terça-feira, 30 de setembro de 2025
Acabo de ler "A UDN e o Udenismo" de Maria Victoria Benevides (Parte 5)
Acabo de ler "A UDN e o Udenismo" de Maria Victoria Benevides (Parte 4)
Pugna Legalis #3: Democracia
Demo = povo
Kratos = poder
O termo democracia significa poder do povo. O professor, Wallace Corbo, concentra-se na democracia que ressurgirá no século XVIII. Sistema que é predominante no mundo ocidental, onde as maiorias políticas governam e as minorias políticas exercem o seu papel de oposição. Em outras palavras, minorias conservam o seu direito.
A democracia como conceito jurídico: regra da maioria e proteção de direitos fundamentais das minorias.
Acontece que nenhum país hoje é efetivamente governado pela maioria dos cidadãos. Temos uma disputa eleitoral entre as elites em vez de um autogoverno. Alguns teóricos dirão que a democracia não é só voto, mas participação e deliberação. Na esfera pública, discutem-se temas e propõem-se ideias. Em forma de engajamento ou embate. Em outras palavras, democracia também é a possibilidade de deliberar, discutir e refletir.
Só que aí adentramos nas desigualdades e exclusão de grupos sociais. Isso impede o efetivo poder político e a garantia de direitos. É por isso que se fala da representatividade, ou seja, a presença de diferentes grupos sociais na tomada de decisão.
A Constituição Federal de 1988 traz três ferramentas.
1- Ferramenta: Voto Secreto, Universal e Periódico
Esse ocorre de dois em dois anos. A partir de um sistema proporcional, os partidos que recebem mais votos ganham mais cadeiras, os partidos que recebem menos votos ganham menos cadeiras.
Existe a proposta de um "Distritão" (Sistema Majoritário). Que resumidamente é um sistema que quem ganha mais votos, leva tudo; e quem ganha menos votos não leva nada. Nesse sistema, há a consagração das maiorias políticas e diminuição da representatividade.
2- Ferramenta: Democracia Semidireta
Cidadãos participam de uma parcela da elaboração das leis.
- Plebiscito: consulta se uma lei deve ser aprovada;
- Referendo: consulta depois da lei ser aprovada;
- Iniciativa popular de lei: quando a população mesma se mobiliza, como no caso da Lei Ficha Limpa.
3- Ferramenta: Democracia Participativa
Participação cidadã em conselhos e instituições. Como ocorre no SUS e na educação. Em outras palavras, existem canais para darem vazão a voz do povo.
A democracia brasileira sofre de desigualdades e falhas de representação. Para promover a maior representatividade, criou-se o financiamento de candidaturas de mulheres e negros, ambos em 30%. A aula terminou com o alerta de que se faz necessário um mobilização constante, abertura institucional do Estado e superação das desigualdades.
Acabo de ler "A UDN e o Udenismo" de Maria Victoria Benevides (Parte 3)
Livro:
A UDN e o Udenismo
Autora:
Maria Victoria Benevides
A UDN, já em seu início, marcou-se mais por um fusionismo tresloucado do que pela unidade ideológica ou, pura e simplesmente, por um movimento comum. Não é como se ela pudesse ser um partido de diferentes movimentos. Nesse ponto, senti-me tentado a citar a história do Partido Republicano, mas com a ascensão do Trump, a realidade já é meio distinta.
No começo da UDN já podemos ver alguns desmembramentos: PL, PR e PSP. De qualquer forma, a autora cita alguns grupos que compunham a UDN:
A) Membros das oligarquias destronadas a partir de 1930;
B) Os antigos aliados de Getúlio;
C) Os que participavam do Estado Novo;
D) Os liberais nos Estados;
E) As esquerdas.
Há uma breve nota da autora comentando que a esquerda nunca chegou a integrar organicamente a UDN. A chamada ED (esquerda democrática) não conseguiu formar uma aliança nacional. Naquele tempo, exigia-se dez mil assinaturas e presença em cinco estados. Já a UDN aceitou o pedido visto que queria apoio da esquerda para dissolver a imagem de conservadora. Naquele período, a UDN defendia a autonomia sindical e liberdade de greve. A ED, por outro lado, identificar-se-ia posteriormente com o Partido Socialista. Ela queria a transformação do regime capitalista e uma sociedade sem classes.
Acabo de ler "A UDN e o Udenismo" de Maria Victoria Benevides (Parte 2)
Livro:
A UDN e o Udenismo
Autora:
Maria Victoria Benevides
O surgimento do Partido da Eterna Vigilância é um momento histórico brasileiro. Ele surge contra o Estado Novo e contra o Getúlio Vargas. Sendo fundado no dia 7 de abril de 1945. Fato curioso, visto que o liberalismo brasileiro surgiu no dia 7 de abril de 1831. Daqui se verá a eterna dicotomia, com bastantes nuances e interpenetrações, entre liberalismo e conservadorismo que permeia a nossa história.
O primeiro candidato seria o Major-Brigadeiro Eduardo Gomes. A primeira pauta seria a luta contra a ditadura (ou o que restou dela). No entanto, as outras pautas eram:
1. Liberdade de imprensa e associação;
2. Anistia;
3. Restabelecimento da ordem jurídica;
4. Eleições livres;
5. Sufrágio universal.
Acabo de ler "A UDN e o Udenismo" de Maria Victoria Benevides (Parte 1)
segunda-feira, 29 de setembro de 2025
Acabo de ler "The Reagan Revolution" de Prudence Flowers (lido em Inglês/Parte 9)
Acabo de ler "Little Green Men" de Christopher Buckley (lido em Inglês)
Livro:
Little Green Men
Autor:
Christopher Buckley
Meses atrás, fiz a análise do livro "Thank You for Smoking". Hoje retorno com mais um livro de um dos mais brilhantes satiristas americanos: Christopher Buckley.
A obra de Christopher Buckley é muito conhecida por ser uma obra irrevogavelmente política e satírica. Mesmo que Christopher Buckley seja filho de William F. Buckley Jr., uma das maiores figuras do conservadorismo americano, a sua obra agrada democratas e republicanos. Para ser mais exato, nosso querido Christopher Buckley consegue destruir estereótipos, ser um crítico arguto seja de conservadores ou progressistas, sempre mantendo um humor que lhe consagrou como escritor.
Ler Christopher Buckley é mais do que buscar humor, é aprender a ir além do senso comum e compreender que o humor é uma boa forma de crítica social. É preciso lembrar daquele velho ditado em latim: "castigat ridendo mores", que quer dizer que podemos corrigir os costumes rindo deles. Quando se trata da política americana, Christopher Buckley demonstra que essa forma não é só verdadeiro, como também pode ser brilhante.
Como esse livro é uma novela, e eu sigo a política de comentar muito para não dar spoilers, darei um breve resumo do "plot inicial". O livro trata da figura de John Oliver Banion, um homem que cuida de um show e vive uma vida extremamente interessante. Tudo muda quando ele é abduzido por alienígenas. A partir disso, ele começa a demandar que o Congresso e a Casa Branca comecem a investigar a existência de seres extraterrestres.
Confesso que amo uma estranheza, mas ver todo o deslocamento social que sofreu o nosso personagem central foi, de certa forma, psicologicamente angustiante. O livro não trata só a sátira política de maneira densa, como traduz muito a questão da marginalização social provinda do afastamento natural que as pessoas têm quando consideram alguém estranho. Além disso, o livro traz uma percepção muito densa dos jogos de percepção que a sociedade tem e trabalha bem a questão da autoimagem.
Como sou um indivíduo pra lá de estranho, confesso que a leitura foi extremamente interessante. Fiquei curioso sobre como são as comunidades de ufologia (investigadores ou especialistas em alienígenas) e como a sociedade vê essas pessoas. Lembrei-me até mesmo do Tom DeLonge que se afastou da banda Blink 182 para investigar a existência de vida extraterrestre.
Little Green Men é um livro impressionante, engraçadíssimo, com uma sátira avassaladora. É uma pena que nosso queridíssimo Christopher Buckley é pouco conhecido por aqui. Espero que essa análise aproxime as pessoas da sua obra.
Acabo de ler "The Reagan Revolution" de Prudence Flowers (lido em Inglês/Parte 8)
domingo, 28 de setembro de 2025
Acabo de ler "The Reagan Revolution" de Prudence Flowers (lido em Inglês/Parte 7)
Livro:
The Reagan Revolution
Autora:
Prudence Flowers
A briga entre republicanos moderados e republicanos de tendências mais tradicionalistas no âmbito moral continuou. As imagens de Reagan foram se mesclando entre mito, memória, mídia e política. George H. W. Bush, vice de Reagan, foi encarado como alguém que não se converteu o suficiente para as visões de Reagan. Questionaram se ele seria uma continuidade ou uma disrupção. Além disso, a eleição começou a apresentar a disparidade de gênero e raça nas escolhas políticas.
Depois de sair da Casa Branca, houve a publicação do "Speaking My Mind" que tinha uma coletânea de falas do Ronald Reagan e "An American Life" que tratava mais propriamente do Reagan em si. Reagan foi construindo um imaginário não partidário, o de um líder visionário que reestabeleceu os Estados Unidos. Ele chegou a receber o título de cavalheiro honorário da Rainha Elizabeth II e a visita do ex-líder comunista Mikhail Gorbachev. Prosseguindo mais adiante, Reagan desenvolveu Alzheimer e morreria no dia 5 de junho de 2004 com 93 anos. Ele foi visto como um chefe sonhador e o homem que alterou a política americana, restaurando a confiança da população e a crença do povo americano em si mesmo.
Reagan trouxe o Partido Republicano novamente ao cenário político. De 1933 a 1980 apenas três republicanos foram presidentes: Dwight Eisenhower, Richard Nixon e Gerald Ford — sendo só dois desses eleitos. No cenário pós Segunda Guerra, republicanos foram um partido minoritário no âmbito federal. Uma pequena curiosidade, o Bush Filho, um evangélico "nascido de novo", tinha mais aproximação ideológica com Reagan do que seu pai.
Reagan, construído como herói bipartidário, teve uma aprovação pública crescente. Nos seus oito anos como presidente, teve 52.8% de aprovação. Em fevereiro de 1999, 71% de aprovação. Em novembro de 2010, 74% de aprovação. Além disso, após Reagan ter vencido em 49 estados, os democratas seguidores do New Deal foram substituídos por democratas de tendências mais centristas que adotaram princípios do neoliberalismo. Exemplos concretos disso são Clinton e Obama.
Atualmente se fala do caso "Reagan X Trump". Trump é muito mais populista do que propriamente um conservador. Ele é segue mais uma agenda anti-establishment e é um isolacionista. Além disso, enquanto Reagan era um pró-imigracionista, Trump é contrário à imigração. Após a derrota em 2020, Trump tornou-se ainda mais autocrático, demandando mais lealdade para ele do que ao partido ou à nação. Fora isso, os seguidores de Reagan são vistos como parte do mainstream e Trump ataca os chamados "conservadores reaganianos". Há uma tentativa de Trump de se aproximar do primeiro mandato de Reagan, sobretudo em pautas de gênero, sexualidade e reprodução, o que agrada a direita religiosa. Outra aproximação é o corte de taxas, sobretudo para os mais ricos, e de programas sociais. O afastamento se dá bastante na esfera protecionista, mas a questão do aborto aproxima Trump e Reagan. Os discursos constrastam: Reagan tinha uma oratória extremamente refinada, próxima do povo, patriótica e otimista; Trump tem um discurso menos refinado, mais sombrio e, após a derrota em 2020, adquiriu um tom mais conspiratório e retoricamente violento em 2024. Trump representa muito mais uma política pautada na raiva, no ressentimento e na desconfiança.
Acabo de ler "The Reagan Revolution" de Prudence Flowers (lido em Inglês/Parte 6)
Livro:
The Reagan Revolution
Autora:
Prudence Flowers
Ronald Reagan foi, como vimos, adotando uma postura menos ideológica e mais pragmática. Afastando-se dos ciclos neoconservadores e evoluindo para uma posição mais complexa e sutil. Uma das condições mais características desse desenvolvimento foi a sua relação com Mikhail Gorbachev.
Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev trabalharam para eliminar a ameaça nuclear. É evidente que Gorbachev chama muita atenção. Odiado por muitos, querido por muitos. Gorbachev chegou a ser elogiado por Margaret Thatcher. No período em que Gorbachev governou a União Soviética, a sua nação havia passado por várias décadas em que muito do gasto ia para a defesa. Cerca de 80% para ser mais exato. O que levou a educação, os serviços sociais e a saúde a passarem por um grande aperto.
É evidente que existe uma complicação e uma complexidade nessa relação. Enquanto que os Estados Unidos tinham um orçamento militar crescente na era Reagan, cerca de 8% de acréscimo ao ano; a União Soviética teve um crescimento de orçamento militar 1.5% entre 1975 e 1984.
Gorbachev lançou as bases da Perestroika e Glasnot. A Perestroika visava uma modernização tecnológica e um aumento da produtividade dos trabalhadores. Além disso, houve uma tentativa de reformar a burocracia soviética para aumentar a eficiência. Naquele tempo, a política anti-alcool (que era um sério problema para saúde pública) se mesclava a adesão de uma economia mista com elementos de livre-mercado e investimentos do exterior. Enquanto isso, a Glasnot serviria para dar maior participação do povo no processo político e burocrático, aumentando a liberdade de expressão. Isso envolvia o povo e a mídia.
Reagan e Gorbachev tentavam dar cabo do INF (Intermediate Range Nuclear Forces), para destruir o seu arsenal. De qualquer forma, seja Reagan, seja Gorbachev, enfrentaram oposições em seus respectivos países. Reagan enfrentou oposição de republicanos e da New Right (Nova Direita), que condenavam Reagan de forma pública ou privada. A diplomacia da União Soviética e os Estados Unidos era vista como esperança ou como uma ameaça em que um inevitavelmente enganaria o outro. Em maio de 1987, a revista National Review chegou a publicar o "Reagan's Suicide Pact".
Em 1988, Reagan proferiu um discurso na Universidade de Moscou falando sobre um novo mundo de reconciliação, amizade e paz. A União Soviética cortaria 500 mil pessoas de suas forças armadas e Tadausz Mazowiescki seria o primeiro líder não-comunista do leste europeu. Veríamos mudanças significativas na Europa Central e no Leste Europeu. A queda do Muro de Berlim estabelecer-se-ia. Posteriormente veríamos a dissolução da União Soviética em 1991, com uma transição que poderia ser chamada de pacífica.
sábado, 27 de setembro de 2025
Acabo de ler "The Reagan Revolution" de Prudence Flowers (lido em Inglês/Parte 5)
Livro:
The Reagan Revolution
Autora:
Prudence Flowers
Com o tempo, as pessoas passaram a gostar mais do Reagan positivo, de mensagens não-ideológicas. Instalou-se um conflito entre o "homem Reagan" e o "Reagan ideológico" — tenha em mente que Reagan surgiu como um membro da New Right (Nova Direita), que era religiosa. Isso levou a um questionamento sobre a sua identidade.
Um ponto importante sobre Reagan é a sua agenda econômica. Reagan trouxe pautas econômicas, enfrentando protecionistas no Congresso. Exemplos disso é o Tax Reform Act; o livre comércio com Israel; o livre comércio com Canadá e México.
A questão da imigração fornece um episódio histórico interessante. No período pós-Segunda Guerra, os republicanos foram os campeões do aumento das políticas de imigração. Isso permitia um grande número de trabalhadores para fortalecer os negócios. Todavia no período de 1970, certos republicanos começaram a argumentar que o fluxo migratório colocava pressão nas escolas e no sistema de saúde, aumentando os custos dos programas sociais e também que os imigrantes pegavam trabalhos de americanos. Reagan, por sua vez, rejeitava fortemente as tendências restricionistas. Ele acreditava que os imigrantes tornavam o país sempre jovem, sempre cheio de energia e de novas ideias. Graças a isso houve o The Immigration Reform and Control Act de 1986.
Houve um gigantesco escândalo de corrupção quando foi descoberto que a CIA (Center Intelligency Agency) secretamente vendia armas para o regime iraniano do Aitolá Khomeni. O que deu uma certa dor de cabeça por um grande tempo.
Mesmo reeleito com uma extremamente satisfatória margem, Reagan não escapou de críticas. Alguns especulavam demência. Chegou-se até a se falar que Reagan não lia nem pequenos papéis ou documentos, sequer que ia trabalhar, mas ficava vendo films e televisão na sua residência. De qualquer forma, os republicanos precisavam recuperar a imagem de Reagan para ganhar a próxima eleição. Os dois principais trabalhos seriam: um acordo de um controle de armas entre a União Soviética e os Estados Unidos e a redução do deficit.
Houve outra turbulenta questão para o governo Reagan. Ao indicar Robert Pork por sua jurisprudência conservadora e crença no originalismo, surgiram recordações do seu posicionamento contrário às ações afirmativas, ônibus, aborto e contracepção. Isso levou a um posicionamento contrário de organizações afro-americanos e feministas, ao mesmo tempo que que a direita religiosa e os grupos anti-aborto apoiaram a indicação. Mesmo assim ele foi rejeitado. Douglas Ginsburg foi rejeitado pelo o seu uso de maconha em momentos passados da sua vida. Por fim, veio Anthony Kennedy, que recordava mais um conservador tradicional do que um conservador ideológico.
Houve uma polêmica com a legislação dos direitos civis e as políticas anti-discriminatórias. Além do chamado pânico moral em que grupos da direita religiosa espalharam que isso levaria a ter homossexuais em escolas, AIDS nas cafeterias das escolas e ações afirmativas para travestis. E, é claro, toda a polêmica que passou o Grove City Bill.
Acabo de ler "The Reagan Revolution" de Prudence Flowers (lido em Inglês/Parte 4)
Livro:
The Reagan Revolution
Autora:
Prudence Flowers
A "maioria moral", um dito muito clássico. Refere-se às pessoas que não adotam padrões culturais progressistas, mas que seriam, ao menos aparentemente, mais tradicionalistas nos costumes. Tudo isso desemboca em discussões sobre aborto, direitos das mulheres, família, pornografia, escolas religiosas, oração dentro das escolas e programas de bem-estar social. Sempre lembrando a guerra cultural que surge dentro desse contexto. Raça, etnia e gênero são sempre mencionados.
Quanto ao aborto, o próprio Bush (vice de Reagan na época) era pró-escolha (pró-aborto), mas escolheu respeitar a plataforma de Reagan (que era contra o aborto). De qualquer forma, a oposição ao aborto era uma estratégia eleitoral do Partido Republicano para obter uma maioria conservadora. Em 1982, 22% da população americana era fortemente contra o aborto e 39% era pró-escolha. Além disso, até os anos 90, republicanos (pessoas que votavam em republicanos) eram mais pró-escolha do que democratas.
No caso Roe v Wade (1973), a Suprema Corte deu um voto favorável ao aborto. No caso Engel v Vitale (1962), a Suprema Corte acreditou que a "rezador oficial" nas escolas era inconstitucional de acordo com a primeira emenda da Constituição Americana. Esses tipos de decisões eram tidas como absurdas pela direita religiosa. Mas, indo mais adiante, vemos que conservadores sociais e religiosos queriam limpar a sociedade que viam como sexualizada e corrupta. Focaram em expressões artísticas e culturais que viam como obscenas. Além disso, viram blasfêmia e promoção da homossexualidade em muitas obras. Buscaram colocar até mesmo uma cláusula de decência na NEA (The National Endowment for The Arts). Muitos artistas clamaram, naquela época, por liberdade de expressão e liberdade civil. Há, evidentemente, o caso curioso de quando conservadores sociais e religiosos juntaram-se a feministas radicais, como Andrea Dworkin e Catherine MacKinnon para campanhas anti-pornografia.
Nos anos de 1960 e 1970, o uso ilegal de drogas se tornou parte da vida de muitos americanos. Reagan era contrário ao uso de drogas. Tinha um especial desgosto pela maconha. Para a direita religiosa, as drogas não eram uma questão vital, mas um reflexo da sociedade degradada, que havia aderido uma secularização na cultura e na política, o que supostamente levou a várias condições como o divórcio, famílias quebradas, delinquência juvenil e o próprio vício em drogas. Além disso, a direita religiosa opunha-se ao humanismo secular. É evidente que há uma briga entre conservadores libertários (pró-drogas, pró-aborto, pró-LGBT e pró-liberdade individual de uma maneira geral) e os conservadores moralistas (de tendências religiosas ou o chamado "conservadorismo social") — mesmo que, deva-se admitar, que o brasileiro médio não conheça as distintas linhas do pensamento conservador.
Quanto a crise da HIV/AIDS, Reagan cortou o orçamento da The National Institute of Health. Além disso, a sua administração interveio para bloquear a atuação do Congresso em suas tentativas de se lidar com a crise da AIDS e obstruiu a atuação preventiva da CDC (Centers for Disease Control). Fora isso, a administração de Reagan ainda reduziria significantemente o orçamento para pesquisas envolvendo a AIDS e programas para pacientes.
A direita religiosa acreditava que a AIDS era uma "praga gay". Pat Buchanan, que anteriormente havia trabalhado para a administração de Nixon, dizia que homossexuais eram uma ameaça à moral e à saúde pública. William F. Buckley Jr., o fundador da revista National Review, diria que todos os homens gays com AIDS deveriam ser tatuados em sua nádegas. A direita religiosa aproveitou para passar o Family Protection Act, em que uma das suas medidas era barrar o financiamento federal para qualquer pessoa ou grupo que advogasse pela homossexualidade. A morte de Terry Dolan, o fundador da National Conservative Political Action Committee, por AIDS e o fato dele ter relações homossexuais foi chocante naquele momento histórico conturbado. De qualquer forma, o governo Reagan ainda sugeria que a melhor solução era a monogamia e a abstinência sexual.
sexta-feira, 26 de setembro de 2025
Acabo de ler "The Reagan Revolution" de Prudence Flowers (lido em Inglês/Parte 3)
Livro:
The Reagan Revolution
Autora:
Prudence Flowers
Em 1982, Ronald Reagan discursou em Orlando, na Flórida. Na "The National Association of Evangelicals" ele falou de adolescentes, controle de nascimento, sexualidade permissiva, a necessidade de rezar na escola, a sua oposição ao aborto e a importância de uma moralidade tradicional.
Reagan é conhecido por chamar a União Soviética de império do mal. Tentar fazer os americanos orgulhosos novamente do seu país e das suas forças armadas — o que se perdeu com a guerra do Vietnã. Além disso, de tentar elevar o prestígio internacional dos Estados Unidos. Ele investiu no desenvolvimento de armas e na construção das forças armadas americanas. Fez a Casa Branca dar suporte material para movimentos nacionalistas anti-comunistas por todo o mundo. Além disso, um suporte aos direitos humanos (entendidos aqui como liberdade individual e democracia). Reagan acreditava que os EUA e seus aliados capitalistas eram o mundo livre que resistiam a sociedades escravas comandadas pela União Soviética e o mundo comunista.
— A Nova Doutrina da Política Exterior:
1. Dramático aumento no financiamento militar;
2. Uma nova assertividade nos assuntos globais;
3. Uma renovada competição com a União Soviética.
Um fato curioso: Reagan acreditava que o orçamento militar não era uma questão de orçamento, mas que deveriam gastar o quanto fosse necessário. De qualquer forma, em 1983 a maioria dos americanos suportavam uma redução nos gastos militares. Mesmo com a retórica dos direitos humanos e liberdades individuais, os Estados Unidos forneciam suportes para ditaduras (Argentina, Guatemala e El Salvador são exemplos notórios).
Para conter e reverter a expansão soviética, o governo americano ajudou grupos insurgentes anti-comunistas. O que resultou em guerras civis. Naquele período turbulento da Guerra Fria, William Casey (diretor da CIA) acreditava que qualquer colapso em um regime comunista, mesmo que esse fosse pequeno ou comparativamente insignificante, poderia levar a perda do poder global soviético e a sua autoridade.
Durante o seu governo, Reagan aproximou-se da China (que havia brigado com a União Soviética) e trabalhou para isolar a URSS economicamente. Falou sobre a natureza ateísta e sem Deus do comunismo. Tendo que enfrentar as campanhas pela esfriamento nuclear (manifestações anti-nucleares). Com ou sem apoio social, o que era bastante volátil, os Estados Unidos forneceram armas e inteligência, ocasionalmente enviando tropas americanas, para desestabilizar adversários.
Acabo de ler "The Reagan Revolution" de Prudence Flowers (lido em Inglês/Parte 2)
quinta-feira, 25 de setembro de 2025
Pugna Legalis #2: Liberdade
Nessa aula, o professor falou sobre a liberdade no âmbito jurídico e constitucional.
Ele começa falando sobre Benjamin Constant, pensador do século XIX, em seu livro "Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos" (1819).
- A liberdade dos antigos: a ideia de que um indivíduo é livre quando pode atuar na esfera pública. A liberdade é estar na ágora. É ser livre para debater. É ser livre para participar do processo de tomada de decisão coletiva;
- A liberdade moderna: pode ser identificada como a autonomia individual, tendo a sua esfera privada livre de interferência. É uma ideia de intangibilidade individual, a sociedade e o Estado não interferem com a tomada de decisão de um indivíduo.
O professor define a ideia de liberdade como atuação pública como a cidadania republicana. Ela se contrapõe ao individualismo exacerbado. Além disso, fala a respeito das revoluções liberais que fizeram com que o Estado não regulasse arbitrariamente, mas sim que fizesse leis de acordo com o consentimento dos cidadãos. Em outras palavras, os cidadãos participavam, por meio de representantes eleitos, no processo de tomada de decisão coletiva.
Há também a definição de liberdade pública e liberdade privada.
- Liberdade Pública: direitos associados à participação do indivíduo no debate público e na política, liberdade de reunião, liberdade de expressão e manifestação do indivíduo;
- Liberdade privada: o Estado deve proteger as escolhas existenciais do indivíduo. Em outras palavras, defender a autonomia existencial e proteger as escolhas individuais. O direito de escolher os projetos de vida, o direito de acreditar em diferentes cosmovisões. O direito à privacidade, a manifestação artística. O direito à identidade: poder afirmar quem é, da forma como é e não da forma com que a sociedade ou o Estado quer que a pessoa seja. Liberdade religiosa.
A defesa do autogoverno na esfera pública e na esfera privada.
Além disso, é apresentada a ideia de liberdade material de John Rawls. Isto é, fornecer as condições necessárias para o exercício da liberdade. Visto que quem carece padece de liberdade, logo as pessoas precisam de proteção para o exercício da sua liberdade.
quarta-feira, 24 de setembro de 2025
Acabo de ler "The Reagan Revolution" de Prudence Flowers (lido em Inglês/Parte 1)
The Reagan Revolution
Autora:
Prudence Flowers
O surgimento da chamada "New Right" (Nova Direita), ou direita religiosa ou conservadorismo social, foi marcado por uma série de acontecimentos. No geral, além do tradicionalismo moral, essa direita se opõe ao grande governo e a importância do Estado de bem-estar social.
Quando pensamos sobre a New Right, também pensamos em Ronald Reagan. E aqui cabe um aviso: Ronald Reagan, ao contrário da noção popular, não era um mero ator de filmes B. Ele tinha dupla formação em economia e sociologia. Tendo sido formado pela Eureka College. Além disso, há o fato dele ter atuado em cinquenta filmes. Ter sido, na primeira parte da vida, um democrata que apoiou Franklin Delano Roosevelt (FDR). O mesmo FDR que criou o New Deal e que aumentou bastante o tamanho do governo em suas áreas de atuação.
É fato conhecido que Ronald Reagan trabalhou para a GE (General Electric), onde tinha que ler conteúdo anticomuninista, anti-New Deal e revistas conservadoras influentes (como a National Review do William F. Buckley Jr.). As falas de Ronald Reagan refletiam as posições da GE: anti-regulação, anti-sindicato e anti-welfare (contra o Estado de bem-estar social). O que se tornou algo crescentemente político.
Naquele tempo, alguns setores conservadores se opunham ao FDR, o New Deal e o keynesianismo. Eles viam esse programa como corrompedor do capitalismo laissez-faire e da mão invisível do mercado. Eles opunham o Estado de bem-estar social com a caridade privada, a comunidade e a iniciativa individual. Além disso, viam que o New Deal refletia a centralização de poder dos países comunistas. Eles viam no Partido Republicano um espaço pró-mercado, para defender o governo pequeno, para propor pautas anti-regulação e para se opor ao Estado de bem-estar social.
Vamos ver um quadro mais geral dos Estados Unidos e da direita americana.
É evidente que nem todo republicano e nem todo conservador era assim. Por exemplo, Dwight D. Eisenhower — ex-presidente dos Estados Unidos — defendia o chamado "republicanismo moderno". Ele propôs a expansão do Estado de bem-estar social, investimento em infraestrutura, uma defesa cautelosa dos direitos civis, criou a NASA e conciliou os princípios conservadores com a aceitação prática do papel do governo federal nas necessidades sociais.
Um dos elementos a serem mencionados é o Barry Goldwater (escritor do livro The Conscience of a Conservative). Ele defendeu a privatização dos programas de segurança social, os programas populares do governo, o New Deal e disse que o movimento dos "Civil Rights" (direitos civis) deveriam ser matéria dos estados — Goldwater perderia para o sucessor de Kennedy, Lyndon B. Johnson (conhecido pela "Guerra à Pobreza"). No mesmo período, Nelson Rockefeller falou sobre o Partido Republicano estar sendo tomado por fanáticos.
Richard Nixon (Republicano), quando eleito defendeu leis de proteção ambiental, a criação de novas agências federais, a renda universal básica, inicialmente aprovou medidas para acabar com a discriminação sexual e de raça, tendo apoiado até ações afirmativas e cotas. É importante lembrar os republicanos rockefellerianos que defendiam o planejamento familiar, as legislações protegendo o meio ambiente e os direitos civis. Além disso, existiam feministas republicanas (ERA: Equal Rights Amendment), que defendiam o direito ao aborto, ações afirmativas e um financiamento federal para o cuidado de crianças.
Esse quadro, bastante interessante e até estranho ao brasileiro médio, sobretudo para a esquerda que odeia o Partido Republicano e não conhece as diferentes vertentes conservadoras.
Quando a chamada Nova Direita (New Right) surgiu, eles fundaram várias organizações, institutos e think tanks. Dentre eles, está a The Heritage Foundation — conhecida pelo Project 2025 —, o The Committee for the Survival of a Free Congress e o The National Conservative Political Action (NCPAC). Eles defendiam hma moralidade tradicional, condenavam as mudanças sociais, sexuais e de gênero que surgiram após a segunda guerra mundial. Defendiam os valores da família tradicional, sendo evangélicos conservadores ou brancos cristãos fundamentalistas.
Um dos fatores centrais para a vitória neoconservadora foi a Electronic Church de Pat Robertson (Christian Broadcasting Network). Ali existia uma rede de televangelistas que tinham alguns focos e pautas. Eles condenavam a segunda onda do feminismo e a liberação gay. Acreditavam que a segunda onda do feminismo era anti-família, anti-criança e pró-aborto. Além disso, houve quem equiparou a homossexualidade à pedofilia.
Reagan conseguiu se eleger como a figura da Nova Direita (New Right), trazendo o neoconservadorismo para o mainstream, unindo diversas facções do Partido Republicano, energizando o tradicionalismo moral e terminando com a coalizão do New Deal.
terça-feira, 23 de setembro de 2025
Contos e Crônicas de um Cotidiano (In) comum
E é com muito gosto que eu, Clarice L. M., agradeço o espaço aberto pelo Cadáver Minimal. Com isso, poderemos assistir juntos aos desenrolares das tramas na série Contos e Crônicas de um Cotidiano (In) comum, onde o cotidiano se mostra não só ele como um todo, mas que também respira, observa, age e nos suga, instiga, e nos obriga a seguir por essas andanças 'desbundadas' que chamamos de sobreviver.
‘’Remendado”
Capítulo 1: Quid pro Quo
— Já vou, deu 18H já. Amanhã venho mais cedo, seu Ruy. Fica na paz.
— Falou. Até amanhã. ‘Tamo’ junto!
Ouço as palavras daquela figura, e bato meu ponto. Desço as escadas, e alcanço as pedras da calçada desgastada. Ventava bastante, e as demais lojas do calçadão já estavam fechando-se.
E, assim, eu encerrava mais um dia de trabalho numa fábrica de tecidos em Duque de Caxias.
Numa dessas noites abafadas do verão da Baixada Fluminense, me peguei deitado no chão do quarto encarando o teto. Meu dia havia sido cansativo e, na noite anterior, mal preguei os olhos para uma boa soneca. Andava eu, dessa forma, vivendo de forma autômata: casa/emprego – estudos– emprego/casa. Pensar em um relacionamento se tornou algo incomum para mim, visto que as pessoas se tornaram mais exigentes e, no mercado, o meu modelo ultrapassou. No emprego que eu nunca quis, me paga razoavelmente bem; suficientemente bem para sobreviver – afinal, o nome é salário mínimo por isso. Se fosse salário máximo se chamaria Subsídio Parlamentar.
Eu sou um alguém de 27 anos; estudante, sozinho, trabalho como almoxarife em uma fábrica de tecidos, cansado da minha própria essência e cheio de perguntas. Nas horas vagas, escrevo coisas – tais como esse relato do emplastro de impropérios que é o que chamamos de vida. Ao meu ver, claro; não faça de minhas palavras as suas, o que uma pessoa louca diz não se escreve, é o que dizem por aí. O que chamam de loucura, chamo de enxergar além da bolha que nos rodeia cronicamente. Noutro dia, em minha rotina diária de retorno para casa no ônibus Caxias-Magé, o motorista teve de parar pois – vejam só; um idoso fumava no banco dos fundos e ‘’não sabia dessa proibição’’ – o que atrasou a viagem em 36 minutos apenas por conta das negativas do mesmo em apagar o fumo, ou deixar o veículo. Haviam placas, avisos, etc. E o nosso saudoso senhor resolveu-se por ele mesmo que era de bom tom acender o bendito fumo… Ao fim das contas, apagou o fumo e… desceu um ponto depois. Enfim, casos do acaso.
Observando esses pequenos atos, vejo que nada sei da vida. Atitudes, falas, lugares. Porque as pessoas se permitem levar pelas emoções? Falando assim, até parece que não sou um humano, não é, caro leitor? Tenho endereço, mas minha alma não tem CEP. Mas o fato é que intriga-me a vida; com ela, tive as mais diversas prosas acerca do existencialismo:
– E o que fazer quando se sente uma dor que uma aspirina não cura? Basta chorar? Basta que eu inunde minha alma com minha dor, e lave minha pele com as lágrimas que produzo ao exaurir de minha existência todas as lamúrias que me assolam? Devo deixar que meu corpo reverbere meus sentimentos? Ah, se eu quisesse ficar triste, estaria lendo Schopenhauer – ou apostando na bolsa de valores.
A verdade é que eu sou uma pessoa sem passado, e não me importo. Por muito custo, trabalhei meu cérebro para que ele me fizesse lembrar apenas dos bons momentos da minha existência desde então; os resultados foram que apenas tenho vagos destes flashes e, em um desses, eu era recebido com um sorriso por um rosto feminino. Vendo tal face, tentava eu então sorrir e retribuir o gesto, mas eu só chorava. Não conseguia falar nem me mexer por conta própria, mas eu estava feliz. Foi o único momento da minha vida em que senti a felicidade verdadeira, sem sofrimentos, sem dor. Acho que é por que eu tinha acabado de chegar, e não me explicaram o que ocorreria após aquele primeiro choro.
Creio que, na próxima vez que eu sentir tais sentimentalidades, será em meu leito final, com um verme que me narra ao pé do ouvido minha vida para, ao fim da estória, me roer da carne aos ossos.
Mas, ah… Esses não são assuntos niilistas ou depressivos, não…
Prezado (a), busco aqui esclarecer o que levaram aos fatos da minha prosa, da minha narrativa. Aos fatos que se sucederam, devo afirmar que foi de uma total falta de decoro do Destino.
Em primeiro, venho de uma família cheia de percalços e ignorâncias. Minha mãe teve filhos cedo, e achou ser de bom tom ter mais filhos para segurar o relacionamento com seu primeiro esposo, meu finado pai. Mal sabia ela que ela estava apenas produzindo herdeiros de sua pobreza geral. Após suas desilusões, casou-se com meu padrasto, e teve mais dois filhos, as joias de sua coroa. Após isso, foram muitas águas a rolar nos rios da vida e, eu, marinheiro de primeira viagem, entrei de bucha nessa empreitada que chamamos de ‘’viver’’ – e sem bote, sem saber nadar. Já fui muito traído: Há, há! Se o chifre fosse dinheiro, seria eu uma criatura abastada! Eu apenas tiro risos desses casos, pois de nada me adianta remoer essas coisas. Mas também traí. Tão pouco quanto acho que deveria, mas… enfim. Não me cabiam mais e, nas épocas, não estavam sob meu controle. Nada nunca está sob controle. Não temos controle de nada, afinal.
Por exemplo: minha amiga da escola, Eloísa, tem 27 anos, como eu, e vem de uma família que também não tinha a estrutura familiar sólida, tampouco a estrutura educacional. Ela foi expulsa de casa pela mãe e vivia sendo perseguida pela mesma, e viveu com seu primeiro namorado dos 16 até os 24. Nesses tempos, separaram-se e ela teve um filho fora do relacionamento. Depois dessas idas e vindas, teve mais um filho com seu primeiro ex… separou-se e agora vive com seu terceiro ‘’amor’’. Ela é a prova viva de luta, sucesso e retrocesso. Contando mais sobre essa bela amiga, após muito sofrer em sua humilde vida, voltou a estudar – coisa que havia deixado para trás desde seus 14, que foi quando sua mãe a expulsou de casa. Estudou, formou-se no ensino médio e conseguiu a bolsa de estudos que tanto havia tentado… tudo parecia perfeito. Exceto pelo fato de que caiu em um imenso ócio, a levando a viver de bicos: desde trabalhos simples aos mais elaborados. Às vezes, me pede dinheiro emprestado, quase implorando. Ela não está assim por falta de oportunidades, mas por sabotagem da vida e da sociedade.
Dia desses, vinha eu pelo meu caminho quando resolvi ir até sua humilde casinha para tomar um café e ver como anda sua vida. Caminho pelas ruas de terra batida, e paro em frente ao seu portão. Chamo, e pouco tempo depois, ela me atendeu com um sorriso.
– Boa noite! Entra, vou passar um cafezinho. Tá quente, né? Entra aí, senta na varanda.
Ela me cumprimentava com felicidade; poucas das visitas que ela recebia eram da agente de saúde do postinho e minhas. Assim como eu, ela era sozinha no mundo – não por ser ‘’sozinha’’, mas por não ter os totais apoio e visibilidade que merece. Sento-me na varanda, e observo enquanto ela retorna, e senta em uma cadeira em minha frente.
– O outro está no quarto, as crianças estão vendo TV. Colei o ABC nas paredes do quarto deles, é bom que, dessa forma, vão aprender um pouco vendo as imagens. Vão ficar curiosos e vão querer saber mais e…
Ela iniciava sua fala enquanto acendia um cigarro feito de tabaco e maconha. As olheiras em seus olhos lhe davam uma estranha beleza, e seu sorriso amarelo era tal como o de Gioconda. Pela forma com que seu corpo se comporta na cadeira, é de bom tom afirmar que está há algumas boas horas sem dormir – o que lhe era comum desde a época de nossa mocidade, tendo em vista que são anos de amizade com tal criatura e acabei reparando, em todos esses anos, em seus trejeitos. Convivência é isso. Eu dou um gole seguido de outro no café, que já estava morno, enquanto ela me contava suas novidades com alguma empolgação. Dando uma pausa para respirar e falar entre uma tragada e outra, ela se levanta, e vira-se em direção à cozinha para pegar mais café.
– Já volto, fuma um cigarro também. E, quando eu voltar, você me conta suas novidades. Eu só falei até agora, e você apenas escutou.
– Sou um bom ouvinte, não gosto de interromper ninguém enquanto a mesma fala, você sabe. Disse-lhe, lançando um sorriso sonso em sua direção enquanto sigo seu ‘conselho’ e acendo um cigarro.
– Você sempre foi esquisito. Bem, já volto. Ela se vira, e some através da porta. E apagando as luzes ao passar pelos cômodos, encostou a porta da cozinha ao sair, retornando com mais cigarros de maconha e café. Ao que parece, teríamos uma longa conversa. Ah, não que eu não goste de uma boa prosa, fora que o clima está ótimo pra isso.
– Pelo visto a conversa vai ser boa. Falo, sorrindo, ao notar sua aproximação. Ela senta novamente na cadeira de praia, e acende um cigarro. Bebe um grosso gole de café e, por fim, desaba:
– Estou cansada de lutar por um bem maior, sabe? Tento ajudar, mudar o mundo e os meus problemas e, ao fim, retorno ao começo. Sinto-me tão forte, mas tão impotente ao mesmo tempo. O outro não gosta de conversar sobre os temas que estudei; geralmente ele leva um assunto como culinária, sociologia e comunismo para o lado pessoal. Tudo o que se fala sobre quaisquer temas tem de se filtrar, pois ele se sensibiliza á ponto de afetar nossa convivência. Ou seja: casei-me com um indivíduo sem um pingo de inteligência emocional. Eu converso sobre tudo um pouco, e ele não demonstra interesse algum, assim como a grande maioria.
Eu me inclino à frente e trago o cigarro, logo encho meu copo com café;
– E você, do jeito que é, já sabia bem o quão ignorante é aquele homem, e a sociedade em si também. Você bem sabe disso, não é cega. Hoje, no trabalho, seu Ruy veio comentar sobre o tal novo zagueiro do Flamengo, sendo que estou eu pouco me lixando para o futebol e seus ‘‘heróis’’ – ouvia e concordava apenas para não perdurar o assunto, caso expusesse minha devida e real opinião acerca do mundo futebolístico. A sociedade é assim: exaltam algo que não irá mudar em nada as suas vidas, e sensacionalizam os que ainda possuem o mínimo de consciência de classe, do lugar de onde veio e para onde vão. Por fim, nosso país é um retrato de insoberania – de futilidades, de uma massa emburrecida, vilipendiada, ignorante e entorpecida pelo boçal, drogados pelas grandes mídias e pelas culturas de retrocesso. Uma nação completa sofrendo lavagem cerebral em simultâneo, silenciosamente.
Ela suspira, e traga mais uma vez o cigarro. Estica as pernas e engole o resto de café frio da velha caneca de alça quebrada que segurava:
– Deus, perdoai-nos. Não sabemos o que fazemos mesmo com o óbvio estando tão claro diante de nossos olhos. Mesmo com toda a clareza, fazemos o velho quid pro quo.
Seguimos nossa conversa afiada acerca da sociedade e da vida até umas 23h e pouca da noite, que foi quando achamos de bom tom irmos cada qual para seus cantos e, assim, tentarmos dormir enquanto idealizamos uma sociedade sem tanto proselitismo e hipocrisia velados de ajuda e complacência (...).
Continua na próxima Terça-feira, às 23h.