quinta-feira, 21 de julho de 2022

Farisaísmo e Sofismo

Farisaísmo e sofismo referem-se a uma mesma atitude vivencial. Referem-se a alguém que confunde o ideal com o próprio ser. Essa é a diferença principal entre o filósofo e o sofista. O filósofo nunca vem a se tornar a sabedoria, mas o sofista acredita que é a própria imanentização da sabedoria. Tanto que sofista quer dizer sábio e filósofo quer dizer amigo da sabedoria. O fariseu já pensa que é a própria imanentização da justiça e quem se crê justo já perdeu a justiça faz tempo. É por isso que quando alguém assume que a esquerda é boa e se diz de esquerda, assume-se como bom. Quando ocorre o contrário, também é verdadeiro. É dessa confusão que surge a própria impossibilidade dos dois amadurecerem plenamente: eles não obedecem à lei da douta ignorância e da santa pecadora. O santo só é santo por ver o pecado em si mesmo e o douto ignorante vê a ignorância em si mesmo. Assim cada qual é capaz de evoluir tendo como base um esforço negativo. É negando-se que o homem pode se tornar melhor.


O ideal é, por excelência, aquilo que não se cumpre, mas sim aquilo que se busca. A ideia de que cumprimos o ideal faz com que o ideal se afaste de nós e que a vida morra dentro de nós. Nesse sentido, o cristão que se acha tal como Cristo, já morreu em matéria de fé. Aquele que ama puramente a Deus, sabe que todo passo é um afastamento. O amor de Deus se encontra nessa tensão de ausência. De igual modo, o filósofo que acredita ser a imanentização da sabedoria já não é mais filósofo, é sofista. O ideal é uma busca pois é espiritual: ele é uma perfeição que gera perfectbilização. A perfeição não é cumprível, mas se expressa na perfectibilização. O melhor ideal é, por excelência, aquele que não pode ser cumprido; e isso ocorre do fato dele ser perfeito. Um ideal perfeito é tão pesado e cruciante quanto é a própria realidade. O peso do ideal igualado ao peso da realidade é a pura harmonia. É por isso que alguém que não me lembro o nome disse uma vez: “somente religiões vulgares prometem o paraíso na Terra”.


Compreender que o homem é perfectível e não perfeito é uma forma de proporcionar-lhe uma capacidade de perfectibilizar-se. Propor que o homem pode, em vida, alcançar a perfeição é mais do que uma heresia: é um assassinato espiritual. O homem só vive em virtude da imanentização processual e incompleta: ele busca trazer nele um alto ideal que nunca irá se realizar, mas quando ele imanentiza esse ideal e compreende que ele nunca irá imanentizá-lo em toda a sua vida, ele compreende que está vivendo. A imanentização falha quando há uma confusão na compreensão de perfeição, a imanentização falha quando o sujeito acredita que de fato imanentizou a perfeição em sua plenitude. Quando o homem acha que a obra findou, ele finda a sua própria vida. Isso decorre do fato de que a perfeição do homem é buscar perfectibilizar-se. O homem espiritualmente realiza-se na perfectibilização e acaba por não se realizar na crença de perfeição. Aquele que crê que o homem é perfeito e pode ter uma obra perfeita só pode ser um demiurgador. O fenômeno que se encontrou na crença da ciência é um fenômeno de uma mentalidade demiurgica.


Creio que podemos ter em vista dois ideais de imanentizações: a imanentização perfeita e a imanentização perfectível. A imanentização perfeita é uma imanentização que se crê como a realização do ideal de forma plena, ela é uma imanentização que não aceita ser questionada e que acredita que todos estão errados frente a ela, pois ela é perfeita. A imanentização perfectível é aquilo que chamamos de transparência, ou seja, uma tentativa de unir o transcendental com o imanente; nessa configuração de pensamento encontra-se uma chave para a realização da consubstanciação entre o real e o ideal: a vida é uma luta para unir os dois mundos, transcendental e imanente, sem se confundir o mundo numa visão fechada de imanência ou de transcendência. Os dois polos tentam se unem num homem que quer conciliar os dois mundos. Se bem que imanentização perfectível me soa completamente idiota, mas não estou com saco de corrigir isso. Então chamar-lhe-ei meramente de transparência ou expressão.


Há também o hedofarisaísmo. Essa configuração de farisaísmo dá-se da união entre uma satisfação primária ou rasa e superficial de algo conjuntamente a uma ideia de que essa satisfação precária é a própria realização do objeto em si sem qualquer diferenciação de escala qualitativa – ou seja, o grandioso favelado mental, que confunde o seu pensar periférico com uma grande forma de pensamento. O hedofariseu é alguém medíocre que pensa ser o auge de algo na plenitude de sua mediocridade. O hedofarisaísmo é, propriamente, a condição de uma grande parte da esquerda nacional que se acha além da mediocridade: eles nunca ultrapassaram a barreira do medíocre. O ataque a vocação aristocrática só pode gerar no Brasil uma mentalidade hedofarisaica, sobretudo naqueles que creem piamente no ideal.


Poderia também falar da esquerda que confunde a própria complexidade teórica de seu pensamento com o objeto analisado. O fato de alguém conseguir utilizar Karl Marx para interpretar a Valesca Popozuda não a torna tão complexa quanto Marx, só que para uma esquerda que já perdeu o senso comum há anos, essa simples constatação ululante não é observável.

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