domingo, 31 de agosto de 2025

Sociologia Iuris #4: Realismo Jurídico

 


O Realismo Jurídico é uma escola que foca muito no que a lei de fato é. Um dos fatos socialmente mais observáveis por essa escola é o de que muitas vezes o ordenamento jurídico apresenta leis mortas, isto é, leis que se tornaram obsoletas.  As leis mortas, ou leis obsoletas, são aquelas que não são mais aplicadas. E existe uma contraposição da lei escrita contra a lei aplicada.


Se prestarmos atenção, o formalismo jurídico, que é parte da jusfilosofia, diz que as regras devem ser consistentes, com resultados previsíveis. O seu foco é na acuracidade descritiva da lei. O movimento do realismo jurídico diz que há uma má descrição da lei. Ele percebe isso a partir do fato de que é observável a diferença entre a prática efetiva e a lei escrita. Isto é, talvez a lei moderna não seja tão formalista, visto que ela está sendo interpretada de modo diferente por diferentes pessoas.


Os jusrealistas vão fazer seus estudos analisando os seguintes fatores:

1. Como a lei funciona na prática;

2. Nos casos mais extremos, como a prática da lei se distancia das chamadas leis de letras mortas;

3. Como uma jurisdição pode ser mais estrita na aplicação da lei do que outra.


Vamos analisar algumas figuras do jusrealismo (realismo jurídico).


— Oliver Wendell Holmes Jr.:


Ele foi o pai do realismo jurídico (jusrealismo), tendo também sido advogado, jurista, professor universitário, Juiz da Suprema Corte (dos Estados Unidos) e filósofo. Uma dos seus pensamentos mais notáveis é o de que a lei é o que a lei faz. Ele argumentava que muitas vezes as leis escritas não previam adequadamente os resultados nos casos. Muitas vezes, as leis apareciam apenas para justificar as decisões jurídicas.


Ele tem um livro chamado "The Path of Law". Há toda uma argumentação sobre o fato de que o estudo do Direito não se dá pelo estudado das leis e de livros em suas relações lógicas uma com a outra, mas sim no que a lei atualmente faz. A razão disso é que muitas vezes as leis escritas não predizem os resultados dos casos jurídicos.


Muitas vezes as decisões que estão por traz não são de natureza jurídica, mas sim correlacionadas com as decisões morais ou pessoais. Isto é, em muitos casos, estão apenas pegando as leis que consideram próprias para resultar e justificar as decisões que eles tomaram. Algo que poderia ser descrito assim: "eu quero fazer uma decisão, vou adicionar essas regras que podem servir pra justificar o meu posicionamento".


A lei nunca aparece sozinha, a lei é sempre acompanhada de um comportamento que pode ser sociologicamente observável. É por isso que muitas vezes uma lei se torna morta — não há vontade social de aplicá-la.


— Karl Llewellyn:


Esse foi um jurista, filósofo e professor universitário. Ele defendia o foco nos casos. O reconhecimento de que as leis escritas usualmente não explicavam os resultados dos casos. O que resultou no raciocínio de que a lei estava mudando sem que a lei escrita o estivesse. Ele também reconhecia que, na prática, eram os juízes que faziam as leis. Ele tentava medir o buraco entre a lei que estava nos livros e o que a lei era na realidade.


Muitas vezes, a lei podia variar no tempo e no espaço. Dependia também da cidade e do estado no qual se estava. A lei mudava através do tempo e do local, de um caso para outro. É possível observar um padrão comportamental na lei.


— Jusrealismo e Jurisprudência Liberal:


A jurisprudência liberal, mais particularmente, tem algumas alegações. Ela fala que as leis são feitas por representantes eleitos. Ela fala que os juristas revisam as leis. Ela fala sobre a possibilidade do formalismo, do universalismo e do Império da Lei.


O jusrealismo apresentará um questionamento bastante inquietante para a jurisprudência liberal. Em outras palavras, para a ideologia por trás da lei moderna ou para filosofia do que a lei deveria ser. Enquanto os jusfilósofos liberais afirmavam que a lei vinha do Congresso/Parlamento — e isso derivava do consentimento da população que votou em seus representantes eleitos —, os jusrealistas afirmavam que, em última instância, os juízes faziam a lei. Visto que eles podiam mudar a lei pela simples interpretação dela ou simplesmente não aplicar mais a lei que não gostavam. Além disso, os juízes não eram eleitos. Em outras palavras, mesmo que a lei exista, existem muitos jeitos de alterar os resultados que elas implicam.


— Fred Rodell:


Foi um professor de Direito, muitas vezes tido como um "bad boy", visto que tinha críticas árduas ao sistema jurídico americano. Isso se deve ao fato dele ver a classe jurídica inteira do seu país como um negócio fraudulento.


Fred Rodell via a lei escrita como incompreensível. O que mantinha os cidadãos comuns mistificados, dependendo de pessoas que interpretassem a lei. Ele via a expertise jurídica como um mero jogo de palavras. Tanto que escreveu um livro chamado "Woe unto you, Lawyers".


No livro "Woe unto you, Lawyers", ele condena toda a prática jurídica nos Estados Unidos moderno. Chegando a representá-la como uma fumaça e miragem. Dizendo que as leis escritas se tornaram sombra. A lei moderna não era mais clara e compreensível. Era demasiadamente técnica, afastada do povo comum, difícil demais pro cidadão médio. Ou seja, a lei se tornou vaga e imprevisível.


Mais do que isso: a lei inteira se tornou uma máquina de vendas. Só aqueles que conheciam como essa máquina funcionava, sabiam qual botão apertar. Em outras palavras, se você fosse um juiz ou um advogado, você poderia simplesmente fazer uma decisão, selecionar alguns importantes princípios e deduzir o que quisesse a partir deles para gerar o resultado que já era previamente estabelecido.


A expertise jurídica é, a seu ver, apenas um jogo de palavras. Você simplesmente cozinha justificações e faz brincadeiras com a lógica para tentar conseguir o resultado desejado.


— Jusrealismo e Sociologia:


Para entendermos a lei, precisando estudar como ela funciona na prática. Se as leis sozinhas não servem para explicar os resultados, o que serve? Analisar os códigos estabelecidos, os casos individuais, a variação no tempo e no espaço, compreender os fatos sociais e realizar uma pesquisa sociológica!

sábado, 30 de agosto de 2025

Acabo de ler "Filosofia do Direito" de Miguel Reale (parte 4)

 


Miguel Reale levantará, nesse capítulo, vários questionamentos em relação a afirmação do neopositivismo sobre a função da filosofia de apenas receber os resultados das ciências e coordená-los em uma unidade nova.


1. Com que critério se fará a síntese?

2. Será essa síntese possível, ou necessária?

3. Graças a que faculdade sintetizadora?

4. Em que limites e com quais condições?

5. Quem nos dá o critério de valor para cortejar, para excluir e resumir resultados?

6. Qual será a norma para estimativa da unidade?

7. Quem nos assegura que nos resultados da ciência já esteja iminente a unidade que se busca?

8. Será essa unidade possível?


- Problema do Critério: nas perguntas 1, 5 e 6, o questionamento é como escolher e hierarquizar os resultados científicos sem um critério externo à própria ciência;

- Problema da Possibilidade: nas perguntas 2,7 e 8, a questão é se a unidade total do conhecimento científico é possível ou necessária. E quais seriam os resultados científicos que já contêm em si essa unidade;

- Problema da Faculdade: na pergunta 3, o questionamento é qual faculdade humana (razão ou intuição axiológica) seria responsável por produzir a síntese esperada, já que a ciência em si mesma opera por outros métodos;

- Problema dos Limites: presente na pergunta 4, o questionamento leventado é até onde essa síntese pode ir sem se tornar uma especulação de caráter metafísico, que é a mesma coisa que o neopositivismo se opõe.


Isso tudo sugere que há um prisma ou um valor. Mas retomamos isso mais tarde.


Os resultados possíveis dessa busca, para resolver as questões de Miguel Reale, são:

1. Repetir o que a ciência disse;

2. Elaborar um índice da ciência.


Miguel Reale nos apresenta uma ideia: se é possível confrontar soluções parciais para se atingir uma compreensão total, é porque possuímos a capacidade de considerá-las, elas não são abstratas ou abstraídas do processo espiritual, mas sim referidas a força una e íntegra do espírito. A filosofia, desse modo, é mais uma crítica das ciências do que um compilado das ciências. 


O que Miguel Reale tentará realizar nesse capítulo é trazer uma diferenciação da filosofia e da ciência — além da ciência cultural — para restaurar a autonomia da filosofia diante da ciência.


— Ciência:

1. Explica fatos segundo os seus enlances causais;

2. Estende, desenvolve e torna explícitos os elementos implícitos que observa;

3. Determina relações constantes de coexistência e sucessão.


— Ciência Cultural:

1. Não se limita a explicar;

2. Realiza-se graças a compreensão;

3. Subordina fatos a elementos teleológicos;

4. Aprecia elementos as suas conexões de sentido.


— Filosofia:

1. Compreensão total;

2. Referibilidade axiológica;

3. Unidade do sujeito com a unidade da situação do sujeito;

4. Totalidade de conexões de sentido;

5. Cosmovisão fundamental.


Aqui existe a refutação de que a filosofia é serva da ciência através do escopo e do método. A Ciência (natural) tem como função principal explicar fenômenos, o método visa causalidade e relações constantes, o objeto observado por ela são os fatos mensuráveis e observáveis. A Ciência Cultural tem como objeto compreender fenômenos, tem como método a subordinação de elementos teleológicos e conexões de sentido, tendo como objeto as ações humanas, a cultura e a história. A filosofia, por sua vez, tem como função principal a compreensão total e a valoração, tem como método a referibilidade axiológica e a busca da totalidade, tendo como objeto a unidade do sujeito e do mundo (cosmovisão).


Uma falha positivista que Miguel Reale comentará é a mesma falha apontada por Karl Popper: muitas vezes a ciência apresenta soluções provisórias, precárias e, até mesmo, precipitadas. Segundo Karl Popper, o princípio de verificação dos neopositivistas é uma tautologia analítica — mesmo elemento que os neopositivistas criticavam. Isto é, o princípio de verificação não é empiricamente verificável. Ou seja, ele também seria carente de significação e não científico. Karl Popper, por sua vez, apresentará o critério da falseabilidade para corrigir esse problema.


Miguel Reale, por sua vez, apresentará uma crítica de caráter axiológico. Ele viu no neopositivismo uma inconsistência lógica. Visto que se o princípio central do neopositivismo não pode ser validado por seus próprios métodos, então ele mesmo é um pressuposto valorativo. Se a premissa é que só terá validade o que é analítico ou empíricamente verificável, a crítica é que esse princípio não é analítico e nem empiricamente verificável.


Fazendo uma formulação mais precisa entre os dois:


— Karl Popper:

A crítica de Popper é de natureza lógica-metodológica. Ele observa que o critério de verificação é auto-refutante, visto que o próprio critério de vrificação não é analítico e nem empiricamente verificável. O critério de verificação é, portanto, pela própria regra que impõe, carente de significado. A solução que Popper apresenta é o critério da falseabilidade (ou testabilidade). Ou seja, uma teoria é científica se ela for passível de ser falseada por um experimento observacional.


— Miguel Reale:

A crítica de Miguel Reale é axiológica e fenomenológica. Ele declara que problema é que quando os neopositivistas declaram que apenas o analítico e o empírico têm valor, o neopositivismo esconde o seu próprio pressuposto valorativo — o que Miguel Reale está tentando provar é que os neopositivistas inconscientemente carregam uma axeologia. Eles (os neopositivistas) fazem uma escolha de valor sobre o que é importante para o conhecimento, mas negam à filosofia o direito de examinar valores. A solução seria reconhecer que a filosofia tem uma autonomia baseada na experiência espiritual total do sujeito, cuja a fundação seria a compreensão da realidade através de critérios axiológicos, isto é, de valor, que permitem criticar e dar sentido às conquistas parciais da ciência. 

Acabo de ler "Filosofia do Direito" de Miguel Reale (parte 3)

 


Creio que nessa parte, Miguel Reale, como jusfilósofo, traz uma abordagem crítica ao positivismo por ele descartar a jusfilosofia do campo de pensamento filosófico — o que é uma defesa da importância e da existência da filosofia do Direito. Aqui há mais uma tentativa de explicar o que outros pensadores pensam.


A crítica, para justificar a necessidade da existência da jusfilosofia, partirá do fato de que os positivistas tinham várias desconsiderações a respeito de várias partes da filosofia — dentre as quais a própria filosofia do Direito. Alguns exemplos são:

1. As indagações sobre o ser não poderiam ser verdadeiras e nem falsas, mas destituídas de sentido;

2. A metafísica não apresentaria significado algum;

3. Problemas éticos seriam subjetivos e sem garantia de verificabilidade.


O neopositivismo, no Círculo de Viena e na Escola Analítica de Cambridge, pode ser caracterizado por ver a filosofia como uma crítica da linguagem científica. Excluindo-se, do campo do saber filosófico, a metafísica, a axiologia, a moral e o Direito. A filosofia mais propriamente seria uma teoria metodológica-linguística das ciências; uma análise rigorosa da significação dos enunciados das ciências e de sua verificabilidade; purificando-se, também, os chamados pseudoproblemas. A filosofia, em síntese, seria para esclarecer e precisar os meios de expressão do conhecimento científico, depurando-o de equívocos e pseudo-verdades.


Ludwig Wittgenstein, em seu "Tractatus Logico-Philosiphicus", estabelece que:

1. Clarificação lógica dos pensamentos;

2. Filosofia como atividade;

3. Trabalho filosófico como elucidação;

4. Resultado da filosofia como clarificação das proposições.


Existe uma tentativa de divisão radical entre:

- Proposições verificáveis: dotadas de sentido;

- Proposições inverificáveis: destituídas de sentido.

É evidente que tudo é subordinado aos horizontes do conhecimento científico-positivo. Como podemos ver no pensamento de Hans Reichenbach, onde há a ideia de que não há uma verdade moral, visto que a verdade depende de enunciados lógicos, não de deritivas de comportamentos humanos. Logo a moral não é um sistema de conhecimentos ou de certezas, mas uma provisão ou estoque de diretrizes ou imperativas, variáveis no tempo e no espaço.


Louis Althusser, filósofo francês marxista, mencionado brevemente por Miguel Reale, possui conclusões semelhantes à dos neopositivistas, visto que a filosofia se reduzirá às leis do pensamento.



Acabo de ler "Filosofia do Direito" de Miguel Reale (parte 2)

 



Nessa parte do livro, Miguel Reale analisa a filosofia durante o período do positivismo e traça paralelos com a Idade Média.

Augusto Comte (1793-1857), um pensador do século XIX, é o pai do positivismo e tem uma lei de três tempos históricos como uma espécie de pedra angular do seu pensamento:

1. Teológico;
2. Metafísico;
3. Positivo.

Essa teoria influenciou drasticamente a história cultural e política do Brasil.

Augusto Comte tinha formação matemática e seu objetivo era o de dar à filosofia um grau de certeza semelhante aos das ciências físico-matemáticas. Em outras palavras, à luz dos fatos ou das suas relações. Ele tinha uma aversão à metafísica e ao conhecimento a priori.

Herbert Spencer, em seu First Principies (1862), apresentou uma teoria evolucionista derivada do positivismo. Ele chegou a crer que o que separava a filosofia da ciência era uma questão de grau. Enquanto a ciência era particularmente unificada, a filosofia era totalmente unificada. Ou seja, a diferença estava no grau de generalidade. Visto que a filosofia deveria ser uma enciclopédia das ciências ou uma sistematização das concepções Científicas. Assim podemos estabelecer que:

1. Cientista: trabalha em seu setor;
2. Filósofo: dá uma unidade provisória, revendo de tempos em tempos o progresso científico para dar uma nova unidade com base na composição unitária das pesquisas.


Essa forma de organizar o pensamento apresentava dois pontos de vista, um era o estático e o outro era o dinâmico.

— Ponto de Vista Estático:
- Hierarquia das Ciências;
- Unidade do Método;
- Homogeneidade do saber.

— Ponto de Vista Dinâmico:
- Convergência progressiva de todas as ciências no sentido da sociologia, ciência final e universal.

A filosofia, como resultante das ciências na unidade do saber positivo, oferece diretrizes seguras para a reforma e o governo da sociedade.

— Positivismo X Medievalismo:

No período medieval, a filosofia também apresenta um caráter instrumental. Ela é serva da teologia (ancilla Theologiae). Isso se deve a visão teocêntrica da vida e a compreensão do homem segundo verdades reveladas (Bíblia). Nesse sentido, a filosofia não pode contrariar a visão teológica e encontrava na teologia um limite negativo último. 

Enquanto na Idade Média a filosofia era subordinada à teologia. Na visão positivista, a filosofia deveria ser subordinada à ciência, visto que deveria unificar e completar os resultados da ciência e sempre partir de suas conclusões.

Temos aí uma filosofia que é a própria ciência em sua explicação unitária, o filósofo como um especialista em generalidades e a filosofia como expressão da própria ciência, confundindo-se essencialmente com ela.


Sociologia Iuris #3: Jurisprudência Sociológica

 


Como vimos na nota pública anterior, o formalismo faz parte da jusfilosofia liberal e serve para as pessoas saberem os ganhos e perdas das leis, tornando-as previsíveis e consistentes. Agora vamos dar uma olhada nos críticos do formalismo jurídico. Eles tentam inserir pesquisa científica e observações sociológicas na atmosfera jurídica.


No âmbito da jusfilosofia liberal temos a ideia de que o governo das leis não é o governo dos homens, visto que os homens devem se submeter às leis. O que se busca é uma lei logicamente organizada, tal como se elas fossem de natureza mecânica ou como algo mecânica, uma espécie de máquina. Isso é uma tentativa de tornar a lei consistente e previsível.


— Roscoe Pound:


Roscoe Pound, que fez críticas contundentes ao formalismo jurídico, foi um jurista norte-americano e professor de Direito. Ele foi Reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Nebraska e depois da Faculdade de Direito de Harvard.


As críticas de Roscoe Pound são:

1. Existe um ênfase profundo na consistência;

2. A lei deveria servir para os interesses sociais;

3. Os interesses sociais mudam tal como a sociedade muda;

4. A lei deveria mudar conforme os interesses sociais.


A lei deveria ser estável, mas essa estabilidade deveria estar na conformância ao anseio social. Pound observará que os juízes estavam fazendo más decisões por se basearam mais nos precedentes do que em ajudar o povo. A lei deveria ser uma busca dos interesses sociais da sociedade como um todo, adaptando-se a esses anseios.


Pound reconhece o valor do formalismo, mas a lei estava mudando vagarosamente, não lhe permitindo se adaptar aos anseios da coletividade. O que ele observou era a regra morta — uma lei não adaptada as necessidades sociais — controlando a sociedade.


— Jurisprudência Sociológica:


O que Roscoe Pound defenderá é uma jurisprudência sociológica, onde teríamos uma utilização de uma pesquisa sociológica para:

1. Identificar os interesses socais;

2. Medir o quanto da lei está em conformidade com esses interesses.


O sistema sociológico serveria para:

1. Pesquisar e descobrir o que a sociedade precisa;

2. Descobrir o quanto da lei efetivamente cumpre essa necessidade.


— Jurisprudência Sociológica em Ação:


- Muller v Oregon (1908)

Uma decisão foi feita com base em uma pesquisa a respeito dos efeitos da lei.


Essa pesquisa tinha a ver com a quantidade de horas que mulheres poderiam trabalhar. O documento tinha mais pesquisa sócio-científica do que arcabouço legal. Apresentava o testemunho de vários doutores, de cientistas sociais e trabalhadores argumentando acerca dos efeitos maléficos de longas jornadas de trabalho na saúde das mulheres. Em outras palavras, através de uma pesquisa científica de caráter social, uma decisão ocorreu para a melhora do quadro das mulheres. 


— Philip Selznick:


Philip Selznick foi um teórico organizacional e professor de sociologia e Direito na Universidade da Califórnia. Ele foi responsável por criticar a aplicação da lei contratual nas relações entre trabalhadores e empregadores. Sua importância está no movimento trabalhista e nas leis trabalhistas.


A ideia que se tinha antes dele, era a de igualdade e liberdade entre o trabalhador e o empregador. Philip Selznick notará que essa ideia não batia muito com a realidade. O modelo contratual, segundo ele, não batia com a realidade sociológica e usualmente os empregados tinham muito mais necessidade do que os seus empregadores. Por causa desse desbalanceamento, os empregadores que ditavam os termos.


Além disso, a observação sociológica demonstrou que as organizações que os trabalhadores eram empregados agiam como um governo para os seus membros. Isso levou ele a pedir a extensão do devido processo legal.


1. Eles agem como uma espécie de lei;

2. Muitas vezes as indústrias conseguem achar e controlar uma cidade inteira para seus empregados;

3. A indústria é efetivamente uma cidade governamental com regras e ordenanças e pode controlar todos os tipos de coisas na vida das pessoas;

4. Eles podem cortar nossos direitos e fazer decisões que afetam as nossas vidas e nos deprivam.


Podemos ver um quadro, sociologicamente falando, em que organizações privadas agem como um governo. O que Philip Selznick exige é que sem devido processo legal, você não pode demitir alguém ou expulsá-lo da companhia ou tirá-la da escola — escolas também são analisadas por Philip Selznick — sem um devido processo legal.


— Conclusões:


A Jurisprudência Sociológica demonstra a relevância das pesquisas das ciências sociais para o desenvolvimento e aplicação da lei. Ela serve para criticar a ênfase drástica que o formalismo tinha enquanto ideal. Ela também demonstra o grau de acuracidade do formalismo jurídico com a realidade. Através da observação sociológica, podemos reformar a lei apropriadamente.


sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Sociologia Iuris #2: História e Jusfilosofia


 

Diferentes sociedades possuem diferentes normas jurídicas e métodos de procedimento. Só que uma mesma sociedade apresenta diferentes períodos históricos, o que impacta também em sua forma de ver a lei e de aplicar a lei.


— Leis pré-modernas:


— Sistema Inquisitorial (período medieval e renascença):

- Magistrado inicia, processa e julga os casos;

- Acusado é culpado até que prove a inocência;

- Acusações podem ser secretas;

- Torturas eram usadas para extrair confissões.


O magistrado, naquele período, tinha poder em todos os processos. O que lhe dava um poder excepcional. Além disso, o acusado muitas vezes não sabia do que estava sendo acusado. A confissão era a rainha das provas, uma espécie de alto padrão naquele período. Além disso, não era incomum torturar alguém de forma extremamente dura ou longa o suficiente até ela confessar qualquer coisa que ela tenha feito ou não.


— Sistema Adversarial:

- Juízes e jurados ouvem argumentos dos dois lados;

- Acusados eram inocentes até que se provasse o contrário;

- Acusações tinham que ser públicas;

- Torturas eram menos frequentes.


Esse sistema é o ancestral do sistema Britânico e Americano moderno. O poder durante todo o processo não era completamente concentrado. Tinha-se a crença de que era melhor deixar uma pessoa culpada ir livre do que acidentalmente punir uma pessoa inocente.


Os dois sistemas (inquisitorial e adversarial) continham punições brutais, execuções frequentes e várias formas de tortura.


— O Iluminismo  (anos 1600, 1700):

- Mudanças culturais significativas;

- Razão e Racionalidade;

- Equidade Social;

- Liberdade individual.


Foi nesse período em que a ciência realmente começou a crescer e a se desenvolver rapidamente. Além disso, vários questionamentos sociais surgiram. As distinções entre nobres e plebeus foi sendo apagada e uma sociedade de caráter mais fluido foi surgindo. Os direitos se tornaram mais iguais entre as diferentes classes e distinções entre elas foi atenuada. A liberdade individual começou a ser valorizada, com pessoas tendo mais liberdade para escolher como gostariam de viver.


A Declaração da Independência, nos Estados Unidos, baseou-se em ideais iluministas. É por isso que havia a crença de que todos os homens eram criados iguais, que o governo deveria reforçar os direitos individuais e protegê-los. Além disso, as pessoas teriam a liberdade de se rebelar caso os seus direitos não estivessem sendo protegidos pelo governo.


— Cesare Beccaria (1764)


Nesse período, Cesare Beccaria, importante jurista italiano propôs as seguintes reformas:


1. Somente legisladores, não juízes, podem criar leis;

2. A lei será aplicada igualmente para todas as classes sociais;

3. A lei escrita deve ser clara e compreensível;

4. Os acusados são inocentes até que se prove o contrário;

5. Acusações devem ser publicas, não secretas;

6. Punição apenas para dissuasão.


Vale lembrar que, nesse período, aristocratas tinham direitos diferentes. Os documentos religiosos e administrativos estavam em latim, língua não falada pela maioria do povo. Os juízes podiam criar novas leis. Punições não raramente ocorriam por vingança e para entretenimento. As reformas propostas por Cesare Beccaria eram extremamente necessárias para corrigir uma série de imperfeições e injustiças daquele período.


— Jusfilosofia Liberal:


1. Universalismo: a lei é aplicada igualmente para todos;

Não importa a condição de nascimento, não importa a classe social, não importa o lugar de onde se veio.


2. Formalismo: casos são determinados por regras;

As pessoas devem conhecer as regras. Assim elas podem prever acuradamente o resultado de cada lei. A lei deve ser previsível, assim uma pessoa razoável será hábil para antecipar os resultados de suas ações, sabendo quando estão violando e quando não estão violando as leis.


3. Devido Processo Legal: proteções contra falsas acusações.

Separação das acusações verdadeiras das acusações falsas.


Tudo isso faz parte da sociedade moderna. Porém, no momento em que foram propostas, eram radicalmente inovadoras. Agora um pequeno raciocínio:


Jusfilosofia: diz como a lei deve operar;

Ciência (Sociologia Jurídica): descreve como a lei de fato opera.


O quanto da lei moderna, em nossa sociedade, está de acordo com a jusfilosofia?

Acabo de ler "Filosofia do Direito" de Miguel Reale (parte 1)

 


Na origem do pensamento ocidental, bem na Grécia (ou na Atenas Clássica), a filosofia surge das experiências historicamente observáveis. O termo filosofia virá a significar amor à sabedoria. Ou uma espécie de amizade.


O filósofo estará em confronto e não concordância com os chamados sábios (sofistas). O filósofo terá um amor para com a verdade que quer conhecer, mas sem nunca a alcançar. Representando uma espécie de verdadeiro cientista, um pesquisador incansável. E sua postura virá de uma perplexidade e inquietação diante do mundo. A filosofia, antes de ser uma resposta cabal, é um estado de inquietação diante do real e da vida.


O homem começa a filosofar quando se vê cercado pelo problema e pelo mistério. Aristóteles dirá, assemelhando-se a Platão, que a filosofia começou com uma atitude de assombro diante da natureza.


A atitude filosófica pode ser dita como uma atitude de captar e renovar os problemas universais. Ela é a busca pela essência, pela razão última. Em outras palavras, das causas primeiras. Não é, de forma alguma, a posse da verdade plena. Pelo contrário, é uma orientação em busca da verdade plena, admitindo-se que nunca a encontrará em plenitude. Sendo mais uma forma de busca incessante da totalidade de sentido.


A filosofia parece partir dos princípios primeiros, o que levará a legitimação de uma série de outros sentidos, levando a um sistema de compreensão total. Podemos ver uma espécie de universalidade, de princípios e razões últimas que são explicativas da realidade. Todavia, entretanto e porém: a busca há de se renovar. Vemos tumultos de respostas, de sistemas e de teorias. A filosofia começa a vir como uma renovação constante de uma atividade perene de inquietação diante da universalidade dos problemas. A filosofia, pode ser até ousadamente definida, como a universalidade da inquietação manifestada por meio dos problemas. 


Essa insatisfação constante dos resultados, essa postura filosófica que não se cala, vai procurar cuidadosamente mais claros fundamentos. A Filosofia do Direito, a jusfilosofia, porta-se tal como a filosofia, mas no âmbito da realidade jurídica. O Direito, tal como realidade universal, é passível por essa mesma razão de ser alvo de uma postura de inquietação filosófica. O jusfilósofo, por sua natureza filosófica, vê dúvidas onda há certezas.


Ele que se questiona os limites lógicos da obrigatoriedade legal. Por ser um crítico da experiência jurídica, ele tenta procurar e determinar quais são as suas condições transcendentais. Aquelas condições mesmas que servem de fundamento à experiência, aquelas condições que a tornam possível. É por isso que ele ousadamente tenta compreender também a realidade histórica-social.