sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Acabo de ler "Álbum de Família" de Nelson Rodrigues

 



"O céu, não depois da morte; o céu, antes do nascimento - foi teu útero"

Edmundo (Personagem de Álbum de Família)


Neste livro, Nelson demonstra um profundo conhecimento sobre psicanálise. A peça trata sobre o Complexo de Édipo e Complexo de Electra. Embora hoje tais complexos não sejam mais vistos como anteriormente eram pensados pela comunidade psicanalítica, é bom entender que existe o contexto da época que pesa muito. Mesmo assim, a peça traz importantes reflexões sobre a natureza da moralidade, as relações familiares, a natureza da pulsão humana e a realidade do afeto.


A temática do primeiro trauma humano é bem abordada: o céu como útero materno é, para todos nós, uma incógnita. Quando somos fetos, nossos desejos são prontamente atendidos pelo aparelho biológico de nossas mães. Desejo e realização, por assim dizer, são o mesmo e dão-se harmonicamente. O reino da necessidade e a realização dessa necessidade estão de par a par. O feto vive, sem saber, o paraíso. É por isso que o processo de nascimento é tão traumático: ele priva o bebê da realização automatizada de suas necessidades e ele terá que passar por processos de privação.


Há nessa peça um trabalho muito cuidadoso com uma temática que, até hoje, faz roer os ouvidos dos mais bem pensantes e, também, dos mais atávicos reacionários: o incesto. Não que Nelson apoie o incesto, Nelson é um moralista: ele expõe os pecados humanos para que exista um processo de ascese. Essa ascese é provocada pela própria exposição do desejo humano em sua brutal realidade devastadora. A peça de Nelson, seu trabalho dramatúrgico, expõe os vícios para purificar. Não por acaso Nelson Rodrigues é chamado de "Anjo Pornográfico".


Como sempre, temos uma peça bastante complexa e com uma série de reflexões que não poderiam - e nem devem - ser lidas de forma descuidada. Nelson é, como nosso maior dramaturgo, um homem duma complexidade ensurdecedora. 

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