Acabo de ler "Sobre o Desapego" do Mestre Eckhart.
Esse livro só ressalta um ponto teológico que já tinha em mente há algum tempo: Fé é Desordem, ao menos inicialmente.
O mais incrível desse livro é que ele faz o seu discurso teológico elencando não a humildade como principal virtude, mas o desapego. O autor realmente defende o desapego acima da humildade e até mesmo do amor. A forma com que faz isso é genial e brilhante.
Se Deus é infinito e absoluto, nada pode retê-le. Se nada pode retê-lo, e o homem tem como objetivo principal de vida reter o seu Criador, então ele deve adquirir partículas de Deus. Só que aí vem o problema: se Deus é infinito, se Deus é tudo, tal abertura não é uma abertura que se faça momentaneamente: aquele que quer abraçar a Deus, deve abrir-se infinitamente. Daí vem a natureza desordenada do estudo teológico: aquele que quer a Deus, deve buscá-lo eternamente. O estudo teológico abarca o absoluto por querer abarcar a tudo e só pode abarcar a tudo aquele que se abre a tudo.
Para o estudo teológico, não há contingencialidade adequável, já que o ser deve se abrir ao ser que lhe que é inabarcável. É próprio do diálogo com Deus ser o diálogo com o Outro, já que Deus é o Outro em absoluto: a convivência com Deus é, em si, abertura permanente para esse Outro que é o Outro absolutamente. É incrível que tal percepção encontrava-se na obra de Gustavo Corção ("A Descoberta do Outro").
Sei que alguém dirá: "como a fé é desordem se o fim da fé é a ordenação da alma?". A alma ordena-se na medida em que abarca o infinito, logo o primeiro impulso da fé não é o universo já inteligível, mas aquilo que se deve inteligibilizar. O que marca a fé é a desestruturação do pensamento pela abertura epistêmica que, em primeiro lugar, causa desordem e só depois causa uma adequação ordenadora que deixa o ser, enfim, aliviado momentaneamente. É o desapego, seja a nível doutrinal ou em qualquer outra instância, que abre o ser ao absoluto. Fé é desordem e só a contínua abertura desordenada pode ordenar o homem.
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