domingo, 3 de dezembro de 2023

Acabo de ler "Vestido de Noiva" de Nelson Rodrigues

 



"Vestido de noiva em outro meio consagraria um autor. Que será aqui? Se for bem aceita, consagrará... o público"

Manuel Bandeira


Existem aquelas obras que, quando escritas, mudam o autor. A pessoa em si já não é mais a mesma, chegou num horizonte de consciência mais elevado em abarcabilidade. Já existem obras que mudam o público, demonstrando uma diferença notória entre quem leu e quem não leu. Existem obras que marcam cidades inteiras. Porém existem obras que, quando bem entendidas, estão muito além de marcar o autor, o público, a cidade e o país. Existem obras que marcam a humanidade, tornando-a mais rica e sabedora de si mesma.


Quando falamos em "Vestido de Noiva" pensamos não em "uma" obra. Pensamos naquela exata e específica obra. Uma obra que mudou tudo de modo tão irreversível que seria impossível não pensá-la do ponto de vista duma anomalia. Existem coisas, pessoas, atos, feitos que, pelo simples fato de existirem ou terem existido, alteram estruturalmente o mundo. Ou seja, são precisamente o "sal" que dá vida à Terra.


Nesta obra, vemos diferentes planos sendo realizados de forma mais ou menos desordenada. Estes diferentes planos são uma inovação, mas igualmente são a realidade da humanidade: não vemos as coisas como são, vemos elas através de lentes múltiplas. Existe o plano da realidade, o plano do simbólico, o plano da imaginação, isto na linguagem psicanalítica de Lacan. Em certo sentido, Nelson Rodrigues trouxe este grande conflito para o plano dramaturgia.


Sua grandeza está na forma com que ele dirige as diferentes realidades, os diferentes planos, as esferas alternantes que se passam. Ele soube dar uma substancialidade que deu uma vida imensa a sua obra. Há, em cada personagem, uma imensa tonalidade de cores que revela individualmente sua inegável condição humana.


Nelson Rodrigues é um dos maiores escritores da história de nosso país e, igualmente, da história da humanidade. O verdadeiro profeta do óbvio ululante e, quiçá, nosso único profeta, visto que só profetas enxergam o óbvio.

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