sábado, 14 de janeiro de 2023

Acabo de ler "Historia de la crisis argentina" de Mauricio Rojas (lido em espanhol)

 



Ainda sei pouco sobre a Argentina e também pouco da América Latina no geral. Todavia, conforme aumento meu conhecimento na língua espanhola e vou me apoderando da cultura hispânica, galgo pouco a pouco posições mais cabíveis de possíveis análises.


A Argentina é um país que muitos considerarão ingovernável. As suas crises denotam uma sociedade que não encontrou um caminho estável. Só que a pergunta que faço é: que sociedade latino-americana encontrou? Ler a história latino-americana é um caminho de profunda angústia e alto desejo de que haja, enfim, alguma esperança - por mais mínima que seja.


Um país caracterizado por uma liberalidade radical, com uma alta "dosagem" de migração e a esperança dum recanto de desenvolvimento civilizacional na América Latina - em competição direta com os Estados Unidos -, logo se defronta com uma onda populista e estatista com forte caráter nacionalista. De repente, engorda-se a máquina pública e a corrupção faz seu lanche na burocracia de compadrio.


Por fim, Perón é derrotado. Só que o mundo, e também a Argentina, se radicaliza. Uma contradição se flagra: esquerda e direita brigam entre si para que Perón as afague nas entranhas do poder. Mais tarde, pós sucessivas crises, vem-se o governo de Menem que tem como fim destruir o legado ultraburocrático peronista e instaurar uma economia de mercado dinâmica - e logo se vê suntuosos casos de corrupção após uma pequena onda esperançosa.


De qualquer forma, sonhemos com uma Argentina próspera e num caminho estável. Sonhemos, também, que essa estabilidade se dê na integridade territorial latino-americana. Temos que, no mínimo, almejar a civilização e fustigar a barbárie.

Acabo de ler "O Ateneu" de Raul Pompéia

 



Seria difícil precisar o quanto esse livro é belo em sua estilística. O leitor ou a leitora que se deparar com esse livro terá em mãos uns dos livros mais belos de toda a língua portuguesa, uma verdadeira obra prima em qualidade estilística.


O autor apresenta uma qualidade que foge muito do padrão, nessa obra temos uma experiência antebeatífica da experiência do encontro com o divino. Só que não é só na beleza que esse livro marca a sua presença, toda a sua descrição psicológica apresenta uma qualidade e um rigor descritivo que denotam uma capacidade de um exímio psicólogo, conhecedor profundo da alma humana.


A história se passa dentro do domínio do Ateneu, colégio interno com todas as pressões possíveis. O protagonista sofrerá nas mãos repressivas desse aparato educacional condicionador e tirânico. O livro é, igualmente, uma crítica a forma com que se dava o processo educacional.


Um leitor mais acostumado a uma leitura crítica ao modelo de educação de outrora verá, nesse livro, uma importante informação para compreender como essa se dava. A educação, em vez de ser um processo libertacional, nada mais era que um local de geração de todos os traumas possíveis.


Esse livro exigirá, do leitor, uma portentosa atenção para que ele não se perca. O leitor terá, ao fim da leitura, uma experiência artística, intelectual e cultural de primeiríssimo grau.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Acabo de ler "Los Fundamentos del Socialismo en Cuba" de Blas Roca (lido em espanhol)

 



Analisar Cuba é algo sempre difícil. Por isso, tomei alguns cuidados: como o livro foi escrito antes dos socialistas conquistarem o poder, deter-me-ei em analisar os argumentos do autor no tempo em que ele escreve e não entrar nos meandros da situação atual de Cuba.


No momento em que o autor escrevia esse livro, Cuba tinha uma economia alheia a si mesma. Seu desenvolvimento era mais pautado pelas necessidades de potências estrangeiras do que as necessidades de Cuba enquanto nação. O que, certamente, soou como uma independência parcial e não legitimamente soberana.


Outro ponto importante: o autor ressalta o caráter da luta antifascista e luta até mesmo pela implantação dum regime de alistamento militar obrigatório em Cuba, visto que a vitória terminaria na escravização da humanidade. Um ponto que me incomodou um pouco foi a forma com que o autor atacou o trotskismo como uma forma de inimigo da mentalidade socialista e dos trabalhadores, além de associá-lo aos inimigos. 


De qualquer forma, as análises do autor conduzem a uma unidade nacional que teria como base um regime de conciliação de classe - não se defendia a implantação imediata do socialismo -, o fim do racismo, o desenvolvimento dos camponeses, o fim da monocultura nos campos, melhores condições laborais e uma maior nacionalização econômica em Cuba. Pautas essas que são expostas a rigor na medida do possível.


Um ponto interessante é que o autor coloca Fulgencio Batista como homem de pautas progressistas e apoia efetivamente o seu poder. Esse ponto foge a curva das análises atuais que o caracterizam como ditador de extrema-direita.


Certamente um livro muitíssimo interessante que me ajudou não só a compreender mais a história de Cuba, como as relações que se traçavam antes de sua revolução socialista e a própria história da Segunda Guerra Mundial e a estratégia socialista durante esse período.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Acabo de ler "Stalin" de José Arrabal e José Carlos Estevão

 



Falar sobre Stalin é algo extremamente complexo e, igualmente, um caminho conturbado. Elogiá-lo é correr o risco de cair numa justificativa de seus crimes contra a humanidade. Não reconhecer seus méritos é adentrar numa postura maniqueísta que vê no mundo extremos opostos irreconciliáveis que geram uma mentalidade paranoica de uma cruzada do bem contra o mal.


Stalin é, certamente, uma figura notória. Alguns atribuindo a ele uma figura majestosa de estrategista e outros vendo-o como um homem presunçoso, medíocre e de ideias tortas. Seria ele, ao mesmo tempo, o homem com uma estatura política de inteligência maquiavélica que enganou a todos e um mediano que subornou o Estado soviético e grande parte da humanidade aos seus interesses e visões diminutas e provincianas? Os paralelos não batem.


De todo modo, Stalin ascendeu ao poder buscando cargos que, pela sua condição categoricamente administrativa, não interessaram aos outros bolcheviques - intelectuais abstratos em demasia para tal. Em meio a isso, seu poder aumentava sem que muitas vezes se notasse. Por outro lado, a ideia de que a sua participação é inferior não chega a ser uma perspectiva realista.


Condena-se a geopolítica stalinista e a ausência de uma visão mais aberta a uma dialogicidade descentralizada que ampliasse a capacidade de receptividade do conjunto estrutural. Entretanto também se fala da necessidade dum aparato repressivo que garantisse a permanência da revolução e a sobrevivência do próprio Estado soviético. Dessa contextualidade, surge uma casta burocrática que constitui uma classe privilegiada acima do proletariado e campesinato.


Qualquer julgamento que surge em meio a isso: a necessidade dum socialismo descentralizado e com trabalhadores livres que conduzem autonomamente a economia, a permanência da revolução, a necessidade de outras revoluções, etc. Gera uma série de dúvidas devido as mais voláteis especificidades que geram dúvidas permanentes quantos as possibilidades factíveis. Stalin permanecerá, de certo, uma terrível incógnita.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Acabo de ler "La lectura, otra revolución" de María Teresa Andruetto (lido em espanhol)

 


Uma das mais importantes escritoras da literatura infantil, María aqui nos dá pistas de toda a importância em que a literatura, chave para o entendimento do outro, se insere. E, certamente, um livro fascinante para quem é apaixonado pela literatura e, não só ela, pela profundidade da vida em si.


A leitora, por diversas vezes, exalta as benesses da educação pública que lhe foi dada gratuitamente pelo Estado argentino. Sem isso, não seria essa mulher que mudou e salvou almas pelo compromisso sólido com a formação cultural de diversas pessoas. E isso não é um exagero ou mera propaganda política.


Nesse livro, aprendemos a importância de livros difíceis e a necessidade da formação de bons leitores. Além de que a literatura é um acesso ao outro e um ponto de encontro que permite uma maior dialogicidade e proximidade para com o próximo. Ataca aquilo que chama de analfabetismo pragmático - leituras precarizadas elegidas simplesmente pela leitura pela leitura, que nada mais é que uma simplificação grosseira.


Por outro lado, também fala da leitura como um importante nivelador cultural e uma prática que dá acesso aos bens culturais. Logo a promoção da leitura é, igualmente, a promoção da igualdade de acesso ao capital cultural. Essa parte é extremamente importante, visto que os anos de ditadura levaram a um enfraquecimento da cultura literária argentina e o consumo cultural - que foi elitizado.


Recomendo muito a leitura do livro. Ele não é só uma espécie de ensaio sobre a literatura, é também da política, da história da Argentina e, incontestavelmente, da vida que autora levou.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Acabo de ler "Clarita se volvió Invisible" de Graciela Montes (lido em espanhol)

 



Li esse livro com o objetivo de exercitar a tradução, um exercício para aprender mais a língua espanhola. Mas devo confessar que, durante o exercício, gostei bastante dessa infantil, mas encantadora história.

A história se passa narrando as proezas duma garotinha chamada Clarita. Essa menina, bastante sapeca, tornou-se invisível e foi pela casa aprontando diversas confusões. Um enredo bastante simples, todavia recheado duma mágica que, em meu coração, achava-se oculta.

Lembrei-me, diversas vezes, do mundo diminuto e fantástico de minha tenra idade e da relação que nutria com meus pais. As reminiscências dum passado distante que ressurgia a cada página tornou a leitura muitíssimo agradável, proveitosa e deleitosa. Além de que, para minha surpresa, tornou-se mais e mais emocionante com o passar do tempo.

No fim, Clarita volta a ser visível. O afeto de sua mamãe lhe é mais importante do que o fantástico poder de se tornar invisível. O carinho supera, incrivelmente, a especificidade e singularidade de sua experiência com esses poderes tão estranhos e desejáveis. Nisso reside, precisamente, a qualidade da experiência humana que a autora tão fantasticamente transmite.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Acabo de ler "Breve Historia de la Argentina" de José Luis Romero (lido em espanhol)

 



Quem diria que eu iniciaria um livro inteiramente em espanhol já no início de 2023? Pois é, e mais do que isso: analisar livros escritos em espanhol se tornará prática comum daqui em diante.


A Argentina desperta curiosidade por ser, aparentemente, a nossa maior rival. Embora talvez eles vejam essa figura no Chile. Sua história é bastante assemelhada com a nossa: um país que foi colonizado e teve seu desenvolvimento voltado a sua própria exploração, um país que vivenciou uma série de golpes e rupturas institucionais, um país que sofreu nas garras de tiranetes que tinham por fim a dominação política e territorial.


Se seu desenvolvimento se deu em razão de sua própria condição exploratória, as ideias liberais que pipocavam na Europa lhe trouxeram uma visão problematizadora de sua relação com a sua "dona". Conflitos sociais se acentuaram em seu seio na medida em que os tradicionalistas - usualmente ligados ao regime espanhol por privilégios - conflitavam com aqueles que sonhavam com a sua pátria liberta.


Mesmo após a sua libertação, a unidade de sua nação foi posta em cheque várias vezes por caudilhos que queriam preservar seus domínios territoriais. Também havia a questão de Buenos Aires que relutou por muito tempo se integrar com o restante do país. Quanto menos um território era ilustrado, mais resistente demonstrava-se para com mudanças essenciais.


Outra questão que lhe marcou é a forma como Perón conduziu o poder e gerou um importante legado político - que até hoje a marca - e a forma com que ela mudou alternativamente entre o liberalismo e o nacionalismo. Assemelhando-se a típica instabilidade latino-americana.


Sem dúvidas, um livro fantástico e que marcarei em meu coração pela beleza de sua história e, igualmente, por ter sido o primeiro livro que li em espanhol.