terça-feira, 14 de março de 2023

Acabo de ler "Classroom of the Elite - Vol 2 - Syougo Kynugasa" (lido em espanhol)

 



Poderíamos analisar a habilidade de alguém tendo em vista tão somente a sua competência em cumprir critérios meramente acadêmicos? Evidentemente não. A capacidade de alguém não é facilmente mensurável, haja em vista a infinita multiplicidade de tarefas que alguém poderia desempenhar numa sociedade complexa e cheia de funções que podem ser desempenhadas.


Dito isto, quais seriam os critérios aplicáveis? Um dos princípios de uma sociedade moderna é a divisão de trabalho que ela comporta. A complexidade da economia se encontra na divisibilidade que ela apresenta, a quantidade de funções disponíveis que ela comporta, a variabilidade que traduz toda uma estrutura que, quanto mais variável é, não pode ser inteligível ao microcosmo da consciência individual e que nenhum burocrata poderia ter ao todo.


Qualquer planejamento, imposto de cima pra baixo, traduz uma arrogância que se crê acima de toda essa multiplicidade. Uma arrogância que pode ser fatal, visto que nunca sabemos até onde vai nosso conhecimento e não podemos abarcar a tudo. É por isso que certos estudantes são colocados como "rank D", mesmo cumprindo critérios de desempenho acadêmico.


Um exemplo disso é: Horikita. Sendo uma das pessoas mais inteligentes da obra, ela é incapaz de se adequar na estrutura social e por isso acabou na classe D. Sudou, por outro lado, é um dos alunos mais competentes na questão atlética, é razoável socialmente e péssimo na questão acadêmica. Os dois foram parar na mesma classe, no mesmíssimo rank, porém por razões distintas.


Tendo esses dados em conta: cada estudante da classe D tem falhas, enquanto os estudantes da classe C, B e A, possuem falhas de caráter menos específico. A classe A deve apresentar, nesta dedução, uma capacidade multidisciplinar em todos os fatores possíveis (sociais, intelectuais, atléticos, comportamental, estratégica, etc). Logo a cruzada da classe D para se tornar a classe A deve se basear na busca pela capacidade de ser bom sistematicamente. Essa jornada é a parte mais interessante da obra.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de C. G. Jung - Capítulo 3: Jung e Sabina Spielrein: um relacionamento conturbado"

 



A psicologia, seja qual seja, pressupõe a subjetividade. A subjetividade, querendo ou não, é infinitamente mais variável que a própria psicologia em suas mais diversas ramificações. Sendo a psicologia a "ciência da subjetividade", o contato com a história pessoal de cada intelectual é de importância fundamental. Podemos até mesmo descobrir tendências psicológicas que conduziram ao seus desfechos intelectuais.


Não podendo deixar de ser, esse livro sobre Jung traz um cenário biográfico em que podemos ver um pouco daquilo que fez com que ele se tornasse quem é, quem foi, quem se tornou. As suas relações com Freud, seu amor por Sabina, sua relação com os estudos religiosos, suas tensões enquanto indivíduo humano. Toda essa narrativa pessoal garante uma maior inteligibilidade do corpo teórico de sua obra, também garante uma maior inteligibilidade de Jung enquanto pessoa.


A forma com que Sabina adentrou na vida de Jung, fazendo-lhe rever seus métodos e até mesmo a questionar a sua vida em si, é de demasiada importância. A relação terapeuta-paciente traduz uma dinâmica psíquica e social que levaram a um escândalo. O mundo de Jung se abalou, seus métodos se abalaram.


A estrutura mundividente - a forma como nosso intelecto vê o mundo - se relaciona bastante com a nossa vida em si. Foi, em parte, a própria vida de Jung que tornou quem ele foi. E acompanhar essa história nos traz mais do que um conhecimento meramente teorético, traz-nos um encontro existencial, profundamente ligado ao afeto.

quarta-feira, 8 de março de 2023

Acabo de ler "La Cultura Occidental" de José Luis Romero (lido em espanhol)

 



José Luis Romero foi um dos mais grandiosos historiadores argentinos da história. Quanto mais o tempo passa, mais me interesso pela sua obra. Obra essa marcada pela qualidade e rigor ímpar. E, por essa razão, é o terceiro livro que leio dele. Pretendo analisar outros livros dele posteriormente.


Nesse livro, José Luis Romero, trata da questão da cultura ocidental. Sobretudo a questão da "decadência cultural" do Ocidente. Essa questão, para nós, ainda é mais acentuada graças a decadência dos EUA (nação ocidental) frente ao crescimento meteórico chinês (nação oriental). É uma pena que nosso grande historiador argentino não ter vivido o suficiente para analisar essa questão com sua aguda consciência, ainda mais com o acúmulo de dados que temos presentemente.


O Ocidente tem uma origem cultural bastante diversa e sincrética. Uma mistura da cultura germânica, (greco-)romana e hebraica-cristã em sua origem. O que já denota aí um aspecto híbrido, livre de um condicionamento puramente homogêneo. José Luis Romero considera o período da Idade Média o primeiro período da cultura ocidental por excelência. Já que a Idade Média (também chamada de Primeira Idade [Ocidental]) é a primeira configuração cultural ocidental e criação de sua própria singularidade.


Conforme o estrato social ia sendo alterado, a própria configuração cultural ocidental ia se modificando. Com a ascensão da burguesia e o domínio mais efetivo da natureza, as crenças metafísicas são trocadas pela mentalidade naturalista, os velhos gozos beatíficos são trocados pelo hedonismo. A própria percepção do que seria a mentalidade ocidental foi se desvinculado de sua formulação inicial.


A principal questão da cultura ocidental, e o motivo de tanta reflexão, é a sua atuação cada vez menos hegemônica. Não estamos muito satisfeitos com o nosso protagonismo global, e por isso nos perguntamos quem somos e o que está acontecendo com o nosso papel no mundo. Existem aqueles que apontam para uma separação ainda mais radical de nosso estado originário e aqueles que defendem um retornos às origens. Apontamentos que surgem em meio a tensão da crise.

terça-feira, 7 de março de 2023

Acabo de ler "Classroom of the Elite - Vol 1 - Syougo Kynugasa" (lido em espanhol)

 



Com um começo um tanto calmo, estudantes de uma das mais prestigiosas escolas do Japão começam a pensar que estão num anexo da Jerusalém Celestial na Terra. Nisso, começam a agir tolamente, acreditando firmemente que não estão sendo julgados ou vigiados. Na verdade, encontravam-se extremamente enganados: logo veriam e sentiriam o peso da própria superstição.


Com várias análises sociais e falas acerca da igualdade e equidade, o autor nos conduz em sua narrativa que demonstra que a igualdade e equidade é tão somente uma ilusão. Num jogo sombrio em que a competitividade e a capacidade de superar os rivais são valores absolutos, levando a uma ordenabilidade para que os objetivos sejam alcançados. Em meio a isso, a classe D (a pior classe) começa a se mexer para, quiçá, sobreviver na trama cruel em que estão imersos.


Com bastante esforço, os piores começam a aprender a trabalhar coletivamente e a tentar algo que aos outros soará como uma piada ou ausência de compreensão das proporções: superar a classe A, roubando o seu lugar. Tudo isso em meio a uma série de personagens que, com bastante frieza e sagacidade, usam todos os meios para destroçar seus inimigos.


Não por acaso, Classroom of the Elite é uma das tramas mais empolgantes, inteligentes e impactantes da contemporaneidade do universo cultural japonês - ao menos no círculo de mangá-novel-game-anime. O desenrolar de toda essa série de maquinações, sagazes ou simplesmente diabólicas, encantará o leitor que desbravará  densidade duma obra que é para poucos.

sábado, 4 de março de 2023

Acabo de ler "Classroom of the Elite - Vol 0 - Syougo Kinugasa" (lido em espanhol)

 



Classroom of the Elite foi uma das surpresas mais docemente agradáveis da história da indústria. Todo episódio do anime era antecedido por uma frase de um grande pensador e o enredo por trás deles trazia uma complexidade ímpar. O anime acabou conquistando uma quantidade de fãs que ferrenhamente almejavam uma continuação. Essa tardou muito a vir.


Resolvi ler a novela pois já não aguentava mais a demora que é para o lançamento de cada temporada. A minha surpresa foi que o "primeiro volume" - esse é o volume 0 - se passa antes da primeira temporada do anime. Contando o início da Sala Branca, se passa muito longe do anime em uma questão temporal. Não só isso: explica a origem da visão do mundo perturbada do protagonista e o motivo de sua frieza.


Nessa novela acompanhamos dois protagonistas centrais: Ayanokoji pai e Ayanokoji filho - o primeiro não apareceu em quase nada no anime até agora. Entramos numa estranha aventura que explora os aspectos mais sombrios do mundo político, os questionamentos mais desumanos na hora de tecnocratizar a formação humana e como a desumanização atinge seu ápice dentre de um ser humano (sobretudo quando for efetiva).


Recomendo muito a leitura para quem está ansioso para saber antecipadamente os eventos da terceira temporada Classroom of the Elite. Porém essa novela também serve para quem quer ler uma boa novela, mesmo que não tenha até agora entrado em contato com o anime - o enredo é tão bom que é válido por si mesmo.

sexta-feira, 3 de março de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de C. G. Jung: Capítulo 2: Carl Gustav Jung e Sigmund Schlomo Freud"

 



Jung e Freud eram, ao mesmo tempo, pesquisadores originalíssimos no campo da medicina e psiquiatria. Também compreendiam que havia mais no aparelho mental do que de fato estávamos propensos a acreditar. As teorias de Jung, até aquele momento, complementavam e endossavam a de Freud. Não por acaso surgiu a relação que os dois nutriam durante um bom tempo.


Jung viu em Freud a coragem intelectual que não viu em seu próprio pai. Freud representou-lhe a potência da figura paterna que lhe faltava. Nisto Freud virou simultaneamente Mestre e Pai. Jung virou seu Discípulo e seu Filho. Tão logo para virar o príncipe da psicanálise. Essa relação tão terna logo viraria um jogo cruel.


Jung gostava de estudar os fenômenos espirituais, acreditava no inconsciente coletivo - legado psíquico da humanidade - e também tinha uma teoria mais geral da libido. Já Freud via isso como traição a sua teoria, não gostava dos fenômenos espirituais - tidos como arcaicos - e tampouco gostava do rumo que as teorias de Jung iam tomando. Tudo isso levou a uma separação radical entre os dois que eram outrora tão próximos.


Uma história interessante, seja a nível biográfico, seja a nível intelectual. Certamente pode levar a questões que revelam a densidade psíquica de ambos e  o que ambicionavam em suas vidas. Também se poderá ver as limitações que cada um apresentava e as suas fraquezas, seja como seres humanos, seja como intelectuais.


O que demonstra que a vida intelectual não é só um apanhado de observações de homens distantes. Ela é carregada de afetos de todos os tipos. E as crenças, igualmente depositárias de identidade (eu plural), afetam-nos de modo que nem sempre conscientemente sabemos.

quinta-feira, 2 de março de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada: C. G. Jung - Capítulo 1: a vida de Carl Gustav Jung"

 



A vida de Jung é um grande mistério. Estudá-la pode levar a um estranhamento, podendo-se crer que ele seja um simples louco ou uma espécie de místico. Na primeira, tem-se o descrédito acadêmico como conclusão. Na segunda, chega-se a conclusão de que ele era um homem que chegou no patamar mais alto da religiosidade.


De qualquer forma, ignorar Jung não chega a ser de longe uma opção. Seus estudos são notórios, há necessidade de se pontuar sobre ele, mesmo que seja para se pontuar contra ele. Jung carrega aquilo que chamamos de inevitável. E todos aqueles que estudam, são obrigados a olhá-lo, mesmo que seja com desgosto. Porém aqueles que o estudam, podem aprender muito com a genialidade dele. Já o contrário é bem incerto.


Jung é um homem que sintetizou ciências naturais, filosofia, psiquiatria, espiritualismo, religiões. É um homem do tamanho dum universo inteiro. Difícil de ser compreendido até mesmo por seus próprios seguidores devido a complexidade de sua inteligência. A forma que muitos acadêmicos o viram foi espantosa, sobretudo numa época em que os assuntos espirituais entravam em declínio. As suas respostas suavam como um desafio ou um anacronismo.


Ignorando-se as polêmicas, Jung foi um homem capaz de estudar como ninguém os fenômenos da consciência, contribuindo com noções que até hoje são basilares à psicologia. Criou até mesmo uma escola de psicologia inteira. Talvez nos falte, ainda hoje, um olhar mais aberto para com tudo aquilo que ele nos proporcionou com seu vigoroso gênio.