da obra "A República"). Aqui, funcionamento próprio, é a noção de como a cidade-Estado grega deveria funcionar de modo efetivo.


Para Platão, o Estado deveria ser organizado na base do Rei Filósofo, um indivíduo que foi treinado desde o nascimento para compreender o estadismo e os princípios da virtude, da ética e da sabedoria. Era uma espécie de ditadura benevolente, mas a ideia de Direito Positivo era tinha uma pequena participação ou importância, visto que a parte mais importante era o poder do Filósofo Rei.


— Aristóteles:


Existe uma conexão muito forte entre a Teoria do Direito e a Natureza Humana no pensamento aristotélico.


Aristóteles tem uma forma bastante teleológica de ver o mundo:

1. Teleológico: se refere ao objetivo final, "telos" quer dizer final;

2. Aristóteles analisava objetos e procurava o final particular desse objeto;

3. Teleológico: é a importância de um ser se referenciar ao resultado final que se destina, é a busca da finalidade de cada ser e objeto;

4. Ética normativa: como a teoria aristotélica visa o objetivo final de cada ser, ela é consequencialista, visto que se funda no objetivo final para determinar a finalidade de cada ação — se estão ou não em conformância com o objetivo final — e é estar em conformância com o objetivo final (uma espécie de normativismo) que determina a qualidade ou moralidade de cada ação.


Aristóteles traça o Direito Natural com base no telos (objetivo final) da natureza humana. Aristóteles acreditava que todas as coisas tinham a sua própria teleologia. Por exemplo, o telos de uma semente é o de crescer para virar uma planta. O telos de um animal filhote é o de crescer e se tornar um animal adulto. O final resultante é de extrema importância para informar e entender o ser de cada objeto estudado. Para humanos, para natureza humana, o telos envolve o entendimento da razão. Humanos possuem uma finalidade específica, visto que carregam a capacidade de serem criaturas políticas, já que possuem dentro de si habilidades sociais e políticas, o que os torna próprios de construírem estruturas políticas, a polis.


— Teleologia e Natureza do Bem:


O cumprimento da finalidade — fim final, telos — indica a norma, a norma é o cumprimento da finalidade e seguir a norma é encontrar o fim natural de cada ser. O bem de cada ser é cumprir a sua finalidade (telos). O fim da humanidade é a criação da Polis, visto que carregam dentro de si habilidades sociais e políticas que levam necessariamente ao surgimento e desenvolvimento da própria Polis.


Tudo que leve ao desenvolvimento e cumprimento do ser em sua própria natureza pode ser identificado como bom.


Existe também uma subteleologia, isto é, o desenvolvimento de algo particular para promover o seu telos (finalidade). Como o de construir estradas para que pessoas caminhem e carros passem por cima. No caso, a finalidade da estrada é atrelada a finalidade do bem comum do ser humano.


— Influência no Direito:


1. O Direito serve para contribuir com a natureza humana;

2. Uma boa lei é aquela que contribui com o telos (finalidade) da humanidade;

3. O significado de uma boa lei está em sua capacidade de contribuir com o desenvolvimento da estrutura social e dos humanos como animais políticos, visto que esses são naturalmente inclinados a viver dentro de uma Polis.


— Obrigação de Obedecer:


Ao contrário de Platão, o pensamento de Aristóteles é mais voltado em responder a necessidade da existência da lei e o sentido qualitativo da lei do que apresentar razões de obedecê-la.


As perguntas que Aristóteles leva em sua linha de raciocínio são:

- O que faz a lei?

- O que faz uma lei ser boa?

- Qual a justificação para a existência da lei?


Ele responde tudo isso com base na teleologia. A existência da lei está vinculada a necessidade humana de viver na Polis, devido a sua natureza social e política. Para se viver na Polis, faz-se necessária a existência da lei, visto que ela é garantidora da harmonia social. A existência da lei é uma necessidade visto que o ser humano necessita viver em sociedade e necessita que essa sociedade seja harmônica. Uma boa lei é uma boa lei quando busca cumprir essa finalidade humana: a de construir e desenvolver a Polis, que é uma construção naturalmente humana.

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Ephemeris Iurisprudentiae #19: TGD 8


Viver em sociedade exige que as relações sejam pautadas por normas. Mas qual seria a diferença entre o Direito e a Moral?


— Direito X Moral:

- Regras Sociais X Deveres das Pessoas;

- Coercibilidade X Pessoa em Si e Divindade;

- Sanção Externa X Sanção Interna.


Podemos ver que, em alguma parte, Direito e Moral possuem algo em comum, isto é, regular a sociedade de alguma maneira. A diferença é que a moral não se restringe a sociedade, atinge a pessoa em si e pode entrar até mesmo no terreno da divindade. Já o Direito está sempre no campo social, atua na regulação da pessoa entre os seus semelhantes.


Todavia essa explicação ainda não é suficiente. Devemos avançar ainda mais na diferenciação da Moral e do Direito.


— Normas X Normas no Direito:

- Imperativas X Autoritativas;

- Conduta Humana X Poder de Exigência.


Segundo Maria Helana Diniz, todas as normas são imperativas visto que fixam as diretrizes da conduta humana. Se as normas da Moral e as normas do Direito apresentam mutuamente a imperatividade, qual seria a exata diferença? A diferença está no fato de que, no Direito, é que a norma é autorizante: ela possibilita ou autoriza a pessoa lesada o poder de exigir o seu cumprimento ou a reparação do mal sofrido. Enquanto isso, a moral, por si só, não carrega esse poder.


— Norma Jurídica X Norma Normal:

- Bilateral X Unilateral;

- Coação X Dever Interno;

- Dever e Obrigação X Não autoriza coação


Indo mais além na diferença entre a norma na esfera do Direito (norma jurídica) e a norma na esfera da moral (norma normal), podemos ver que a norma jurídica carrega a bilateralidade,  a coação, o dever e a obrigação. Na norma jurídica, isso significa que ela impõe dever ao indivíduo violador da norma e autoriza ao indivíduo lesado poder exigir o seu cumprimento conforme a previsão que está estabelecida. No campo da moral, observa-se o fenômeno da unilateralidade, o que significa que há um dever de caráter interno diante do comportamento que a moral prescreve, ou seja, ela não autoriza a utilização da coação para obter o seu cumprimento.


— Resumidamente:

- Moral: volta-se ao aspecto interno, de natureza psíquica, da pessoa;

- Direito: regula as condutas que se exteriorizam no mundo físico, na própria sociedade.


Outra classificação interessante é a de Jeremy Bentham e Georg Jellinek:


— Teoria do Mínimo Ético:

- Direito = Mínimo da Moral;

- Obrigatório;

- Teoria dos Círculos Concêntricos.


O Direito, segundo a Teoria do Mínimo Ético, representa o mínimo da moral, o mínimo possível, o mínimo obrigatório para se viver em sociedade. Essa teoria desenha um círculo grande, que representa a moral, e um círculo pequeno dentro do círculo grande, que representa o Direito. O que significa que o Direito (círculo menor) faz parte da moral (círculo maior).


Outra teoria, contraposta a essa, é:


— Teoria dos Círculos Secantes:

- Normas Jurídicas Independentes;

- Normais Morais Independentes;

- Normas em comum.


Um grande exemplo de que nem toda norma está no campo de Direito ou até mesmo da moral, são normas técnicas. Ali a preocupação não é de caráter moral, mas puramente técnico. Nessa teoria o Direito apresenta alguma independência, há uma parte que depende da moral e outra que é independente.

Ephemeris Iurisprudentiae #18: TGD 7

 



Na nota pública anterior do Ephemeris Iurisprudentiae, comecei com a ideia da Tridimensionalidade do Direito de Miguel Reale, em que abordei o fato de que, segundo essa escola doutrinária, o Direito apresenta três dimensões: Fato, Valor e Norma. Na nota pública anterior, trabalhei a dimensão do Fato. Agora vou tratar a questão do Valor.


O valor é uma realidade humana. Para entendermos o significado da dimensão do valor, precisamos primeiro compreender o que é uma realidade humana e por qual razão ela se distancia da realidade natural.


— Realidade Natural X Realidade Humana:


Vou apresentar micro-definições e depois tentar dar uma ligação dos termos apresentados.


— Realidade Natural:

- Mundo físico na natureza;

- Não intervenção humana.


Podemos entender a realidade natural como a realidade que não passou ou não passa pela intervenção humana. Em outros termos, quando falamos de "Realidade Natural", estamos falando do universo que não foi objeto de alteração pelas mãos da humanidade.


— Realidade Humana:

- Realidade Cultural;

- Criações humanas;

- Formas de comportamento.


A realidade humana, por outro lado, contrapõe-se a realidade natural. Visto que é da natureza da humanidade ter algo chamado cultura e cultura pode ser definido como tudo aquilo que é modificado pela humanidade ou tudo que o ser humano transforma.


A cultura tem relação com o valor, visto que o ser humano só transforma algo com um instituto de torná-lo útil ou apreciável. Da mesma forma, o valor e o Direito são próximos, visto que o Direito se baseia em valores. O Direito, tal como outras ciências culturais/humanas, analisa os fatos humanos e a inter-relação entre os indivíduos, trazendo um juízo de valor de acordo com a finalidade do estudo. A realidade cultural, carregado de valor, é valorada de acordo com o seu relacionamento com os fins determinados pelo ser humano.


— Como o Direito estuda o valor?


Podemos analisar o valor, de uma maneira geral, pela via axiológica e teleológica. A axiologia é o estudo dos valores ou teoria dos valores. Já a teleologia é a finalidade das coisas ou a teoria dos fins. O Direito também pode utilizar-se de leis sociológicas, históricas e econômicas para analisar juízos de valores, fatos e leis éticas. Como também pode estudar a moral, a política e a religião.


O Direito também estuda as Leis Éticas, isto é, a vinculação das normas com o comportamento humano. Visto que o Direito é uma ciência normativa e uma ciência normativa busca vincular normas ao comportamento humano para regulá-lo. Uma norma ética, objeto de criação do Direito, busca associar um juízo de valor ao comportamento humano, para prever sanções (punições) pelo seu não cumprimento. As normas éticas surgem de um estudo das leis éticas, visto que elas visam procurar a melhor forma de colocar um caráter imperativo — um dever a ser cumprido — que regule o comportamento humano. O Direito, como ciência normativa, precisa estabelecer um conjunto de normas imperativas em razão do fato de que valores são relevantes e necessários para a harmonia social.


É válido lembrar que mesmo o Direito tendo como objetivo estabelecer normas, nem toda ciência cultural tem esse objetivo. Podemos olhar uma ciência social que não precisa estabelecer normas para traçar um paralelo. Uma ciência social que analisa se os juízos de valor estão em conformidade com os fatos, sem existir a necessidade de disciplinar a conduta humana por normas ou regras, é a sociologia. Não pelo sociólogo crer que a sociedade não precisa de normas, mas sim por ele ter como objetivo primário descrever o comportamento social e não prever regras. Já o Direito trabalha de outra forma, visto que entra no "dever ser", isto é, na obrigatoriedade normativa de certas condutas.


É importante aqui definir o que é uma norma jurídica: é um veículo para a realização de determinado valor, valor este que deve ser uma tentativa de realizar a justiça, visto que a justiça é o valor que unitariamente comportamento todos valores jurídicos.


— Justiça X Direito:


Esses dois termos são questão de debate para várias escolas doutrinárias. Vou citar três exemplos de possíveis resoluções:

A- Justiça e Direito são identificáveis;

B- A Justiça é mais ampla que o Direito;

C- O Direito é mais amplo que a Justiça.


O significado da Justiça possui uma dimensão histórica que altera o seu significado. Além disso, as diferenças de pensamento também levam a diferentes noções de Justiça.


1- Na Antiguidade Grega, temos os livros Ilíada e Odisséia de Homero. Onde há uma interpretação religiosa e mitológica de Justiça. Aqui Thémis é Lei e Diké é a satisfação da Justiça;

2- Já Platão, de cunho racional e filosófico, apresenta a separação entre o Mundo das Ideias e o Mundo Real. Para Platão, as formas perfeitas e imutáveis (arquétipos) ficam no Mundo das Ideias. Já o Mundo Real, por sua vez, apresenta as coisas materiais que são cópias imperfeitas e transitórias das ideias perfeitas e imutáveis. Platão compreende a virtude humana como reflexo da Justiça e a Justiça é identificada como um arquétipo que reúne todas as outras virtudes. Estabelece também a ligação entre o indivíduo e o Estado, por acreditar que é na sociedade que o ser humano alcança a sua plenitude.

3- Aristóteles também acredita que a Justiça é a virtude completa, tal como Platão, adiciona a questão da alteridade, visto que Justiça sempre parte de um horizonte inter-subjetivo, pelo fato de que somos justos ou injustos em relação a outra pessoa.


A Justiça pode ser resumida como o valor fundante do Direito ao longo de uma experiência histórica. De qualquer forma, não há Justiça sem Direito e nem Direito sem Justiça.

Philosophia Iuris #3: Origem do Direito Natural

 


O Direito Natural, a escola doutrinária jusnaturalista, tem uma origem bastante antiga: Platão e Aristóteles. Em um momento da história, o jusnaturalismo passa por um processo de teologização por causa do advento do cristianismo e surge um jusnaturalismo teológico. O jusnaturalismo teológico, por sua vez, também é dividido: o do Santo Agostinho, com uma interpretação platônico; e o de São Tomás de Aquino, com uma interpretação aristotélica. O jusnaturalismo moderno, o do nosso tempo, tem como teóricos John Finnis e Lon L. Muller.


— Características do Jusnaturalismo: 

- Como escrito na anotação pública anterior, o jusnaturalismo trabalha com uma relação entre a moral e o Direito;

- A sua origem remonta a Antiguidade, particularmente o período Greco-romano;

- Podemos localizar mais especificamente a sua construção histórica na Grécia clássica — ou, de maneira mais precisa, na Atenas clássica;

- Alguns dos principais eventos que impactaram a criação do jusnaturalismo são: a morte de Sócrates, a fundação da academia, Platão e Aristóteles;

- O jusnaturalismo começa com Platão e se desenvolve ainda mais com Aristóteles.


É importante ressaltar que, embora possamos colocar Platão como uma figura importante, a chave fundadora da Tradição do Direito Natural é Aristóteles.


— A Teoria do Direito de Platão


Antes de falar a respeito da teoria platônica do Direito, aviso os leitores que a escrita de Platão não é estruturada na mesma forma que os modernos acadêmicos escrevem. Os seus livros se constroem em forma de diálogos. Além disso, Platão escreve mais das interações do seu mestre (Sócrates) com outras pessoas do que as suas próprias ações e falas. O formato é uma estrura mais ou menos assim: "questão-resposta e resposta-questão".


As ideias a respeito do Direito e a respeito das leis em Platão tem a característica de se assemelharem a uma obrigação moral. Sua obra mais importante para jusfilósofos é "A República", lá vemos o conceito da lei de forma platônica. É importante mencionar que a morte do seu mestre, Sócrates, foi profundamente marcante para a sua forma de ver o mundo, a lei e o sistema.


— A República:


- Detalha o funcionamento do Estado;

- Apresenta os melhores métodos para o organizar o Estado;

- Chega a conclusão de que o melhor jeito de organizar o Estado é a implementação de uma espécie de "ditadura benevolente";

- Um dos pensamentos mais estudados e mencionados é a ideia de que as pessoas deveriam ser ensinadas desde o nascimento na arte do estadismo e na filosofia para se tornarem "reis filósofos";

- O Rei Filósofo não é restringido em poder por meios legais ou outras formalidades.


Se traçarmos um paralelo histórico, podemos ver que, no mundo de hoje, o Estado não só implementa normas de conduta para regular o comportamento humano de certos indivíduos, mas todos estão regulados pela lei. Em outras palavras, até os líderes da nação são regulados pela lei.


No entanto, preciso avisar-vos que Platão via a lei e o Direito de uma maneira muito distinta da nossa. Ele tinha uma espécia de interpretação anti-legalista da jurisprudência. Para Platão, as posições da lei não necessariamente constituíam um método coercitivo, mas iam mais para um mecanismo pedagógico, uma espécie de educação para os indivíduos. Uma educação que abarcava setores como funcionalidades políticas, filosofia e ética. Platão acreditava que as leis deveriam ser utilizadas para ensinar as massas sobre a natureza e o valor da sabedoria, o que poderia engrandecer as massas e torná-las bondosas.


O posicionamento de Platão, essa postura anti-legalista, tem muito a ver com a condenação injusta e imoral do seu mestre. Sócrates, convém lembrar, foi acusado de corromper a juventude. Tendo como únicas escolhas possíveis: o exílio ou tomar a cicuta (um veneno mortal), Sócrates optou pela segunda opção. Nessa experiência, Platão testemunhou em primeira mão o que ocorre quando a lei é injusta e imoral.


— "Apologia de Sócrates" e "Críton":


Nesses dois diálogos podemos ver temas como justiça, lei e moralidade. Ao mesmo tempo, podemos ver a Sócrates justificando a obediência as regras e a obrigação moral de seguir a lei positiva.


1. Sócrates faz uma a analogia de uma criança e um familiar, argumentando que as pessoas são como uma criança, elas deveriam ter gratidão pela lei e uma gratidão por manter o sistema do Estado;

2. Estar em um Estado em que existem leis que você discorda é implicitamente aceitar obedecer essas estruturas;

3. Tendo-se esses dois como base, a pessoa pode tentar persuadir uma reforma das leis, mover-se para outro lugar ou obedecer as leis.


Isso explica interessantemente a razão de Sócrates ter aceitado a morte.

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Philosophia Iuris #2: Introdução ao Direito Natural


 

— Como o Direito está ligado ao conceito de moralidade?

Três possíveis respostas:

1. Direito e moralidade estão intrinsecamente ligados em sua forma de ser;

2. O Direito regula princípios morais;

3. Há uma interligação entre os princípios morais, a filosofia moral, a ideia de Direito e as teorias de jurisprudência.


Essa é uma das mais importantes questões apresentadas por H. L. A. Hart no seu "The Concept of Law":

"How does legal obligation differ from, and how is it related to, moral obligation?" ("Como a obrigação legal difere e como ela se relaciona com a obrigação moral?")


Em outras palavras:

— Quais são as diferenças?

— Quais são as similaridades?


Mas, antes disso, o que é moralidade?


É importante fazer essa pergunta antes de falar a respeito da natureza do Direito e como ele se relaciona com o conceito de moralidade.


Moralidade é o entendimento comum sobre atos e omissões com os quais podemos julgar se algo é certo ou errado, bom ou mau. Além disso, a moralidade é delineada entre o descritivo e normativo.


A moralidade é descritiva quando a usamos para explicar como identificar um bom e um mau comportamento. E é normativa quando usamos a moralidade para desenvolver questões sobre como devemos nos comportar.


— Direito Natural, Filosofia Moral e a ideia do que a moral fundamentalmente é:


A Teoria do Direito Natural trabalha com a ideia de que certos aspectos da moral carregam ideias e princípios que podem ser codificados e positivados no ordenamento jurídico. Em outras palavras, os legisladores e acadêmicos do Direito podem olhar para os valores morais na hora da criação, desenvolvimento e interpretação da lei.


O Direito Natural compreende que a lei e o Direito existem fora dos confins da moralidade, mas a moralidade é bastante útil para edificarmos o Direito e a Lei. Além disso, a lei e o Direito contribuem para o padrão moral.


John Finnis, um jusnaturalista moderno, define o Direito Natural da seguinte maneira: um sistema que se baseia numa observação bastante atenta da natureza humana e também na crença de que os valores intrínsecos da natureza humana podem ser interpretados e aplicados no desenvolvimento positivo da lei.

Philosophia Iuris #1: Introdução

 



1. O que é jurisprudência?

2. Por que a jurisprudência é importante?

3. Por qual razão as teorias da jurisprudência são importantes?


1) O que é jurisprudência:


Definir a jurisprudência, tal como definir qualquer âmbito do direito ou da filosofia, não é uma tarefa fácil. A definição simplificadora é sempre apagada pelo exercício intelectual constante. Isto é, a conceituação se perde diante da natureza relativizante da experiência que apaga toda e qualquer conceituação previamente estabelecida.


A palavra jurisprudência pode usualmente definir duas questões distintas. Ela pode se referir a um caso do direito, como, por exemplo, o direito internacional ou o direito público internacional. Quando falamos "isso é da jurisprudência da Corte Internacional de Justiça" aplicamos essa definição. Aqui a palavra jurisprudência faz a filosofia do direito.


A jurisprudência moderna aparece fundamentalmente no século XVIII, no entanto, suas origens mais antigas aparecem na Idade Antiga. Nossa maior referência nas ideias de Direito Natural vem de indivíduos como Aristóteles, no cristianismo, na cristianização e catolicização dos intelectuais, da academia e dos movimentos intelectuais.


Jurisprudência, no sentido que é aqui aplicado, é definido como "filosofia do direito", "teoria do direito" ou "teoria legal". Em outras palavras, é uma busca por buscar mais a fundo, tentar ter uma compreensão profunda e rica do Direito.


2) Por que a jurisprudência é importante?


A maioria dos estudantes de Direito focam na realidade descritiva do Direito. Perguntas como:

— O que é essa lei?

— Como essa lei funciona?

— Como essa lei é aplicada?


O problema é: a mera decoração da descrição de uma lei junto a mera decoração de como a lei funciona não são suficientes para tocar na natureza fundamental do Direito. O que se busca, na jurisprudência, é alcançar o que há de mais fundamental e essencial na natureza do Direito.


A jurisprudência, junto a outras teorias que formam o corpo teórico sistemático do Direito, convida-nos a buscar a natureza fundamental do Direito e fazer perguntas de caráter mais normativo, como:

— Como a lei deveria ser?

— O que fundamentalmente é a lei?


A segunda questão, sobretudo a segunda questão, trata da natureza da lei e toca na essência do Direito: "O que fundamentalmente é essa lei?". Indo de forma mais abrangente: "o que fundamentalmente é o Direito?".


Não é só questionar a natureza do que uma lei particularmente diz, mas perguntar de uma forma mais abstrata, como se usasse um microscópio para ver além da lei, chegando a uma noção que atinge a alma da lei. É entrar em um questionamento mais filosófico. Em outros termos, é procurar um entendimento mais profundo e rico, muito mais filosófico.


3) Por qual razão as teorias da jurisprudência são importantes?


Em primeiro lugar, os modernos movimentos da jurisprudência datam do século XVIII, todavia eles são baseados em pensamento filosóficos e regras que vão tão longe que chegam a Aristóteles.


As duas mais importantes teorias da jurisprudência são:

1) Teoria do Direito Natural;

2) Positivismo Jurídico.


Uma forma de estudar a jurisprudência é por esse caminho:


1. Teoria Direito Natural:

1.1 Influências mais antigas e origens da Teoria do Direito Natural;

1.2 O Impacto da Cristandade;

1.3 Teoria Moderna do Direito Natural.


2. Positivismo Jurídico:

2.1 A Origem do Positivismo Jurídico e a influência de Austin;

2.2 Positivismo e H. L. A. Hart

2.3 Críticas de Dowkin ao positivismo;

2.4 A influência de Raz.


3. Direito e Sociedade:

Teorias jurídicas sociológicas e pós-liberais do direito: Durkheim, Weber e interpretação marxista do Direito.


4. Teorias Alternativas:

4.1 Modernas análises marxistas e anarquistas sobre o pensamento jurídico;

4.2 Pensamento feminista a respeito do Direito;

4.3 Influências pós-modernas sobre a jusfilosofia, incluindo a teoria crítica e a teoria crítica racial.