quinta-feira, 27 de junho de 2024

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 4)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

Em que se fundamenta a imagem do Drácula e a sua contraposição ao Alucard? A imagem do Drácula é a imagem de um vampiro que crê na superioridade da "raça" vampírica e menospreza a "raça" humana. Já a imagem de Alucard é a de um semi-vampiro (dampiro), que carrega contradições, sendo metade humano e metade vampiro, todavia a sua força reside no fato de que é filho do maior vampiro da história. Ao mesmo tempo em que vê uma bondade nos humanos e uma maldade nos vampiros, tal fato lhe encarrega duma autocontradição vinda duma autopercepção negativa. Alucard está ao lado dos humanos – em vez de estar com o seu pai – para condenar algo que também é parte da sua própria natureza. Algo que, inclusive, deve alimentar e fortalecer para condenar. Essa marca, embora não muito explorada, aparece latentemente.

O Drácula representa a figura de um vampiro clássico, vítima da circunstância da sua própria natureza corrompido. Quando Drácula aparece no começo que é contradictoriamente o fim, visto que o conflito com o Drácula é o fim, temos a alegação de que a humanidade sempre busca a dominação dos seus semelhantes por meio da geração de um conflito que geralmente leva a possível destruição da própria humanidade. Não só o vampiro, como igualmente o homem é vítima da própria natureza. O homem busca um poder que, no fim, será usado para a sua própria escravidão. Nesse ponto, o Drácula pode ser encontrado como uma analogia ao "inferno da história", isto é, tudo aquilo que é idealizado fortemente numa época (ideologia, religião, ciência, descentralização, centralização, liberdade, segurança) torna-se prontamente a escravidão em outra época.

Esse conflito existencial é a fonte do ataque de Drácula: não é o próprio Drácula que ressuscita, de tempos em tempos, sozinho. É a própria humanidade que não consegue viver sem acreditar no pleno domínio e no pleno poder. Para justificar o seu poder, cria de tempos em tempos "encarnações malignas do Drácula" – cada geração tem o Drácula da sua história e é vítima do seu próprio Drácula – para adquirir o que quer e, então, é condenada pelo próprio anseio que legitimou. Talvez se pode dizer que o Drácula é o próprio anseio perverso do homem pelo poder e é por isso que aparece e reaparece historicamente em cada período com uma nova face.

Alucard, por sua vez, representa a dualidade humana: ele tem algo de "muito bom" e algo de "muito mal". A sua natureza humana e a sua natureza vampírica. Ele precisa, nesse paradoxo existencial que é colocado contra a própria vontade, evoluir em sua natureza vampírica (maligna) ao mesmo tempo em que mantém a humanidade. Defender a humanidade é defender quem matou a sua mãe, visto que é revelado que ela foi crucificada. Essa experiência poderia muito bem colocá-lo na própria disposição de ajudar o seu pai ou se tornar ele mesmo o próprio Drácula. Tudo estava encaixado para isso, mas foi a sua retidão moral que o fez não ceder diante desse conflito. Todavia também é a retidão moral que faz reconhecer que existe um mal dentro de si e que os milagres que opera são realizados a partir da utilização desse próprio mal. Tal correlação é extremamente tensional e o "custo da liberdade é a eterna vigilância".

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 3)

 



Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

Qual seria a ambientação que o Castlevania tem? Em suas mecânicas, temos um excelente jogo de plataforma que lembra bastante o Mario, mas não é só isso. Se falarmos de sua estética, a produção lembra bastante a literatura e a cultura geral horror. A sua música, por sua vez, apresenta algo mais agitado, se furtando a típica ambientação sonora do horror. Por outro lado, o desenvolvimento do personagem que se dá gradualmente lembram as mecânicas de um jogo RPG. A forma em que o mapa se altera e depende de elementos predecessores lembra as mecânicas de Metroid.


Castlevania representa um universo que se furta a interpretação e inteligibilidade imediata. Ele é uma mescla de conjuntos que escapa ao simples controle e adentra a um território bastante indefinido. Visto que a mesclagem de elementos não é algo sintético, visto que encontra uma harmonia. Pode-se dizer que a síntese está acima do sintético pois a síntese é a perfeita união harmônica entre as partes. Logo, sendo uma síntese, Castlevania só poderia – no período em que foi lançado – ser pensando por si mesmo. Hoje em dia, temos a definição "metroidvania" – gênero criado sobretudo por Super Metroid e Castlevania Symphony of the Night.


Acabo de ler "DICTADURAS MILITARES Y LAS VISIONES DE FUTURO" de Gabriela Gomes (lido em espanhol/Parte 2)

 


O desenvolvimento da "guerra fria" trouxe várias utilizações daquilo que costumo chamar de "guerra secreta", isto é, um amplo espectro de ações tomadas com uma série de objetivos não declarados para a conquista de metas não expostas. Nesse fenômeno chamado "guerra fria", tivemos o enquadramento político de suas super potências que tentavam coordenar ações políticas para o favorecimento de sua visão de mundo e sistema econômico.


Um desses maravilhosos movimentos secretos veio diretamente dos EUA. Uma instituição que existe até hoje é a Hudson Institute. Ela trabalhou amplamente na América Latina e traçou com "governos amigáveis" políticas de desenvolvimento que livrassem a América Latina da esfera de influência soviética. A instabilidade na região se contrapunha aos interesses americanos pois eles sabiam que a instabilidade cria o caos social necessário para o desenvolvimento e ampliação da mentalidade revolucionária. Então asseguraram que a América Latina teria um "rumo adequado" e concordante com as intenções dos Estados Unidos.


É interessante observar que existe uma relutância, seja por parte da esquerda, seja por parte da direita, de reconhecer essas medidas políticas pouco amigáveis que tomaram forma (social-)imperialista nos governos da União Soviética e dos Estados Unidos. Essas interferências demonstravam um pouco apreço pela autodeterminação e soberania de cada povo.

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 2)

 



Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

A fórmula habitual dum Castlevania é: adentre no corpo de um humano, usualmente da família Belmont, pegue a sua "vampire killer" (chicote) e, posteriormente, saia na porrada com toda uma série de monstros inebriantes que ameaçam a existência humana. Symphony of the Night não é, entretanto, a história de um humano superando seus próprios limites para vencer o ser mais forte do universo. A história vai num caminho alternativo: é a de um vampiro utilizando dos poderes que ele mesmo crê como fundamentalmente questionáveis para derrotar o próprio pai. E, para concluir a sua missão, ele mesmo precisa evoluir os poderes vampíricos que ele crê questionáveis. Essa missão, autocontraditória psiquicamente, dá um bom tom ao game.

Não é, todavia, a primeira que Alucard se empenha em derrotar o seu próprio pai. Ele já ajudou nessa tarefa antes, durante o jogo "Castlevania 3". O motivo dele não ter aparecido em outros eventos, foi pelo fato de que ele queria adentrar num sono perpétuo para esquecer de si mesmo e também da sua própria natureza. A dualidade que o Castlevania Symphony of the Night apresentará também é essa: o protagonista fortalece o que mais odeia em si mesmo para derrotar o mal do qual faz parte. Há também o fato de que o protagonista do jogo anterior, Richter, está dentro do castelo e ele é um dos antagonistas do game.

O jogo também faz uma série de referências as inversões. O jogo começa na luta final de Richter contra Drácula, ou seja, começa no fim da fórmula do Castlevania padrão, em que o Drácula é sempre enfrentado por último. O jogo tem um vampiro como protagonista, o que é exatamente o contrário do que se espera, visto que os vampiros representam o maior mal possível em Castlevania. O jogo apresenta um final falso em que o vampiro (Alucard) pode matar um humano (Richter). É o humano Richter, embora manipulado, que controla o castelo do "rei vampiro". É um vampiro que odeia ser vampiro que fortalece seus poderes vampíricos para derrotar o vampirismo. Um castelo reverso aparace se você seguir a linha correta da história e explorar curiosamente os recursos – narrativos e de gameplay – ofertados pelo próprio jogo.


Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 1)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night


O que há de tão interessante em Castlevania? Talvez seja o fato de você lutar contra criaturas malignas e salvar a Terra. Talvez seja porquê é legal chicotear monstros num Castelo Metamorfo. Talvez seja simplesmente porquê violência simulada em um ambiente virtual fantasioso seja divertido. Talvez seja a própria ambientação louca do Castlevania, o fato do Castelo ser a imanentização dos medos da humanidade, do inconsciente de todos que passam e vivem lá, de como ele se altera e adapta conforme o psiquismo humano coletivo e pessoal. De qualquer modo, Castlevania fornece múltiplas possibilidades, não só narrativas, como estéticas, como de gameplay.


A autora estabelece que fará uma distinção: existem dois vampiros centrais dentro do jogo. Um é um semivampiro, o Alucard. O outro é um vampiro muito específico, visto que é o vampiro central e "pai" de todos os outros vampiros, o Drácula. A linha narrativa de cada um desses vampiros segue em linhas opostas. O que demonstra que não há um "modelo universal de vampiridade". Essa contradição já se observa no nome: Alucard é Drácula de trás pra frente. O que significa não só uma coincidência, como uma contradição entre visões de mundo e até mesmo um conflito existencial que se projeta em cada momento do jogo.


O mais interessante disso tudo é o fato de que Alucard tem os mesmos poderes básicos do Drácula. Até porquê ele é filho do próprio Drácula. A questão familiar é bastante interessante, visto que o mais natural seria que o Alucard fosse do "mal" e se aliasse ao próprio pai em sua luta contra a humanidade. Tal não é o caso observado. O que se observa é o conflito entre o rei dos vampiros e o princípe dos vampiros. O jogador encarna e aprende a ser um vampiro pouco a pouco. E essa linha contraditória leva ao próprio Alucard entrar num questionamento existencial: ele é o legado direto do rei dos vampiros e são os poderes vampíricos que ele usa para derrotar o rei dos vampiros. Isso fornece uma tensão que não escapa ao senso de observadores atentos.

Acabo de ler "A Tirania dos Especialistas" de Martim Vasques da Cunha (Parte 6)

 


Embora seja possível encontrar uma imaginação desmedida em setores da direita, usualmente tal tradição de pensamento é encontrada na esquerda. Lembrando do pensamento de Marx que os pensadores não deveriam entender o mundo, mas mudá-lo. O problema é que o mundo é complexo demais para ser "mudado" pura e simplesmente, sobretudo quando essa mudança se dá a nível estrutural por causa de uma conflagração revolucionária.


O que precisa ser compreendido é isso: as ideias da esquerda – acima de tudo, da extrema-esquerda – são experimentais. Se são experimentais é por demasiado arriscado aplicá-las em massa, visto que se trata duma aposta em um teste. Apostar todas as fichas da sociedade em um evento experimental pode ser traumático, já que tudo que foi construído anteriormente pode ser perdido. A questão é que o revolucionário se encontra imerso em sua própria linha de raciocínio, visto que o seu anseio é, antes de tudo, religioso. É evidente que o reacionário também segue essencialmente na mesma linha, todavia ele visa um passado mágico.


A capacidade de analisar a complexidade do real se dá por uma série de dados que escapam ao nosso próprio horizonte de consciência, visto que ele, sendo humano, é delimitado pela característica da contingência. O revolucionário – e também o reacionário – creem impiedosamente que encontraram a verdade (elemento gnóstico de fundo religioso) e, portanto, são iluminados e estão acima da própria capacidade de raciocínio do resto da humanidade, sendo capaz inclusive de julgá-la e conduzi-la para um rumo superior/melhor.


Os dados sempre nos escapam. Eles são como que infinitos. As variedades são inúmeras. As variações incalculáveis. A realidade não se curva ao nosso anseio idealístico. Nossa mente não acompanha os dados constituentes do mundo. A imaginação reacionária e revolucionária querem criar, através da imaginação, uma realidade totalmente curvada aos seus anseios fundamentalmente religiosos. Só que a imaginação que eles têm é vista como onipotente, detentoras de qualidades divinas, que escapa até mesmo a sua própria humanidade.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Acabo de ler "DICTADURAS MILITARES Y LAS VISIONES DE FUTURO" de Gabriela Gomes (lido em espanhol/Parte 1)

 


Chile e Argentina passaram por períodos turbulentos. Esses períodos foram propiciados pelo ambiente inóspito e radicalizado da "Guerra Fria". Para combater a possibilidade duma "revolução comunista", muitos países latino-americanos sofreram golpes militares que propunham uma visão oposta ao regime socialista em vigor na União Soviética. Esse também é o caso do Chile e da Argentina.


No Chile e na Argentina houve a criação da "Doutrina da Segurança Nacional", essa doutrina com tinha uma tentativa de criação de uma "futurologia". Essa "arte" criaria um ambiente propício para uma nação estável e não sujeita a instabilidades em períodos posteriores. Isto é, criaria um ambiente de uma nação que tem estabilidade contínua e não é ameaçada pelas forças do tempo. Essa ideia da criação de um "futuro melhor" norteou as políticas tomadas pelos regimes que então se instalaram e forneceram bases para a sua autolegitimidade.


A ideia de criar uma "nova legalidade" em que os regimes instalados conduziriam pedagogicamente o povo para que esse amadurecesse e pudesse tomar decisões por conta própria não é um capítulo recente da história. Projetos refundacionistas onde o poder é concentrado nas mãos de poucos e esse poucos conduzem o desenvolvimento nacional são capítulos recorrentes na história da humanidade. A questão está na "legitimidade" conquistada através dessa narrativa: a ideia central de que o poder pararia temporariamente nas mãos de tecnocratas iluminados que desenvolveriam o Estado, o povo e a própria infraestrutura em prol dum futuro em que o próprio povo fosse capaz de tomar essas decisões por conta própria.


É evidente que mesmo com isso em mente não havia uma precisão completa nesse arranjo. Os autores desses movimentos não tinham uma unidade doutrinal precisa. Alguns eram mais ligados a ideia de um Estado mais centralizado e dirigente, outros defendiam a iniciativa privada como principal motor da atividade econômica. É evidente que, sobre esse aspecto, existiram lutas internas antes do "programa" ser instalado nesses dois países.