terça-feira, 19 de março de 2024

Acabo de ler "Arte-educação no Brasil" de Marcia Polacchini

 



A situação do ensino e do estudo no teatro avançou muito, mas ainda existem uma série de lacunas a serem preenchidas. Uma das mais requisitadas, como não poderia deixar de ser, é o estudo individualizado das matérias artísticas para um desenvolvimento mais global na prática na arte e, igualmente, na possibilidade de especialização conforme a individualidade do aluno.


Veja que o teatro sempre leva ao questionamento: é por meio do teatro que a pessoa vivencia de forma simulada uma vivência real ou ficcional. Ou seja, a atuação é, em si mesma, uma forma de potencialização educacional. O que leva necessariamente a um aumento da capacidade de aprender. Ao simular um texto teatral, o aluno adentra numa espécie de vivência simulada que corporifica o conteúdo da mensagem e o dá uma forma singular de aprendizagem.


Pode-se dizer que a literatura já é, em si mesma, uma forma de passar simuladamente uma espécie de vivência. E o leitor, ao adentrar no texto por meio da leitura, já consegue efetivamente simular em sua cabeça o conteúdo daquela experiência. É por isso que a ficção é mais assimilável que o conteúdo filosófico em estado puro. Todavia existe algo que vai além: é a interpretação de um texto por meio da atividade de atuação. E é por causa disso que o teatro é importante.


A compreensão de que a literatura ajuda ao estudante ao lhe dar possibilidade de uma afetividade com o conteúdo de estudo, deixando-lhe mais propício ao conteúdo da mensagem já é um fator crucial para compreensão do estudo literário. Saber que o teatro ajuda nessa linha, mas intensificando o lado da simulação, ajudando o desenvolvimento mais pleno da expressão corporal no processo, também ajuda a compreender a importância crucial do teatro na formação humana.


No Brasil, com o avanço duma educação tristemente focada em "funcionalidade" laboral e extremamente produtivista - própria do ideário neoliberal - nos falta a compreensão do teatro e da literatura. Visto que qualquer coisa é pensada como "exacerbação da imaginação", sendo que a própria ideia de um ser humano completamente maquinal e racional é produto do imaginário. 

sábado, 16 de março de 2024

Acabo de ler "Antes del Fin" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)

 


Ernesto Sábato é um dos maiores intelectuais da história da Argentina. Esse livro é escrito como uma forma de atenuar a dor dos jovens que lhe mandavam cartas. E também como uma forma de autobiografia antes de morrer. Um testemunho corajoso de um homem que superou várias decepções e manteve a sua consciência individual apesar de tudo que se sucedesse.


De experiência bastante diversa, Ernesto Sábato sabia sobre arte, ciências exatas e humanas. Foi um literato e, também, um filósofo. Manteve contato com vários intelectuais importantes. Estudou de forma aproximada autores anarquistas e comunistas (de índole marxista). Também teve um período de conversão ao marxismo, porém se afastou do movimento graças a rigorosidade dogmática que esse apresentava.


Ernesto fala-nos da decepção que tem para com o mundo pós-guerra fria. Não que acreditasse na monstruosidade totalitária que se tornou o regime soviético, mas sim que o mundo que surgiu após o fim da União Soviética não era aquilo que foi prometido e sim algo bastante inumano, irresponsável e até destrutível.


A destruição dos recursos naturais, o perigo nuclear, a exploração de massas inteiras de pessoas, a quantidade gigantesca de pessoas morrendo de fome, o contingente populacional de excluídos. Como permanecer otimista nesse mundo? Ou o mundo muda, num radicalismo humanizante, ou morremos todos.


Ernesto, por fim, deixa-nos com a consciência de que temos um mundo a cuidar e um fluxo de ações irresponsáveis a impedir. Isto é, temos que impedir certas ações e mudar de rumo. Sem perder nossa fé utópica na construção dum mundo melhor. No fim, o "fim da história" é uma ilusão propagandisticamente criada para que nos calemos. 

quinta-feira, 14 de março de 2024

Acabo de ler "TEATRO E A ESCOLA: funções, importâncias e práticas" de Vários Autores

 



O teatro é uma arte libertária. Historicamente surge como uma espécie de culto ao deus Dioniso, esse que era deus das festas, do vinho, da alegria e do teatro. Essa inspiração, por mais que muito distante, já demonstra o espírito do teatro em sua forma inicial. E, igualmente, como o teatro está correlacionado ao pensamento libertário. Dioniso também é deus do delírio místico e o teatro era, na Grécia, tido como parte da inspiração divina.


O teatro trabalha de forma dupla: uma parte sua é literatura e outra parte é encenação. Há uma "simulação" dentro do teatro: ela surge para revivenciar algo que ocorreu dentro da história ou do imaginário do criador da peça. Essa espécie de vivência proporciona uma alteridade que, por sua vez, permite a quem realiza a experiência simulada e quem a vê ter uma noção mais aproximada. Logo a reflexão proporcionada pelo teatro tem algo de experiencial, o que possibilita uma maior facilidade de assimilação. Graças a tal possibilidade, o teatro é altamente eficaz como instrumento pedagógico.


Engana-se quem busca negar ao teatro o seu aspecto educacional: desde o momento de sua criação até o momento de hoje o teatro existe para gerar reflexão, seja da pessoa em si, seja da sociedade que o teatro satiriza. Inicialmente existiam duas formas de teatro: a forma dramática e a forma cômica. A dramática visava a catarse que é a purificação por meio do sofrimento que a peça traz. Já a cômica fazia com que se questionasse a sociedade por meio da sátira. Ou seja, uma levava a uma postura autocrítica e outra a crítica social.


Não se poderia dizer que uma arte tão capaz de levar a um aumento de capacidade crítica e autocrítica seja inútil. Muito pelo contrário: o teatro é uma das artes mais belas e com uma das histórias mais ricas que podemos ter contato.

Acabo de ler "Dorotéia" de Nelson Rodrigues

 



Por vezes uma sociedade padece, se entristece, pela ausência da liberdade. Essa peça pode ser encarada de uma forma psicanalítica, sobretudo na psicanálise de Reich, por causa do desafio proposto por ela: o que é o ser proibido na esfera de sua sexualidade? Aí é que está a chave que pretendo utilizar nessa análise.


Veja que faz parte do regulamento do ser o orgasmo. A ausência do orgasmo pode ser sublimada por um esforço produtivo, mas será que esse esforço deveria ser compulsório? Sociedades mais fechadas buscam minar a sexualidade e as sociedades fortemente telúricas - como as fascistas - buscam até reprimir a sexualidade com tudo que estiver ao alcance de suas mãos. Não por acaso, a repressão à sexualidade feminina, a minorias sexuais (LGBTs), a busca pela padronização, tudo isso marca o regime fascista. Todavia não estamos nesse contexto, embora seja salutar observar tal parte.


É preciso compreender que a ausência de uma liberdade de desejo, de liberação de desejo, de satisfação pulsional é uma forma de criar uma sociedade adoentada e suscitar nela os mais terríveis delírios. A insatisfação pulsional gerará constantemente crises psíquicas. E essas crises gerarão um estado exacerbação. Esse estado posteriormente poderá ser utilizado metodologicamente para uma missão. E é assim que a sociedade extremo-telúrica se alimenta e retroalimenta: da insatisfação de seu desejo em conjunto com uma condução coercitiva de esforços a um inimigo determinado para o reforço de sua mentalidade coletivo-normativa.


Nelson Rodrigues, ao escrever essa peça, caçoa dos pensamentos bizarros sobre o que é a humanidade e todo o misticismo por trás das proibições e negações que grupos sociais criam para si mesmos para se negarem. O que é bastante interessante, visto que é sociologicamente útil para compreender os dramas sexuais que existiam nessa época.


Como sempre, a obra rodrigueana é marcada por uma capacidade de abertura que possibilita uma análise crítica duma série de conjunturas. Demonstrando a genialidade do grande mestre que é e foi Nelson Rodrigues.

terça-feira, 12 de março de 2024

Notas de Logística #4 - O Processo de Tomada de Decisões

 


No texto anterior, publicado agora pouco, escrevi que a Logística também aborda - mesmo que brevemente - a questão sociológica e psicológica dentro de estruturas organizacionais. Esse texto reforça mais um pouco da esfera psicológica dentro do estudo da logística: como tomamos decisões?


No estudo dessa unidade nos tornamos um pouco mais céticos em relação à racionalidade humana. Será que somos tão racionais quanto queremos parecer? A ideia de razão pura, acima de todas as oscilações sentimentais, é algo criticado por uma continuidade gigantesca de filósofos e pensadores de outras disciplinas. Freud, Jung, Foucault... Todos esses demonstraram, em seus métodos, que não há um processo de pensamento que transcende todas as características humanas e dá vôos divinos de imparcialidade absoluta.


Quando é dito na administração e na logística que temos pressupostos racionais e que eles são objetivos ou estamos contando uma mentira ou nos autoenganando. É evidente que existe uma capacidade, dentro de nós, de sermos mais racionais, porém todo raciocínio parte de algum lugar e tem alguma limitação. E é disso que surge, na crítica contemporânea, a abertura para a singularidade e, igualmente, para o uso da intuição e dos sentimentos na hora de decidir.


O exercício da razão sempre vem acompanhado de lacunas, de particularismos, de limitações, de falhas nas totalidades dos dados. Não estamos no terreno das certezas infalíveis, mas na dinâmica duma areia movediça onde até nossa capacidade interior é limitada.

Notas de Logística #3 - O Desafio de Gerir Pessoas

 



Como podem perceber, os estudos da logística são mais amplos do que originalmente se pode conceber. Há, no estudo, um "quê" que sempre deve ser pensado e sempre deve ser reanalisado. Não se trata duma mera maximização da eficiência dum maquinário, trata-se igualmente das pessoas que estão por trás desses produtos e para quais pessoas esses produtos serão entregues. É por causa disso que a logística sempre se abre, sempre permeia mais.


Os escritos anteriores - e admito aqui demorei para postar um novo conteúdo de logística - também eram correlatos à administração. E é muito interessante, e também encantador, demonstrar que a logística é muito mais do que uma pirâmide de cálculos em que se visa uma maior alocação de recursos. A logística está sempre em constante diálogo com a administração.


Neste capítulo se estuda como certos arranjos existem e como eles são úteis para cada gestão e para cada objetivo em específico. Existem estruturas mais hierárquicas, menos hierárquicas, mais burocráticas e menos burocráticas. Todas essas levam a um questionamento não só social, mas igualmente psicológico sobre a ordem que acompanha cada empresa. E aí, mais uma vez de forma impressionante, a logística abre alas para o estudo - mesmo que tênue - da psicologia e da sociologia.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Acabo de ler "El Túnel" de Ernesto Sábato (lido em espanhol)

 



"había un solo túnel, oscuro y solitario: el mío, el túnel en que había transcurrido mi infancia, mi juventud, toda mi vida"


Juan Pablo é um homem que a tudo vê de forma obscurecida. Seus pensamentos, infinitos e variados, impedem-lhe de enxergar algo que vá além de sua subjetividade. É como se existisse, em sua percepção, uma espécie de sobrecarga mental que o próprio pensamento impedisse a percepção do mundo ao redor. Um pensamento atropela o outro, a sua ansiedade marca páginas e páginas do livro, projetando psicologicamente a angústia do personagem no cenário.


Imagine que um livro seja projetado psicologicamente: nada escapa à sobrecarga psíquica do protagonista. E o leitor, lendo o livro, se vê ficando sem ar. É tanta ansiedade, é tanto detalhamento neurótico, é tanto pensamento atrás de pensamento que nem o leitor e nem o personagem central conseguem ter sossego. A leitura do livro pode ser descrita numa única fala que traduz todo esse passeio mental: asfixiante.


Não posso negar que me sinto semelhante ao protagonista da obra: toda essa incompreensão, toda essa neurose, todo esse desprezo pela maioria, toda essa capacidade de sentir por não se integrar e, além disso, a própria noção de que há uma barreira mental, projetada pelo próprio protagonista, entre o ser e o mundo. Tudo isso não me é estranho, é até mesmo comum.


Essa leitura, a não ser em excepcional caso, adentrará como uma das melhores leituras do ano. Eu certamente me apaixonei pela forma que Ernesto Sábato escreve. Vejo aqui um homem brilhante que usa o espanhol com a grandeza dum mestre.