sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Diários Cadavéricos #2 - Soberba

Diários Cadavéricos - Soberba


"Indubitavelmente Deus conhece tanto o que ocultam, como o que manifestam. Ele não aprecia os ensoberbecidos" (Surata 16:23)


Sou absurdamente soberbo, tão soberbo quanto medíocre. Minha obra é um peido comparado aos que me precederam e insisto em permanecer ridículo por causa de meu alto ego. Faz muito tempo que não escrevo com seriedade e ocupo-me com vanidades. Deus, pesa-me a minha falta de caráter e a impossibilidade de agir por preguiça e humor flutuante. Só que eu escondo: não sou feliz com o que escrevo, já que o que escrevo é precário. Contento-me, então, com escrever mal e mediocremente.


Se eu morresse hoje, nada de feliz eu teria. Sentir-me-ia incompleto, com jeito de mal-acabado. Quase tudo que quero fazer, não fiz. Como posso me sentir feliz? Falta-me práxis. Só que tudo é tão difícil e mutável que parece que a imutabilidade divina Daquele que É não existe. Como enxergar um Deus imutável numa mundanidade líquida? Como ver através do reino das aparências mutáveis enxergando a Ordem Oculta atrás disso? Parece que há mais abstração nos assuntos teológicos que uma ordem invisível que a tudo transcende. E, se assim escrevo, escrevo-lhe por minha tendência agnóstica. Como não confio em minha razão, de Ti igualmente desconfio, já que não posso prová-lo, seja por burrice, seja por incapacidade de alma ou de vivência.


"Dessa forma, por Zeus, teremos de admitir que, assim como as outras artes se aperfeiçoaram a ponto de fazerem figura feia os artesãos antigos, em comparação com os de agora: diremos também que vossa arte particular, a dos sofistas, progrediu, e que os antigos, em confronto convosco, são principiantes em matéria de sabedoria?" (Hipias Maior - Sócrates).


Quando eu me tornei tão arrogante e esquivo? Quando eu passei para as sombras, fugindo de minhas obrigações e lutando para omitir meus movimentos preguiçosos e covardes? 


Minha percepção soberba volta-se contra Ti. É como ver uma obra caótica sem Criador. E eu mesmo sou caótico, seja em questão de gênero ou em filosofia. O sofrimento é inalterável num mundo alterável e alteridade sem fim quase sempre implica em sofrimento. Escrevo em lamúrias, já que sou inconstante e constantemente melancólico.


"Ela chora pela noite adentro, lágrimas lhe inundam as faces, ninguém mais a consola de quantos a amavam. Seus amigos todos a traíram, e se tornaram seus inimigos"
Lamentações 1,2
"E lançamos, no Livro, um vaticínio aos israelitas: causareis corrupção duas vezes na terra e vos tornareis muito arrogantes"
Surata 17:4


A natureza do pensamento dos antigos é essa: toda vez que uma parcialidade redutora chegava ao pensamento, diziam que Deus é maior. Assim evitavam qualquer idiotice redutor. No caso, Israel chora pelo seu povo oprimido e abandonado, o que prova a volatilidade traidora dos interesses humanos. Como homem, só posso ser traidor e traído. Ora reclamo a Deus o ataque aos que me traíram, ora peço a Deus o perdão de minhas traições, já que suporto, como hipócrita, mais minhas traições do que as de outrem. Embora, perante Deus, sejam iguais em iniquidade. E, perante minha personalidade, tenha natureza de peso assimétrico. Tornei-me arrogante e indolente com a conquista adquirida, essa é a arrogância humana.


A relação que devo ter contigo é de abertura, já que Ti não é abarcado por minha redutibilidade e adquiro-Te reduzindo-O. Se assim o é, é por minha deformidade humana. Só que todo avanço pode, em minha pessoa, virar regresso com a redução de Ti a parte recebida.

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