terça-feira, 19 de outubro de 2021

Castrando para não Castrar

 Castrando para não Castrar


    (Esse texto é um texto inspirado em Freud, mas não só nele. Surgiu como ideia enquanto eu estudava sobre a teoria queer e lia um texto chamado "O Estranho" de Freud. É um texto que tende a heterodoxia ideológica e não se prende a um esquerdismo ou direitismo vulgar.)


    É preciso que eu me castre sempre para que não me castrem. A castração social é um mecanismo tão efetivo que adentra na interioridade de minha psiquê. E o que era anteriormente uma proibição social, torna-se uma proibição psíquica. O medo que a sociedade me impõe leva a um automedo autocastrante. A reprovação que vem de outrem, logo vira uma reprovação que vem de meu próprio coração. O medo que a sociedade tinha de mim, logo virará o medo que vem do automedo.


    Eu poderia um belo dia passear tranquilamente com uma saia escocesa num lindo parque, mas uma pessoa como eu não pode, já que o discurso aprioristicamente proibiu: saia é coisa de mulher e homens não usam saias. Em vez disso, jogarei futebol, mesmo que eu tivesse preferido ficar em casa lendo um livro - já que livro algum me proíbe. Só que tenho um compromisso, um compromisso marcado com a agenda que não fiz, é a agenda que tenho que cumprir. Já que a sociedade me diz: você é homem, aja como tal. Se eu for aquilo que alguns chamam de "não-binário", castrar-me-ão, então a solução é eu mesmo me castrar para que a sociedade não me castre.


    Scruton separa o "estar com o outro" do "estar no outro". Já eu, um pouco mais tímido e introvertido. Separo o "estar em mim" do "ser a mim". Já que não sou o que sou.


    Kant fala sobre o a priori e o a posteriori. O a priori é o que não precisa de justificação pela experiência. Já o a posteriori é o que vem com a experiência. Só que o discurso que a sociedade me impõe, o discurso que me regula, ele sempre vem a priori e impede todo o posteriori. Eu aceito o que a sociedade me diz, eu aceito toda a construção social que me precede, já que a construção social que me precede também é a construção social que me prevê. Sem a construção social que me prevê, como poderia andar em segurança? Já que só se anda em retitude de passos passados que marcam mais do que a experiência em si. O que me segura é o que me protege da liberdade, mas a liberdade é tão mal falada que causa mais medo do que a segurança que antecede a liberalidade. E a segurança é sempre normativamente fidedigna e garantidora pela a sua fórmula de sucesso.


    Eu poderia descobrir qual batom fica melhor em minha boca, mas não o farei. Já que a sociedade me disse que eu sou homem e mesmo que eu não tenha experiência própria em ser homem e não saber o que é o "homem em si" para me afirmar como homem, assim seguirei fidedignamente, numa retidão moral neurótica e infeliz, só que garantidamente segura. Já que o caminho da masculinidade já foi previsto, sendo previsto, é inteligível. Tudo que é inteligível é bom e o que não é inteligível é ininteligível e o ininteligível é o que dá medo. Já que o ininteligível é novo e também é o oposto do familiar, já que o oposto do familiar é o ifamiliar.


    Gostando eu de duas pessoas e essas duas pessoas gostando de mim e essas duas pessoas gostando umas das outras, cada uma terá que escolher apenas uma e cada uma sentirá parte de uma tristeza correlacionada a uma monogamia forçada, mas socialmente desejada. Já que o desejo que posso não é o desejo que desejo e sim o desejo que é previamente estabelecido. E tudo que é previamente estabelecido é socialmente trajado, socialmente imposto e socialmente necessário. O necessário antecede o ser e ultraja a minha alma, todavia o necessário é o necessário e o dever é o dever mesmo que o necessário, no fundo de minha alma, seja o imprevisto e não o imposto. Só que o imposto é o imposto, socialmente imposto e o imposto que mais dói não é aquele que com o dinheiro pago e sim aquele que com minha existência pago sacrificando a minha alma.


    Deus é Mamom? Deus é Cristo? Não, Deus é a sociedade. Sendo a sociedade normativamente imposta, tem-se não só a sociedade, tem-se também a idolatria social que confere a sociedade o poder de Deus. Sendo a sociedade Deus, a sociedade é inquestionável. Sendo a sociedade inquestionável, aquilo que é socialmente construído e previamente estabelecido é inquestionável. A única coisa questionável não é a sociedade em seu juízo que me parece hipócrita, a única coisa questionável sou eu e esse mesmo eu deve se curvar eternamente perante o construto social.


    Eu poderia descobrir pontos de convergência teológica entre o Islã e o Budismo, só que a única escolha que se tem no campo religioso é o cristianismo e 50% do judaísmo. Eu poderia juntar Chesterton com Foucault, só que os academicistas me condenariam. Só que, ao menos no fim do texto, quero ousar alguma coisa e dizer algo de original e inesperado. O enigma da prisão de Chesterton diz que os homens preferem escolher a melhor prisão em vez de sair da prisão. Só que há um porém: toda nova casa é uma prisão. Toda nova ideologia é uma prisão. Todo discurso cria uma prisão. Tudo que é antinormativo cria um novo normativo que logo se torna prisional. Então, qual seria a saída da prisão? A saída seria permanecer na prisão, aumentando-a infinitamente até que se torne cada vez menos prisonal. Já que a complexidade da sanidade não é um círculo que apenas dá voltas, mas um círculo que se expande. Nesse sentido, o movimento queer é mais libertário que o movimento gay - já que o movimento queer saiu da criação delimitada e foi para a criação continuamente aberta.


    Já disse demais. Em todo meu texto há contradição, só que o texto que fiz, cheio de contradições, ainda é melhor do que minha mente que está cheia de contradições. Só que que as contradições que carrego são necessárias, já que só a contradição leva a singularidade. E eu já disse isso em outro texto: "eu sou eu e minha contradição, se não salvo a minha contradição, não salvo a unidade de minha consciência". Se junto Roger Scruton com Karl Marx, misturando conservadorismo com marxismo, ou se junto Chesterton com Foucault, misturando tradicionalismo com pós-modernismo, assim o faço porque o próprio Chesterton disse que se um homem visse duas verdades, levaria as duas no bolso e a contradição junto com elas. Se sou contraditório é porque sou sistemático. Sistematização é sistematizar-se, sistematizar-se é pôr-se por inteiro.

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