sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "José Mujica - La Revolución Tranquila" de Mauricio Rabuffetti (lido em espanhol)

 



A vida de Mujica teria tudo para ser um filme hollywoodiano - façanhas não faltam para colorir o cenário. Guerrilheiro no passado, integrou o corpo de um dos movimentos revolucionários mais notórios de toda a América Latina. Posteriormente, renegando as velhas aspirações revolucionárias, tornou-se um dos mais proeminentes presidentes da América Latina no século XXI.


Embora se possa afirmar que o seu governo foi internamente tíbio e sem grandes proezas. Suas realizações no âmbito internacional renderam uma maior qualificação do Uruguai enquanto nação. Além de que, Mujica, trouxe importantes reformas que deram uma cara mais moderna ao Uruguai e o inseriram no campo das nações mais prestigiosas dentro do cenário dos direitos individuais.


As principais reformas de Mujica são: legalização da maconha - pautada num controle estatal -; legalização do aborto; e, por fim, o chamado casamento igualitário (entre pessoas do mesmo sexo). Reformas essas mais sociais, morais ou culturais do que econômicas. Porém de notória importância, visto que tal problemática segue ainda forte no restante da América Latina.


Seu governo, destacado sobretudo internacionalmente, trouxe importantes reflexões sobre a mentalidade consumista e, diga-se de passagem, irracional do capitalismo moderno. Na sanha produção,  consumo e descarte, põe em risco o futuro do planeta e a própria possibilidade existencial da humanidade. Além disso, vemos uma defesa aprofundada e radical do valor da vida humana e seus respectivos direitos.


No fim, somos apresentados a um governo que internamente logrou pouco e externamente foi muito bem qualificado. Talvez Mujica tenha sido um visionário mal compreendido. De qualquer forma, a força de sua personalidade e a simplicidade de sua vida estóica proporcionam uma importante reflexão moral e servem de base para mudanças estruturais políticas, econômicas e culturais.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Porfirio Diaz y su Obra" (lido em espanhol)

 



Essa estranha obra que me chegou ao acaso é, em muitos pontos, bem assemelhantada com uma hagiografia e, em alguns pontos, traz potentes informações históricas que, todavia, não adquirem o rigor preciso pela sanha de deificar a figura de Porfirio Diaz.


Não saberia dizer em que ponto as informações mentem, em que pontos exageram, em que ponto são verídicas. A imaginem que tenho, como homem do século XXI, não é a de uma beatitude messiânica sobre a assombrosa imagem ditatorial de Porfirio Diaz. Se essa obra foi criada pelo próprio Estado como propaganda cultural para manter uma imagem de bom moço de Porfirio, não o sei. Se for um item privado, a(s) pessoa(s) que criaram sofrem dalgum problema de fanatismo político histérico.


De qualquer forma, neste livro somos coroados com uma projeção imagética de Porfirio Diaz como um estadista insuperável. Um homem indumentado pela virtude e despido de pecados. Todos os atos dele adquirem um tom de milagrosos, como que a realização profética dum semideus apoiado pelo próprio Olimpo para o cumprimento de sua divina vontade.


Curiosamente, além de dar ares santarrões ao ilustríssimo Porfirio, deu-se também aos seus familiares. Porfirio é, neste livro, colocado de forma aterradora e sistemática como um messias em todos os mais diversos campos possíveis. Não só isso, sua figura é tão grandiloquente que deve ser copiosamente macaqueada por todos os mexicanos - e, quiçá, por todos os homens da Terra.


Críticas à parte, o livro traz uma importante documentação da imagem que o povo mexicano hipoteticamente tinha de Porfirio Diaz. Além de dados biográficos que, se bem entendidos, dão o enredo que explica como este homem chegou ao poder. É esclarecedor também dizer que não pode ser uma total falsificação da história, mas igualmente não é um documento de todo verdadeiro devido ao alto padrão apologético que se encerra dentro desta tão equidistante mensagem para cidadãos de meu século - na qual, evidentemente, incluo-me.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Soda Stereo - La Biografia Total" de Marcelo Fernández Bitar (lido em espanhol)



"Un hombre alado extraña la tierra"


Se há uma banda que confessadamente elevou o rock latino americano a outro patamar: esta foi Soda Stereo. Batendo até recordes internacionais, foi a banda com mais amplo legado sonoro da América Latina. Com sonoridade original e sem medo de um experimentalismo, os integrantes venceram e ascenderam com manobras arriscadas.


O livro vai desde o ponto em que os integrantes arriscavam-se para seguir a carreira musical - que trouxe sacrifícios - até o ponto em que estavam fartos do peso do próprio sucesso. O processo turbulento em que cada integrante da banda não aguentava mais olhar na cara do outro, como uma espécie de divorciados ressentidos.


Há nesse livro a história de construção de todos os álbuns. A vida pessoal de cada um vai transcorrendo e implicações profissionais juntam-se com os mais diversos tipos de questões. O gerenciamento de conflitos aumentava enquanto o próprio sucesso subia em escala meteórica.


É bom ver que antes do término da banda, o trio argentino fez de tudo para burlar a saturação. Só que a perseguição contínua da mídia e dos fãs, os shows consecutivos, novos horizontes artísticos que se chocavam e a vida adulta que se desenvolvia cada vez mais impediu a solução.


O legal é que, no final, mesmo que já não seriam os mesmos, seguiram firme com a última turnê. Reuniram-se equidistantes, porém unidos. Uma pena que Gustavo Cerati morreu cedo demais devido a um AVC. Um livro marcante e recomendável para todos aqueles que amam rock.

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "La Edad Media" de Jose Luis Romero (lido em espanhol)

 



Escrever sobre a Idade Média, sobretudo num país tão atrasado em conhecimentos históricos medievalistas como o Brasil, é uma tarefa um tanto quanto ingrata e que possibilita toda uma série de margem para más interpretações e birras geradas após anos de distorções ou má interpretações históricas.


Deve-se pontuar que:

1. Grande parte da interpretação histórica medievalista surge dum período que sucedeu logo após ela e, muitas vezes, com caráter notoriamente negativista sobre todos os seus mais diversos aspectos;

2. Uma nova interpretação acerca da Idade Média vem surgido com uma revisão bibliográfica e dos mais diversos  documentos, todavia é recente e não foi acoplado ao conhecimento acadêmico comum;

3. Parte da história da Idade Média se perde pois o foco eurocêntrico impede uma olhar mais sistemático;

4. Grande parte do mito de "Idade das Trevas" impede um olhar mais atento a esse período que, diga-se de passagem, foram três e não um.


O livro traz uma análise sobre os três períodos medievais. Tratando da dissolução do Império Romano, a forma com que o cristianismo impactou as mudanças do mundo e como o papado tentou recorrentemente reestabelecer um Império - a qual poderíamos chamar de Cristandade. As lutas recorrentes também buscavam cristianizar a cultura e manter o legado civilizacional romano.


Fora isso, vemos o desenvolvimento conflituoso entre muçulmanos e cristãos - e como Mohammed unificou seu povo e, consequentemente, possibilitou seu desenvolvimento. O desenvolvimento da burguesia enquanto classe e como a fragmentariedade territorial causada pela nobreza levou monarcas a fortalecerem a classe burguesa também é tratado aqui.


Esse livro é, mesmo que curto, bastante abarcante das problematicidades que apareciam na época e tenta, em seu curto espaço, apresentar uma exposição metódica da situação. Vale a pena ler.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Modelo Argentino para El Proyecto Nacional" de Juan D. Perón (lido em espanhol)




Pensar e estruturar o que um país deve cumprir para sanar seus problemas estruturais e adequar-se as novas regras globais que cobram uma postura determinada em seu agir é uma tarefa de difícil empreitada. Ainda mais quando o modelo político está sujeito a análise da população e aos olhos das outras nações do mundo.


Para este fim, Juan Domingos Perón trouxe um importante documento em que elenca diversos problemas e sugere, de modo bem global e consciencioso, resolucionar tais problemas. Não sem, é claro, trazer consigo mecanismos mergulhados na mais profunda dialogicidade das partes políticas que compõem a Argentina. O documento não visa um governo composto por elites, mas a unidade de todos os grupos que lá estão. Um verdadeiro governo que intercala conciliação de classes e autêntica governança unitária para o prol do povo.


Juan fala acerca da necessidade de união, de sólidos compromissos com as pautas comuns e universais. Propõe uma governança global não baseada na intimidação, mas no reconhecimento de cada nação em igualdade, liberdade e autodeterminação. Além de reconhecer que, na altura do campeonato, que o mundo está cada vez mais conectado entre si e que devemos achar mecanismos de utilização responsável dos recursos.


Documento este que, graças a inteligência e síntese do autor, envelheceu muito bem e ainda traz respostas para o tempo presente. Uma pena que suas pautas não tenham sido consideradas com a tenacidade que deveriam.


Certamente se nota, ao fim da leitura, que Perón era um estadista de grande estatura e que, atualmente, faz falta não só na Argentina, como também no debate latino-americano e mundial.

sábado, 28 de janeiro de 2023

Acabo de ler "Breve Historia de la Revolución Mexicana" de Felipe Ávila e Pedro Salmerón (lido em espanhol)

 



Pouco tempo antes da enorme convulsão que tomou forma de revolução, Porfirio Díaz governava o México com mãos de ferro. A serviço das grandes elites nacionais, ignorava os grandes desajustes sociais que, mais cedo ou mais tarde, trariam enormes dificuldades na governabilidade do país.


Desde cedo, verificou-se um caráter acentuadamente campesino na revolução mexicana. O assalto das elites pelas terras gerou um processo traumático acumulativo através dos tempos e um desejo de justiça - que foi bastante ignorado. Desta conjuntura, surge um homem radicalmente democrata chamado Madero que clama aos homens por uma reforma. Sendo incapaz de aplicá-la, logo recorre à revolução. O próprio Madero, homem de forte amor à democracia, mas por demasiado tíbio em suas reformas, acabaria assassinado.


É difícil precisar as debilidades do México, um país que carecia de desenvolvimento e foi bastante invadido. Não só pela agressão estadunidense, mas igualmente francesa. A luta por sua real independência e autonomia se realizou em grande parte pelos anseios legítimos por igualdade, desenvolvimento, liberdade e paz. Nesta luta temos Zapata - que também seria assassinado.


Nesta luta contínua, cheia de golpes e traições, vingaram-se contradições que geravam mais conflitos. Questões religiosas, questões territoriais, questões econômicas, educacionais. Sucedem-se presidentes e golpistas num processo convulsional no qual perguntamos quando haverá estabilidade.


De qualquer modo, o estudo da Revolução Mexicana - mesmo que traída pelos sucessivos governos posteriores -, traz uma percepção diferente da América Latina. É difícil olhar para uma história tão sofrida e tão instável sem se chocar - e, em meu caso, chorar. Por outro lado, devemos continuar caminhando, mesmo que em angústia, pelo nosso sonho civilizacional.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Acabo de concluir o curso "Fundamentos da Psicologia Junguiana: Mitos de Criação e Origem da Consciência"

 



Nesta disciplina aprendemos muito sobre como se estrutura o pensamento de Jung e a relação do estudo da mitologia como auxílio fundamental para o entendimento dos processos psíquicos.


Jung foi um homem que, graças a uma série de fatores, teve brilhantes insights como intelectual. Capaz de navegar em vários campos (filosofia, medicina, psicologia, mitologia, religião, etc), teve uma obra de caráter altamente universal e sintético. Cada campo interagia com o outro, levando a uma unidade de pensamento fantástico.


Jung trouxe uma certa forma de revolução no campo da psicologia: com os estudos da cultura humana - bastante direcionada aos estudos da arte, religião e mitologia -, foi capaz de trazer uma nova luz ao que, devido as situações culturais e acadêmicas imperantes na época, ignorávamos. Todavia também graças a essa mesma empreitada, muitos hão de julgar Jung como uma espécie de misticista. Até mesmo Freud não foi capaz de compreendê-lo em sua totalidade, levando até a uma brusca ruptura.


Os entendimentos chaves da psicologia junguiana ajudam-nos na medida em que compreendemos com mais retidão a forma que seu sistema de pensamento é. Muito harmônico e coeso entre si, quanto mais se compreende os pormenores de seus pensamentos, mais se vê a capacidade de traduzir símbolos com a vida pessoal e, a partir disso, chegar a resoluções quanto as problematicidades que a vida traz. Este modo é, por sua vez, chamado de simbólico-analógico e une a cultura humana geral as condições contextuais de nossa subjetividade particular, uma verdadeira síntese em forma de terapia.


Certamente estes estudos não serão esquecidos por mim. Foram-me marcantes em demasia para ignorar. Todo um horizonte de ideias e compreensões apareceram diante desse conhecimento. Possivelmente esse foi e é um dos estudos que mais gostei e mais apaixonadamente me entreguei.