terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Marcha pela Inglória



Sempre andei de coturno. Faço-o há anos. Para mim, tem múltiplas significações. Ele é:

1. A opressão da sociedade e a idolatria social;

2. O fato de eu nunca ter parado de marchar e minha força de vontade;

3. A necessidade imperativa de continuar existindo, mesmo que as vezes só como um cadáver minimal. 


Qualquer grande filósofo buscava uma síntese e uma capacidade de absorção que compreendesse a engenhosidade da multiplicidade do discurso fragmentário. Isto é, o aumento da inteligência nada mais é do que a capacidade sintética que ele tem para com a realidade, sempre ultrapassando as linhas que lhe eram outroramente delimitantes. Porém esse exercício sempre corre o risco de perder-se, visto que ser em parte é tornar-se. As ideias tornam-se crenças, crenças tornam-se afetos, afetos tornam-se cegueira. Grande parte disso leva a um comportamento de seita, em que o enraizamento é visceral e a defesa é belicosa.


O exercício de buscar absorver múltiplas fontes da realidade, a qual chamei de "agnosticismo metodológico", é um exercício intelectual e catedrático por excelência. Esse exercício aumenta a experiência intelectual, só que não a aumenta de modo determinante. A fragmentariedade do discurso, junto com a incapacidade da reprodução desse discurso de modo pleno, torna o exercício intelectual da engenharia mental reversa insatisfatório. Embora essa seja a própria forma que a inteligência aumenta sem nunca captar em concretude seu alvo. A intelectualidade é sempre vã e sempre se perde na forma, porém seu objetivo não tem forma alguma.


A pergunta que não quer calar:

- Quem está tentando fazer isso no Brasil?

A resposta evidente seria: ninguém ou ninguém que se tenha conhecimento.


Enquanto estudava e criava meu método central, minha técnica intelectual mais potente e original, a qual chamo de neossistemática arquitetônica, deparei-me com minha própria impotência. O objetivo da neossistemática arquitetônica está muito além da neossistemática usual. Ela tem por objetivo pegar vários sistemas de pensamento e sintetizá-los artisticamente num todo coeso. Técnica que usei em meu TCC, Sanidade em Chesterton, pegando pensadores cristãos de todos os portes. Porém aí estava já o seu principal problema: a técnica neossistemática requer uma erudição ímpar de seu usuário. Quanto maior for a sua erudição, maior é a capacidade de usá-la. Não por acaso busco hoje uma dieta intelectual variada que dê a possibilidade de usar essa técnica com maior maestria.


Para Marx, por exemplo, o socialismo era superior ao capitalismo por ser uma síntese mais cabal que o próprio capitalismo. O socialismo seria a superação do capitalismo, não um sistema meramente diferente do capitalismo. Esse dado de fundamental importância poderia dar o entendimento do socialismo de mercado chinês, que mescla vários fenômenos distintos que confundem pessoas vulgares a quais chamamos de ideólogos. Esses preferem buscar validar suas premissas inquestionáveis e psiquicamente inquebrantáveis. Um exemplo claro disso é: já li um autor liberal que analisava o regime de Stalin, na falecida URSS, e dizia que todo crescimento dela se justificava única e exclusivamente graças ao mercado noutro; já li autores "comunistas" que diziam que o sucesso se dava apesar do mercado negro e graças ao planejamento estatal. A frase "não importa se o gato é branco ou preto, o que importa é que ele pegue o rato" é uma frase fantástica e sintetizadora, superadora do ruído dogmático das seitas ideológicas.


A China atual tem vários aspectos. Um deles é a união entre o marxismo e a doutrina de Confúcio. Isto é, a China poderia ser a união entre o aspecto marxista-progressista com o aspecto confuciano-tradicionalista-conservador. Sendo assim, a China não pode ser encarada como um país unicamente afetado pela mentalidade marxista. Há uma questão sintética nesse conjunto, porém esse é muito maior do que aquilo que sou capaz de analisar graças ao meu desconhecimento no assunto. Embora eu sempre passe um tempo lendo sobre a China.


A ideia sintetizadora, omniabarcância da inteligência, a capacidade transcendente para com àquilo que se delimita/determina. Tudo isso é o que se constitui uma civilização de fato. Civilizar-se é compreender como tudo que está ao nosso redor se faz. O exercício civilizacional é o exercício da própria inteligência. A civilização é o aumento da capacidade da própria civilização se compreender. E dessa compreensão multifatorial há o aspecto de antecipação que possibilita seu próprio progresso intelectual ou material. Ora, a inteligência só aumenta quando se cala. Já que inteligência é, evidentemente, percepção. Não estou dizendo que tenho essa faculdade, é precisamente o contrário: a inteligência é uma virtude negativa. No momento que se abriu, engoliu um dado. Esse dado torna-se razão. Quando a inteligência torna-se razão, não é mais inteligência. Temos a inteligência quando estamos praticando a inteligência, logo "estamos", não somos. Também sou condicionado pelos aspectos satúrnicos de crenças passadas que impossibilitam o aumento de minha inteligência, embora eu tente superá-los. Toda vez que reajo agressivamente e rápido, sei que fui rude e burro. Sei que minha vontade devorou meu pensar.


A grande problemática é que o intelectual moderno confunde razão com inteligência. Na verdade, a razão é apenas uma faculdade inferior. A razão é a aplicação daquilo que a inteligência já captou. Isto é, a razão é o horizonte que é possível no momento. A inteligência é o aumento dessa próprio horizonte. O objetivo da inteligência não é o próprio gosto ou crença, é a absorção universal. A inteligência não tem forma, antes modifica todas as formas. Quando a inteligência aumenta, a própria faculdade da razão aumenta. A razão aplica a inteligência que se tem. A inteligência aumento conhecimento que se tem. Para se tornar mais racional, é-se necessário se tornar mais inteligente. Já que a razão subordina-se a inteligência, visto que essa é faculdade dessa.


Mario Ferreira dos Santos falava que uma civilização que sempre busca transcender os fatores que lhe eram limitantes. Em vez disso, o brasileiro médio e a elite do Brasil acreditaram piamente que superaram todas as realidades antecessoras apenas as olhando com um ar de arrogância desmedida. "Minha ideia veio depois, logo é melhor". Dizem que, como vieram posteriormente, já apresentam um aspecto superior e sintetizador do que anteriormente se era. Porém a verdade é que a história não é um processo que se reduz numa linha direta, o processo histórico é pluricircular e expansivo - uma teoria histórica que tardarei muito a desenvolver e nem sei se estarei vivo para dar a ela aspectos caminhantes para pesquisadores posteriores. Tratam-se de vários círculos que se expandem. E esses círculos geram novos círculos que usualmente usam outros círculos e crescem ao lado dos círculos antecessores e posteriores. Exemplarmente: o catolicismo não se tornou luteranismo. O cristianismo nasceu dum círculo que se dividiu em vários que, mesmo ligados com traços em comum, trazem um desenvolvimento próprio e de características diferentes. Estão desenvolvendo-se e aprimorando-se. Disso que se trata minha teoria histórica. E a principal crítica é: o imperativo histórico-categórico - de que certas ideias aparecem como sínteses absolutas e superadoras das outras - é falsa. Porém isso se trata de outro livro que espero um dia ter o prazer de lançar.


A ideia de agnosticismo metodológico surgiu no momento em que tentava compreender o paradoxo da prisão de Chesterton. Nela encontrei a epistemologia chestertoniana, trabalho esse que um dia também terei de dar forma. O paradoxo da prisão, tal como tudo em Chesterton, requer uma síntese. O próprio livro Ortodoxia, que pode ser interpretado sobre o viés da saúde mental, é uma grande síntese entre vários dados dispersos que criam forma de corpo estrutural quando conjuntados. A saída da prisão não é uma mudança de local, mas a acoplação de infinitos novos locais para que a prisão deixe de ser uma prisão. Não se trata de ser marxista ou conservador, trata-se de ser os dois. E depois disso: três, quatro, cinco, seis, sete. Em certo sentido, essa dialética chestertoniana, essa epistemologia sintética se encontra em mim mesmo que eu não possa me dizer cristão. E queria um dia escrever mais sobre isso, num livro detalhado, espero que encontre tempo.


Quanto a questão do abarcar o universal pela delimitância-indelimitada, essa é uma questão de profundo valor para mim. Já devem notar que, pelo rumo da conversa, ele não é simples de se resolver e traz uma luta eterna em seu seio. Buscar acolher e sintetizar diferentes movimentos dentro de si é muito bom e traz um grande problema. O grande problema disso é que: religiões, ideologias, doutrinas e métodos não podem ser inteiramente abarcados e superados - a teoria pluricircular e expansiva da história trará mais luz a esse problema profundamente epistemológico. Tudo está num processo evolutivo próprio, dialogante ou nascente. A descoberta do videogame não matou a arte e a computação, embora tenha nascido, em parte, dessas duas. Compreender a multicirculariedade e expansividade não é achar um jeito de a tudo sintetizar. Todos esses círculos estão em processo evolutivo e sempre demonstram-se capazes de transcender o que anteriormente eram - isso se reflete igualmente no próprio tradicionalismo religioso. Além de que a informação dos vários componentes é tão fragmentária que se é impossível absorvê-las sem uma postura radicalmente eruditiva, e mesmo numa abertura radical se é impossível capturar todas as informações e subjetividades que a compõem. Schuon não errou a dizer que existe um componente especial na religião, que é a própria busca pelo universal. Embora essa busca universal se concretize num objeto particular que redireciona ao universal. Essa busca é o abstrato por absoluto. Deus nada mais é, compreendendo aqui como um fenômeno puramente psíquico, que uma crença metodológica para relativizar dada situação e ir além dela - a superação das adversidades que presentemente se apresentam. Não estou aqui para apontar a superioridade ou inferioridade desses círculos. As ideologias não comportam tal capacidade, um verdadeiro exercício intelectual requereria uma busca tão abstrata quanto a  própria busca religiosa. Só que ao buscar o universal, a própria ideologia se perdeu. Já que ideologias são fórmulas que retiram o peso monumental que é a tensão psíquica do ser frente a universalidade esmagadora que é o próprio universo que não pode abarcar. Graças a isso, o comportamento ideológico tem como método a redução da realidade a uma parcela que lhe é verdadeira, conquanto que não absoluta. Disso o comportamento ideológico pegará um dado (raça, classe, nação, gênero, qualquer parcialismo) e aplicá-lo-á até a exaustão. Dessa forma, veem o universo com uma lente reduzida que tira grande parte de sua complexidade e, de tal modo, tornam-o mais falsamente inteligível. Essa segurança confere a mente um grande relaxamento, que é também razão central do academicismo moderno. É graças a isso que acadêmicos vulgares dão show de vergonha alheia ao repetir tautologicamente termos mais do que batidos achando que estão acima de qualquer compreensão ao povão e aos seus rivais.


Em vez de se dar por vencido, um gigante do pensamento busca apreender tudo e apreender infinitamente. Saber-se limitado e que nunca corresponderá ao esforço que se entregou é uma loucura. Numa postura de humildade que beira ao extremismo mais fanático, porém possibilitadora duma real mudança paradigmática e, igualmente, de capacidade inovativa real. Visto que a síntese é o exercício supremo da inteligência. Esse será meu doutorado: "A Condução do Inconsciente como Metodologia Epistemológica das Ciências Humanas". Em que defenderia uma ideia mais ou menos artística de se pensar as ciências humanas, recorrendo muitas vezes ao acaso para a superação dos fatores condicionadores. O que me é hoje, na altura que me encontro, tarefa por demasiado difícil.


Um homem será glorificado por dominar múltiplas línguas. Só que não será glorificado por dominar múltiplas ideologias, doutrinas ou religiões. Isso cria uma grande problemática na capacidade de pensar e reduz em muito a qualidade e conteúdo do próprio pensamento.  Esse é o drama central da mentalidade ideológica, que propõe dogmas de pensamento como realidade última e premissas inquestionáveis, voltando a própria teologização do debate que lutou contra, porém aderiu inconscientemente. O tema que quero tratar em múltiplas obras para maior concretude. Um deles no âmbito da teologia política em que falarei do fenômeno da demiurgação do homem. Queria ilustrar mais a questão da teologização inconsciente, a raiz antropoteísta do problema e a superação dessa não por um retorno ao campo religioso, mas uma abertura ao absoluto e aceitação da própria contextualidade, porém sempre alcançando vôos mais coesos pela busca da superação das contingencilidades que regem o pensar.


Um verdadeiro intelectual não é aquele que é de esquerda, direita ou centro. É aquele que absorveu tudo isso - embora tal absorver nunca se concretize de fato. Porém não só isso: é aquele que busca a delimitância ilimitada, isto é, o delimitar-se por aquilo que não pode delimitar. É abertura ao absoluto enquanto absoluto. Um esforço supremo e catedrático em que há um espaço para a apreensão do "céu inabarcável". A capacidade de aceitar e, com isso, produzir não um relativismo niilista que se vê impotente. Nem um relativismo sincrético e desordenado, com partes que não são coesas entre si. Mas sim um relativismo sintético e simbólico, num parcimonioso devir em que a conexão com o próprio mundo aumenta conforme a integração da mente-mundo aumenta. O verdadeiro intelectual está para aquém de todas as coisas, de todas as ideias, de todas as contingências do mundo pré-inteligíveis. Ele é um homem neossistemático, visto que cria um novo sistema. E é um homem neossistemagógico, visto que se conduz não por uma estrutura já montada, conduz-se pela criação pautada na erudição absoluta. A minha técnica central, minha assinatura intelectual, a neossistemática fala sobre isso. O que resultaria mais num sistema de pensamento que funciona como um Linux, em que vários usuários ajudam criando componentes que elevam a qualidade do sistema.


Poderia falar que o método neossistemático é a superação do método mineral, forma predecessora que usava enquanto ainda era channer. Seria melhor dizer, hoje, que o método neossistemático é a continuação necessária do método mineral. Porém há a forma mais cabal que o neossistemático arquitetônico, em que usamos toda nossa intelectualidade numa única obra. E por falar em chans, falta ainda um livro que termine a saga de livros sobre chans, na qual eu falarei da Hipótese Feudal e a origem da nova direita (altright - direita alternativa). Pretendo começar a escrever esse livro daqui a cinco anos. Até lá eu (acho) que vou ter me apoderado do trivium e do quadrivium, além de outras áreas que quero ter um conhecimento mais notório. Pretendo demonstrar um pouco da teoria pluricircular e expansiva da história de forma apequenada, demonstrando a história dos chans nacionais nessa obra. Esse livro terminará a fase 2.


- Arco 1: Sapo Lunático

Manifesto Mineral ao Sage é Super Like;

(Livros experimentais em locais fechados de público restrito)

Arco 2: Batalha da Serpente

Termina no Harmonia da Dissonância (obra em que darei minha última contribuição ao estudo dos chans);

(Aqui haverá uma revisão de vários erros das obras predecessoras e adição de novo conteúdo);

Arco 3: Príncipe Pirata Palhaço

- Cartas de Missionários Burguês a um Ditador Puritano;

- O Imperialismo Acadêmico e o Fim da Inteligência;

- Obras do Apocalipse;

- A Demiurgação do Homem.

(Foco na desconstrução niilidionisíaca do discurso, não sei quando chegarei nela, talvez mais cedo, talvez mais tarde)


Os arcos terminam no número sete. Porém o arco sete terá três livros que espero lançar ainda vivo. E um quarto que será póstumo, este sintetizará absolutamente tudo. O objetivo da obra é criar uma catedral conexa em que tudo fará sentido.


É óbvio que não poderia dizer aqui tudo que é ou não é. Tudo que almejo, visto que são várias coisas:

- Construção e Aprimoramento da Neossistemática;

- Explicações mais detalhadas de termos como "coletivo-normativo", "inversão ritualística", "princípio da intimidação-excitação", "abraço satúrnico", "epistemologia simbólica", "epistemologia chestertoniana", "fascismo/nazismo como respostas doentias ao mundo líquido", etc;

- Uma série de obras literárias;

- Microlinguística para compreensão de autores e para tratamento psíquico;

- Meditação Ouroboros;

- Desconstrução niilidionisíaca do discurso;

- Condução Inconsciente como método intelectual;

- Etc.


É uma longuíssima batalha pela frente. Porém na busca pela universalidade real, transcendência absoluta, o saber adentrar no não-saber, num exercício de douta ignorância - termo paradoxal, porém o paradoxo é a condição do real -, superando a contigencialidade que o contextualiza espaço-temporalmente. Métodos são mais importantes que fórmulas, já que fórmulas são aplicadas a uma realidade líquida que sempre nos escapa. O método deve visar o universal e apreensão do universal relativiza toda e qualquer crença, visto que o aumento do horizonte de consciência supera as formas delimitantes da razão. A razão é forma, a inteligência é informe. Ela é informe pois, quando adquirida, modifica as formas (razão). Informe também o é por ser absoluta, e a captação do absoluto é objetivo da delimitância-indelimitada, onde vontade e inteligência já se harmonizam (mesmo que só efemeramente).


De qualquer modo, é um gigantesco esforço. Ninguém busca isso no Brasil. É sempre a baboseira de gente que repete clichês mentais como fórmula de onissapiência - drama esse falado nos aspectos coletivos-normativos que regem o pensar ideológico, nas quais tinha tratado em textos anteriores. A inteligência é uma virtude. Só que a própria inteligência é uma virtude negativa, está sempre para além de si e sempre busca o que está fora de si. A inteligência é a destruição de si mesmo, para a absorção do outro, para o aumento de si mesmo, para o estar além de si mesmo. Ser em parte é tornar-se. Porém aquele que visa o absoluto, condiciona-se para absolutizar-se. Esse exercício eterno, penoso, que sempre que alcança se perde, é o rumo inglório que ninguém está a altura de realizar ao todo. Só que quem não o faz, igualmente não capaz de ser um autêntico intelectual. Não saberia dizer se isso é pretensioso, porém é o que propus a partir de minha interioridade. Só espero não morrer antes de tudo isso...

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