— Recaptulação:
Na nota pública anterior, escrevi sobre o fato de que Agostinho de Hipona situava a lex aeterna (lei eterna), provinda diretamente de Deus, como superior a lei positiva (que vem do Estado). A lei positiva deveria se subordinar a lex aeterna (lei eterna).
Hoje vamos entrar e entender um pouco do que pensava Tomás de Aquino no campo da filosofia do Direito.
— Uma contextualização a respeito de Tomás de Aquino:
- Foi um frade e um padre italiano, da ordem dominicana, conhecido por ser um influente filósofo e teólogo;
- Não se sabe ao certo se ele nasceu em 1225 ou 1227, mas a data da sua morte é 1274. Ele é o maior proponente de um movimento conhecido como Escolástica;
- Seu trabalho mais conhecido é a Suma Teológica, onde podemos encontrar escritos sobre a Teoria do Direito Natural, além de outros a respeito da teologia e da filosofia;
- A Teoria do Direito Natural em Tomás de Aquino vai diferir da Teoria do Direito Natural de Agostinho, visto que Tomás de Aquino foi influenciado pela redescoberta dos escritos de Aristóteles;
- Para Tomás de Aquino, lei positiva tem uma natural posição na vida política e social, mais do que Agostinho de Hipona acreditava, visto que a lei positiva poderia ser substituída pela adesão à lex aeterna.
— Direito Natural em Tomás de Aquino:
O Direito Natural apresenta quatro hierarquias no pensamento de Tomás de Aquino:
1. Lei Eterna: é a lei que ordena todas as coisas, está restrita ao conhecimento do próprio Deus;
2. Lei Divina: é a parte da lei eterna que foi revelada para a humanidade;
3. Lei Natural: é a capacidade inata da natureza humana de discernir o bem e o mal;
4. Lei Positiva: é a lei criada pelos legisladores humanos.
É válido mencionar que Aristóteles também tinha uma separação hierárquica das leis, para ele havia uma justiça natural, de caráter universal, e uma justiça convencional, que eram as leis específicas da cidade-Estado. O caráter universal, para Aristóteles, era o de uma lei imutável, que poderia ser descoberta pela razão humana. O propósito de uma lei, no pensamento de Aristóteles, era de promover a virtude e o bem comum da comunidade. Como Tomás de Aquino foi influenciado pelo pensamento de Aristóteles, adicionando-se o fator teológico cristão, Tomás via na lei humana uma possibilidade de guiar as pessoas para a felicidade suprema e a felicidade suprema era a união com Deus.
Para Tomás de Aquino, havia uma espécie de relação não convencional entre a lei e a moralidade. E era impossível entendê-la sem uma referência de moralidade. Além disso, todas as leis humanas deveriam ser julgadas em correlação com a lei natural.
É preciso compreender que a Teoria da Lei Natural não é só uma teoria de jusfilosofia, não é só uma teoria a respeito da lei, tampouco algo que é limitado aos estudantes de Direito. O Direito Natural é uma teoria ética. Por vezes adentrando a uma natureza mais teológica. O Direito Natural não se pergunta pura e simplesmente "o que é a lei?", mas vai mais adiante: "o que ontologicamente é a lei?", "o que é a existência da lei em si mesma?". O Direito Natural busca adentrar na questão última do significado da lei.
— A Lei Positiva:
Existem duas fundações que são necessárias para se chegar a razão última e para se fazer o correto curso de uma ação antes de se criar uma lei positiva:
1. A Lex Divina (Lei Divina);
2. A Lex Naturalis (Lei Natural).
A primeira representa a Lei Divina que foi revelada pelas Sagradas Escrituras (Bíblia) e a segunda é a Lei Natural que é acessível pela razão natural através da observação racional da natureza humana. A lex humana (lei humana, entendida como lei positiva), é boa se segue a fundação da lex divina (lei divina) e a lex naturalis (lei natural).
A lei positiva (lex humana) precisa facilitar e servir uma teleologia de um bom propósito. Se o propósito for teleologicamente bom, compatível com o bem comum e a harmonia social, as pessoas não vão sentir vontade de burlar a lex humana (lei positiva/humana) por medo da punição, mas sim por causa da racionalidade e da moralidade. Uma lei bem fundamentada, não é vista por alguém moralmente correto e racional como algo que pode ser burlado, visto que ele vê nessa lei algo natural, lógico e moral, e quebrar essa lei é ser inatural, ilógico e imoral.
— Lei Injusta:
Tal como Agostinho e inspirado nele, Tomás de Aquino traça uma questão a respeito sobre o que faz uma lei ser lei. Visto que, tornemos a lembrar, uma lei precisa de um questionamento a respeito da sua natureza.
Para Tomás de Aquino, uma lei injusta é tão somente uma lei que tem a aparência de ser uma lei. Algo pode ser percebido como uma lei sem que esse algo seja de fato uma lei por si mesmo. Uma lei injusta não é uma lei por si mesma, visto que todas as leis precisam aderir a lei natural. Em outras palavras, Tomás de Aquino traça uma questão ontológica a respeito da lei, argumentando que algo, para ser lei, precisa ser em referência à lei natural. Se a lei positiva fere a lei natural, não é uma lei.
Se faz necessário recordar que o pensamento de Tomás de Aquino faz referência ao pensamento de Aristóteles. Aristóteles pensava no telos (finalidade) de todas as coisas. Ele se questionava sobre o propósito final, sobre o resultado de algo particular. Logo era preciso ter em mente a finalidade a que se destina dada lei. E as leis precisam estar em conformância com a natureza humana, que é um ser social e político. Contrariar essa natureza, levando a desarmonia social, é uma forma de burlar essa natureza a que se destina toda lei.
Existem formas de saber se algo fere a lei natural:
1. Contrária ao bem comum: quando essa lei é feita com o objetivo de um bem particular, furtando-se a necessidade de ser boa para todos os membros da sociedade;
2. Excede o campo de conhecimento do legislador: quando o legislador não apresenta o conhecimento necessário para produzir essa lei;
3. Fardo injusto: quando há uma desigualdade ou uma desproporcionalidade para certos membros da sociedade.
Para Tomás de Aquino, uma lei falsa não é uma lei, mas uma perversão da lei. É por isso que a lei feita por humanos precisa da referência e da conformidade com a lei natural. Também a lei não pode ser contrária lex divina (lei divina).