quarta-feira, 2 de julho de 2025

Acabo de ler "The Dark Enlightenment" de Nick Land (lido em Inglês/Parte 1)

 


Nome:

The Dark Enlightenment 


Autor:

Nick Land


Creio que essa é a análise mais pedida do blog. Lembro-me de que todas as vezes que as pessoas viam meu blog ou me encontravam nos grupos de WhatsApp, pediam-me uma análise do "The Dark Enlightenment" do Nick Land. Lembro-me de ter lido esse livro, pela primeira vez, num blog de um amigo meu — em português. De lá para a cá, a fama de Nick Land subiu estratosfericamente. Ele se tornou uma figura inevitável. Muito glorificada por alguns, extremamente nociva para outros. Vou tentar manter o contumaz tom neutro do blog. Analisando cada parte do livro como um capítulo de análise.


Creio que o primeiro passo para compreender o que Nick Land quer dizer é o fato de que o ilustramento (o ilumininismo) não é um estado, mas também um evento e um processo. Essa compreensão — de que o iluminismo também tem uma natureza processual — leva a uma outra possibilidade interpretativa. Estamos, até hoje, dentro de um processo de ilustramento. Existe uma questão bem interessante: se o iluminismo (o movimento ilustrado) se opõe à "Idade das Trevas", por qual razão teríamos um iluminismo sombrio? O iluminismo sombrio pode ser um renascimento do pensamento reacionário, mas interpretado por um outra lógica ou uma outra lente. O iluminismo sombrio não é contra o desenvolvimento da tecnologia, muito pelo contrário: ele quer a sua aceleração. Para muitos iluministas sombrios, muitas vezes os direitos humanos se opõem a concretização plena do desenvolvimento tecnológico. Para acelerar esse processo de desenvolvimento, faz-se necessário um movimento que negue os direitos humanos para se ir além dos limites que travam o avanço do processo tecnológico.


Um dos eventos que Nick Land nota, e nota muito bem, é o de que muitos liberais e libertários têm olhado de forma negativa para a democracia. E a há, a cada dia, uma crescente associação entre o pensamento democrático e o pensamento progressista. Eles se tornam cada vez mais sinônimos. O conservadorismo, por sua vez, torna-se cada vez menos apelativo para as massas. O que temos não é mais aquele conservadorismo prudencial, erudito e com um olhar tenro para as experimentações temporais. O que temos hoje é um conservadorismo populista que muitas vezes, em sua efervescência, destrói a própria capacidade de conservar as instituições que os próprios antigos conservadores achavam belas e dignas. 


Se temos um processo de fusão entre democracia e progressismo de um lado, se temos um processo de um conservadorismo cada vez mais autocontraditório, temos por outro lado um grupo de liberais clássicos e de libertários de direita que olham com cada vez mais receio para o processo democrático. De fato, muitos liberais e libertários não conseguem ver a capacidade de um regime econômico descentralizado dentro da lógica democrática. A ascensão do conservadorismo populista, em que a preferência temporal está sempre focada no curto-prazo, leva aos liberais e libertários de direita antidemocráticos a terem um afastamento cada vez maior dos setores conservadores.


A ascensão do sistema de voto, o sufrágio universal, vem sido encarada por muitos setores como correlacionada com os vícios privados, com o ressentimento, com a orgia consumista, o financiamento incontinente, com a política se tornando simultaneamente um reality show e um circo. Vivemos num mundo politicamente devastado, cada vez mais sensacionalista e com uma sociedade imperativamente dividida em uma perpétua guerra fria civil. Ao mesmo tempo, antigos liberais e libertários — agora com uma tendência antidemocrática — não veem a possibilidade de uma vitória definitiva e de estabilidade de longo-prazo.


É nessa crise que começasse a formular um novo sistema. Um sistema em que não há a dissolução do Leviatã, mas a dissolução do sistema democrático dentro do Leviatã. O governo passaria a ser encarado como uma corporação e essa corporação serviria para maximizar a sua eficiência de modo qualitativo. Um mal governo não seria um mal governo, mas uma má e ineficiente corporação. Já um bom governo seria um negócio bem conduzido. É com esse tipo de pensamento que podemos adentrar na mentalidade neorreacionária.

Acabo de ler "Exploring psyop-based conspiracy theories on social media" de Justin (lido em inglês)

 


Nome:

Exploring psyop-based conspiracy theories on social media


Autor:

Justin Bonest Phillips


Redpill, QAnon e /pol/ (4chan): quando esses nomes entram juntos, eles explodem o debate público. E quando aparece uma teoria da conspiração e psyop, há um prato cheio para todo analista.


Pensando bem, o que é uma teoria da conspiração? Uma teoria da conspiração se distingue por conter algumas características:

1. Ver padrões uma sequência não coincidente de eventos;

2. Identificar atores que aplicam o plano secreto em correlação com outros;

3. Expõem a intenção hostil dos conspiradores;

4. Lutam para revelar a verdade para todos.


O que é uma psyop? Um grupo de pessoas agindo secretamente, desejando mudar o comportamento de determinado grupo.


Uma teoria da conspiração pode surgir por múltiplos motivos, mas existem três razões bem interessantes para gerar uma teoria da conspiração: (1) epistêmica, (2) existencial e (3) social.


1. Epistêmica: estabiliza as visões de mundo;

2. Existencial e social: atende aos anseios daqueles que se veem como dominados ou em um mundo instável.


Em última instância, a teoria da conspiração é um mecanismo de defesa natural que satisfaz uma necessidade. Ela serve como um mecanismo de reforço epistêmico e um mecanismo de defesa simultaneamente. Ela também estabelece, para um grupo, um senso de pertencimento.


O interessante dessa pesquisa é que ela analisa que plataformas mais mainstream possuem um público menos ávido por teorias da conspiração e plataformas mais extremas (4chan e Telegram, por exemplo) possuem um público mais ávido por esse tipo de conteúdo. Além disso, a versão de uma teoria da conspiração é mais leve dentro de plataformas de nicho mainstream e é mais pesada e ofensiva dentro de plataformas de nicho underground. Fora isso, existe um consumo e postagem maior de teorias da conspiração em plataformas extremistas.

Acabo de ler "The Internet and Psychological Operations" de Angela Maria Lungu (lido em inglês)

 


Nome:

The Interner and Psychological Operations


Autora:

Angela Maria Lungu


Qual seria a melhor forma de conduzir guerras na era moderna?


Opção A: invadir um país e destruí-lo por dentro gastando uma série de recursos;


Opção B: fazer uma operação psicológica a distância e deixar que o inimigo destruir a si mesmo.


Evidentemente, a opção B deve ser feita. E, em último caso, a opção A é viável. Os estudos modernos vêm sido grandiosos no detalhamento da guerra informacional. Eles variam desde pequenos grupos operando em vários sites e fóruns ou até mesmo sites de informação falsa. Vários países do mundo têm atuado dessa maneira. Os Estados Unidos não é uma exceção a regra, mas um dos principais vetores dessa prática.


Em última instância, vivemos numa época em que a informação é onipresente. A conexão mundial da Internet fortalece tal onipresença. Quem ganha a guerra é quem possui superioridade informacional. Vivemos numa era da guerra informacional e usam a informação para gerar novas e novas formas de mudança comportamental. A diferença é que agora tudo isso pode ser feito a uma distância razoável.


Em vez de produzirem diretamente milhares e milhares de drones para invadir um país, pode-se antes disso produzir uma equipe técnica que é capaz de produzir várias informações ou conduzir as informações de modo favorável. Isso leva a uma redução sem precedentes dos custos da guerra. A guerra atinge, antes disso, o coração e a mente. Isso é melhor do que ficar soltando tiros.


Nesse pequeno artigo — ele possui só trinta páginas — podemos ver a possibilidade de emprego tático de operações psicológicas em videogames, streaming, chats, fóruns, mensageiros instantâneos. Tudo isso é fortemente considerado para gerar uma nova forma do ser e do agir da guerra.

domingo, 1 de junho de 2025

Acabo de ler "Devil's Bargain" de Joshua Green (lido em inglês)

 


Nome:

Devil's Bargain — Steve Bannon, Donald Trump, and the Storming of the Presidency


Autor:

Joshua Green


Resolvi fazer complementos e hipóteses para o livro nessa análise, visto que os leitores já devem estar entediados com análises que ficam na mesma tonalidade e repetindo os mesmos eventos sem uma mudança qualitativa ou um acréscimo substancial. Esse blog não pode correr o risco de se tornar tediosamente repetitivo.


Os Estados Unidos, nos tempos atuais, se estabelecem mais como uma incógnita do que como uma estabilidade. A razão dessa incógnita é o fato de que os Estados Unidos estão num processo de autoquestionamento em relação aquilo que lhe fundou: a crença na ordem liberal (e o apego a ela). É disso que surgem movimentos que trazem ora um aspecto mais reacionário e ora um aspecto mais progressista. Não há ainda um desenho total de um Estados Unidos pós-ordem liberal. É por isso que pensadores e políticos como Christopher Lasch, Bernie Sanders e Patrick J. Deneen — além de várias pensadores progressistas pós-liberais ou conservadores pós-liberais — são de suma importância.


Creio que muitos americanos já estão estudando e pensando num Estados Unidos pós-ordem liberal (POL). A alt-right pega a sua influência de teorias que foram retiradas por sua toxicidade. Vários progressistas inspiram-se no modelo chinês e soviético ou num socialismo liberal ou, mais propriamente, num socialismo de mercado. Alguns conservadores aproximam-se do comunitarismo. De qualquer forma, há sempre uma tentativa de introduzir elementos que não se correlacionam com o modelo da ordem liberal e que, muitas vezes, demonstram-se antagônicos a essa ordem. Aparentemente, os americanos andarão entre o sincretismo e a síntese até formarem um quadro novo.


Enquanto iniciativas de uma política antimigração levantam sérias suspeitas de como os Estados Unidos racialmente vê pessoas de uma coloração não-branca e pessoas do Sul Global, pouco a pouco a China vai se consolidando com uma referência e como um modelo para um mundo pós-ordem liberal. Se os próprios Estados Unidos possuem dúvidas em relação ao seu próprio modelo, e eles são os principais representantes desse modelo, a China e o modelo chinês pouco a pouco assumem uma possibilidade no imaginário de muitas nações. Além disso, o crescimento das questões raciais levará um desenrolamento em que as pessoas verão, a cada dia, os Estados Unidos como um país racista e que odeia aqueles que, até então, o veem como um modelo e uma referência.


A Europa está fazendo um afastamento gradual dos Estados Unidos. Japão e Coreia do Sul vão, pouco a pouco, deixando as suas richas com a China. Austrália, mesmo de longe, toma precauções com o crescente isolacionismo econômico e político dos Estados Unidos. O Canadá, outrora um gigantesco parceiro historico dos americanos, vai se redesenhando politicamente e procurando um modelo em que ele se conecta mais com o mundo e tem uma preocupação mais soberana.


Creio que o leitor não sabe, mas o trumpismo e a sua mensagem já são, em si mesmos, um ceticismo americano para com o que é ou o que foi os Estados Unidos. Steve Bannon, de formação católica tradicionalista, já está ciente da forma com que os americanos estão ressentidos e questionantes. Os fundamentos centrais dos Estados Unidos vão, pouco a pouco, sendo vistos como um entrave. O que dá uma possibilidade de um anticapitalismo e um antiliberalismo de direita ou de esquerda. Quanto mais essa dúvida existencial e identitária surge e se consolida, mais os Estados Unidos posicionam-se ambiguamente, tornando-se um mistério que levanta a tempestade da dúvida no mundo.

terça-feira, 20 de maio de 2025

Acabo de ler "Everything Trump Touches Dies" de Rick Wilson (lido em inglês)

 


Nome:

Everything Trump Touches Dies: A Republican Strategist Gets Real About the Worst President Ever


Autor:

Rick Wilson


Esse livro foi o livro que me fez apaixonado pela escola conservadora americana. Talvez seja porque eu vivo numa realidade em que a linguagem é demasiadamente formal e o grande público não chega a ter uma proximidade do conteúdo produzido por intelectuais — a linguagem acadêmica mata muito dessa possibilidade. Talvez seja pelo fato do livro ser engraçadíssimo e quebrar muito da nossa noção de uma linguagem engessada e burocrática foi o que me aproximou dele. Há por todo esse livro uma sinceridade que transborda, seduz e faz rir a cada momento. É um livro que pode ser considerado popular e erudito ao mesmo tempo sem um aspecto contradizer o outro.


Esse livro trata de uma questão bastante complexa: o que fazer quando tudo aquilo que ajudamos a construir é destruído por aqueles que deveriam estar do nosso lado? É por essa razão que esse livro é uma porta para uma perspectiva diferente. Ele traz a perspectiva de um conservador, de um homem que foi filiado, por muito tempo, ao Partido Republicano. E que viu o Partido Republicano trair todos os seus valores históricos por uma horda de fanáticos que se mexiam como manequins através de um hipnotismo conspiratório. Lembra-me um pouco do drama de Trotsky na União Soviética, e isso abre uma pergunta interessante: seria o conservador antitrumpista um trotskista de direita?


O que determina os princípios de um conservador? A aversão a ideia de que o Estado é a política, através da força da engenharia social, pode trazer o paraíso para Terra; a ideia de que a natureza humana é passível de erros e que nenhum ser humano é um anjo; a ideia de um Estado pequeno para se evitar a tirania do Estado em sua acumulação constante de poder; a defesa da liberdade de expressão, peça fundamental para o funcionamento do autogoverno; o império da lei para que não impere o império da força; o constitucionalismo que separa os poderes para que nenhum homem seja rei; o federalismo que fragmenta as esferas de decisão, aumentando a eficiência e reduzindo a concentração de poder. Trump e a sua trupe não são a encarnação de nada disso, mas justamente vão no sentido oposto de tudo isso.


Rick Wilson escreveu um livro controverso. Mesmo sendo um republicano de coração, de intelecto e de alma, ele precisou expor uma série de mentiras que levaram o Partido Republicano a se tornar o que se tornou. Para ser exato, o Partido Republicano se tornou, pouco a pouco, antirepublicano. Uma paródia de si mesmo e de tudo que veio a historicamente representar em seus momentos mais belos. Uma série de acontecimentos levam a uma perda contínua dos valores historicamente apreendidos. Tudo culminará na eleição da figura mais grotesca já criada pela história americana: Donald Trump.


A mensagem que Rick Wilson tenta trazer é uma mensagem de resgate. É o de trazer de volta o coração e a mente conservadora. De sair das fantasias políticas e embarcar nas vias tradicionais dos princípios conservadores. Em outras palavras, um resgatamento da crítica conservadora ao acúmulo sem fim do poder. O retorno da prudência. A noção de que as ideias têm consequências. Não caindo nos infortúnios das ideias perigosas das paixões passageiras.


Os Estados Unidos enfrentam o drama do império. Todo país que comporta vários povos dentro de si é espiritualmente um império. Ser um império é diferente de ser imperialista. Ser imperialista é defender uma posição beligerante, onde todos os outros ao redor devem der submissos. Ser um império, no sentido espiritual, é tão somente possuir vários povos. Por muito tempo, havia um ímpeto de ser tão somente uma república comercial. De ter só boas relações comerciais e seguir somente os próprios objetivos sem interferir no exterior. Os Estados Unidos deixaram-se, então, serem absorvidos pelas ideias imperialistas. As ideias imperialistas que eles mesmos deixaram de seguir para se tornarem o que são — o que levou ao abandono do Antigo Regime.


O Partido Republicano, pelo bem que se diga, buscou utilizar o ódio remanescente como estratégia eleitoral. Todavia esse ódio adentrou, pouco a pouco, em suas veias. Mesclando-se, pouco a pouco, como a sua própria natureza. Muitos conservadores, não gostando do rumo do movimento republicano, acabaram por deixar o partido. O que vem substituído os mais notáveis conservadores são os nacional-populistas de verve trumpista que entram em seu lugar.


O fim do livro é um alerta e uma esperança. Está na hora dos conservadores e daqueles que querem ser sinceramente conservadores aceitarem as batalhas perdidas. Aceitarem o casamento gay e a legalização da maconha, por exemplo. Mas o livro todo é sobre isso, de tornar o Partido Republicano conservador novamente. Com um respeito pela imigração, pelo livre-mercado e pelo livre-comércio e pela liberdade individual. Rick Wilson é um conservador clássico na época do conservadorismo populista, do nacional-populismo e da alt-right. O que Rick Wilson traz é a essência conservadora adapta aos tempos modernos, se demonstrando absolutamente capaz de articular os princípios conservadores de forma sólida.

sábado, 17 de maio de 2025

Acabo de ler "A Formalist Manifesto" de Mencius Moldbug (lido em ingês)


Nome:

A Formalist Manifesto


Autor:

Mencius Moldbug (Curtis Yarvin)


Quando estudamos acerca do debate americano e o que levou Donald Trump para a Casa Branca, não só uma, mas duas vezes, temos que adentrar no debate público americano compreendendo e entendendo a participação de diferentes grupos. Quando cito o Project 2025 como o interesse central, cito uma iniciativa da direita mainstream. Nesse livreto, temos não a direita mainstream, mas a alt-right (direita alternativa). Não que exista uma barreira intelectual e social absoluta entra a direita mainstream e alt-right, vários trumpistas são, na realidade, portadores desse novo caldo intelectual que reverbera no debate americano.


Mencius Moldbug (Curtis Yarvin) é um desses homens que, caso não fosse pela excentricidade que carregam, ninguém saberia como pensam. Para ser honesto, nos últimos tempos a esquerda tem sido notável em ser completamente esquecível pelas suas teorias e a direita tem sido completamente audaciosa em criar toda uma série de teorias que causam um reboliço no debate público. Quando foi que a esquerda ocidental teve a sua última grande mudança estrutural? Talvez com a revolução cultural de 68. Todo resto é um desenrolamento das teorias da Escola de Frankfurt e Escola de Paris com mais algumas teorias que juntaram no caldo daquilo geralmente chamamos de teoria crítica.


O que eu quero dizer é: todo mundo fala sobre alt-right, o neorreacionarismo, o iluminismo sombrio, a negação da mentalidade democrática e muitos direitistas e direitosos chegam até a parar na cadeia. Enquanto isso, a esquerda aparece limpinha e cheirosa, menos adepta da criação de novas teorias que joguem o mundo de cabeça para baixo e façam eles serem vistos como perniciosos o suficiente para serem postos para ver o Sol nascer quadrado. A esquerda moderna precisa estudar a alt-right — com certo nojo e afastamento, mas também com uma pintada de ciúme ou inveja — para não cair no tédio de ficar repetindo as mesmas teorias que já professavam em 1968. (A New-Left se aprofundou como fenômeno histórico em paralelo à New-Right, mas a Alt-Right é um fenômeno que não encontra paralelo moderno na esquerda).


É deveras interessante que Mencius Moldbug vê o debate americano com um certo tédio e um olhar muito próprio. Há uma fascinação por algo que seja uma quebra de linha. Ele reconhece que a direita americana moderna é, por assim dizer, mais nova que o movimento esquerdista americano. Ele vê o movimento conservador americano moderno como aquele que surge após Roosevelt. É evidente que há um afastamento da alt-right da direita mainstream, muitos membros da alt-right chamam os conservadores de "cuckservative" (cornoservador) e riem de uma suposta ausência de atitude. A atitude da alt-right frente ao mundo sempre é acompanhada de um escárnio, como se dissesse "nós estamos rindo do mundo e pouco nos importa se seremos presos por isso".


As visões de Mencious Moldbug, como um bom membro da alt-right, são antidemocráticas e se estabelecem contrariamente ao cânon acadêmico. Muitas vezes, ela é acompanhada por um senso de humor que serve para quebrar o politicamente correto do discurso contemporâneo. Num mundo em que as esquerda se engessa e não produz nada de verdadeiramente novo, a direita surge com uma galhofada que encanta a rapaziada com seu jeito desprendido, promovendo remexer tudo que está por aí — democracia, controle do discurso, república, o cânon acadêmico — e sendo bem sucedida nessa empreitada de causar rebuliços e, em algum aspecto, aparecer com uma estética que agrada mais aos jovens do que os eternos chororos de uma esquerda que é incapaz de reinventar.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Acabo de ler "The Rise and Fall of Constitutional Government in America" de Thomas e Douglas (lido em inglês)


 

Nome:

The Rise and Fall of Constitutional Government in America — A Guide to Understanding the Principles of the American Founding


Autores:

Thomas G. West;

Douglas A. Jeffrey.


Os Estados Unidos são um país singular. Todo o debate que tenho entrado, nos últimos tempos, vem me levado a refletir bastante acerca de como vejo o mundo e como seria um mundo desejável. Tenho levado uma porrada intensa ao tentar me adaptar ao inglês, mas toda essa jornada vem me tornado um leitor assíduo da língua inglesa — embora não tenha ainda me tornado um escritor e/ou um falante salutar e bem qualificado desse idioma.


Quando comecei essa jornada, ainda tinha um quê muito intenso de intelectual brasileiro. Acostumado ao formalismo burocrático de nossa linguagem e a ambientação fossilizada de nossa estrutura acadêmica e intelectual. Apesar de não ser um clássico inteligentinho de esquerda, ainda sofria com aquele ar pedante e estapafúrdio de um tedioso ódio antiamericano típico do nosso intelectual médio. Conforme lia e estudava o debate público americano, mais e mais ia vendo que o que se falava por aqui era uma grande bobagem. Além disso, via a cada dia uma abertura dialógica e um desprendimento intelectual que não encontrava, de maneira alguma, em meu país.


Conforme ia lendo, fui deixando aqueles ares de superioridade moral e vendo uma face cada vez mais humana das pessoas que eu analisava. A palavra "estadounidense" foi, pouco a pouco, deixando o meu vocabulário. E aquelas pessoas com quem eu conversava também saíam, pouco a pouco, do meu lado. Cometi um crime: o de me "americanizar". Para um rapaz latino, isso é em si mesmo uma grossa bandalheira. Mas e daí? Romper com tudo que é sagrado para o intelectual médio da América Latina é um dever que me consagro a cada ultraje que me afasta da uniformidade.


Sinto muito mais liberdade, hoje em dia, em ambientes americanos do que em ambientes latinos. É uma pena. Além disso, os outros afastam-se de mim conforme veem que me interesso muito mais pelo o que ocorre lá do que aqui. Quando vi o debate deles, vi que era formidavelmente mais interessante e com gente inteligente e bem capacitada de ambos os lados. Hoje em dia não posso fazer mais nada. Tornei-me estranho em minha própria terra.


Voltemos a análise do documento. Esse documento foi escrito pela "The Claremont Institute". Para quem não está habituado ao debate americano, essa é uma instituição conservadora. O que eu quero entender aqui é: por qual razão o debate americano sempre volta a um constitucionalismo declaradamente conservador e um dos propósitos do Project 2025 é retornar ao constitucionalismo original? A questão que será tratada aqui é a intencionalidade primária dos Pais Fundadores (de uma matriz de pensamento bastante delineada por um momento histórico) e da intencionalidade da "Progressive Era" que tenta, de algum modo, refundar os Estados Unidos sobre bases que são estranhas aos fundamentos da política e do espírito americano.


Os Estados Unidos foram fundados na base do liberalismo e dos direitos negativos. Na interpretação dos assim chamados direitos naturais. O que querem é uma reinterpretação dos Estados Unidos a partir de uma perspectiva progressista que está muito longe da intencionalidade que fundou os Estados Unidos. Essa reinterpretação e alteração são conflitantes com a origem americana e é por essa razão que os Estados Unidos estão agonizando existencialmente. Toda a luta moderna dos Estados Unidos categoriza-se pela ideia do que é a identidade americana e como modernizar esse país para o tempo presente segundo as condições modernas.


A questão que surge para quem analisa o drama americano é a seguinte: se os Estados Unidos foram fundados sobre a tese duma natureza humana imutável, de direitos naturais que precedem até mesmo a existência do governo, dum constitucionalismo que restringe o poder do governo, dum federalismo que descentraliza o poder governamental, da separação dos poderes e da primazia da individualidade, como ele pode virar o exato oposto disso tudo e continuar se intitulando americano? A tese atual é que o governo deve produzir igualdade de condições, que juízes podem legislar e fazer parte do executivo por uma série de anomalias, que agências reguladoras com pessoas não eleitas podem tomar parte do poder para si, que o coletivismo está acima da individualidade, que a natureza humana está a alicerçada sobre bases históricas e mutáveis — cabendo a sociedade criar as condições disso —, além de tantas outras questões. Não estou dizendo que concordo e discordo com nenhum dos lados, apenas estou apresentando a seguinte dúvida:

— Os Estados Unidos devem voltar a ser o que eram? Os Estados Unidos devem ser refundados? Os Estados Unidos devem mesclar a visão original com a visão da Progressive Era?