quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Acabo de ler "The Agony of the American Left" de Christopher Lasch (lido em inglês/Parte 2)

 


O movimento socialista nos Estados Unidos, ao contrário do que inicialmente se espera, foi bem amplo e bem sucedido por um bom período de tempo. O movimento socialista estadounidense tinha, inclusive, uma série de tendências em um debate aberto.


A união socialista, em suas várias tendências, começou a se desunir quando os americanos testemunharam os estrondos da Revolução Russa. Ali também se percebeu a adesão dos "sociais democratas" ao sistema, o que se considerou uma traição ao movimento dos trabalhadores. Dali em diante, haveria aqueles que seriam mais radicais – propondo uma revolução – e aqueles que seriam menos radicais – propondo uma reforma.


Esse movimento seccionista acaba levando a uma perda. Essa perda é a da unidade do movimento socialista. A ausência dessa unidade não levou a uma força maior de um dos grupos (revolucionários ou reformistas), mas sim a ausência de presença e protagonismo político. Isto é, o movimento socialista se tornou marginal e pouco comum ao americano médio.


Outro problema pairou a vista: a mensagem socialista se restringiu ao trabalhador pobre e a classe média intelectual, enquanto o nacionalismo negro se tornou comum no gueto. Fora isso, o movimento socialista não gostava dos intelectuais por esses serem usualmente de classe média. A fracionalidade implicou em ausência de soma para conquista de poder.


A questão se complicou ainda mais: o marxismo se tornou apenas um método de análise e crítica social. Ele não penetrou na cultura estadounidense. Se tornou meramente uma forma de distintos intelectuais analisarem a sociedade enquanto estavam deitados na sua própria solidão. Essa incapacidade dialógica com o restante da sociedade tornou o marxismo estadounidense incapaz de fazer valer as teses marxistas na sociedade.


Os intelectuais marxistas – e também os outros socialistas – nos Estados Unidos, além de serem isolados, não conseguiram criar uma teoria social consistente e nem dispunham de meios de realização política efetiva. Essa era a dupla fraqueza da esquerda americana: incapacidade teórica e social. Em adição a isso: as tensões raciais ainda imperavam nas discussões e houve uma queda de confiança em relação a União Soviética e os seus rumos revolucionários.


Existiram, todavia, várias influências notáveis do movimento socialista na história americana: a exposição da brutalidade stalinista, a introdução dos trabalhos centrais da literatura européia e a criação de uma arte radical. A exposição da brutalidade stalinista levou a uma busca por respostas mais parciais, isto é, uma política mais reformista. O perigo que as ideias radicais – mudanças estruturais na sociedade – poderiam causar levaram a um movimento político mais brando e menos otimista para com grandes abstrações. O movimento não precisa de intelectuais alienados, mas de mudanças concretas para pessoas concretas.

Acabo de ler "The Agony of the American Left" de Christopher Lasch (lido em inglês/Parte 1)



Estamos numa crise sem precedentes? Essa questão é trabalhada por Christopher Lasch ao analisar a então surgente esquerda pós-moderna. Processo fenomenológico ao qual ele chamou de "deserção dos intelectuais". A distância entre as gerações parecia ser muito maior do que em outras eras. É como se, de repente, um abismo se cravasse de uma geração para outra. Além disso, o fenômeno de radicalização – um pouco estranho a história americana – se tornou, a cada dia, um lugar cada vez mais comum.


A sociedade americana foi vivendo diversas crises. A pobreza se espalhou pelas massas. E várias pessoas se viram não integradas as riquezas criadas pela sociedade norte-americanos. Essa ausência de integração causou uma espécie de ressentimento em massa. Ajudando, enfim, ao processo de radicalização da sociedade americana. As pessoas que já não integravam a sociedade industrial não se integrariam também a sociedade pós-industrial. Essa lacunaridade se tornaria uma "ferida aberta na veia da sociedade estadounidense".


O movimento que vai contra o corporativismo capitalista nos Estados Unidos tem várias faces e vários grupos. Poderia ser mais enquadrado no populismo e no socialismo – convergentes em alguns pontos histórico, mas não inteiramente iguais –, ganha força em grupos distintos como universitários, proletários, negros e imigrantes.


O movimento populista – nos Estados Unidos da América – se distingue do movimento socialista. Os populistas creem na descentralização, desconfiam da burocracia estatal, além de uma ligação com a agricultura. Já o movimento socialista quer a sociedade industrial reorganizada, acredita no poder do Estado e na centralização – não todos, mas a maioria.


A questão discutida é: quem é o responsável por essas distorções que levam pessoas a ficarem a margem do sistema? Se as classes tem um autointeresse na condução econômica, conforme o pensamento marxista, é evidente que ela busca uma solução mais vantajosa para ela enquanto portadora de um privilégio estrutural. Logo a ideologia burguesa nada mais é do que uma forma de fortalecer o poder dominante da própria burguesia. Os populistas veriam de outra forma essa questão, existem pontuações em relação as situações sociais, culturais e até psicológicas. O sistema permaneceria intacto só ao acomodar essas questões.


Em momentos anteriores da sociedade americana, o movimento populista e o movimento socialista colapsaram – se não em nosso momento, ao menos naquele momento em que Christopher Lasch analisava. Eles não conseguiram se fortalecer o suficiente para fazer valer os seus interesses. Não só não chegaram a hegemonia, como cessaram de serem forças históricas transformadoras.


O movimento populista foi sendo substituído na medida em que o capitalismo industrial ia transformando as forças econômicas dos Estados Unidos. Se o movimento populista se baseava muito em questões dos camponeses e a principal força se tornou o proletariado industrial, a principal base do populismo – agrária – não teve forças para se estabelecer como movimento hegemônico. Ademais, o desenvolvimento contínuo da industrialização monopoliza o saber para determinados grupos que cresciam em poder. Seria muito difícil que pequeños grupos agrários pudessem fazer frente a esse poder e a essa produtividade. Em outras palavras, os inimigos já eram poderosos demais para serem derrotados por um grupo pequeno e fraco.


Um dos planos para revitalizar o populismo foi a maior união entre diferentes grupos e um contato maior com os intelectuais. Numa sociedade marcada pela segregação racial, tal união se tornaria mais difícil e o seu processo seria mais delicado. Já era difícil fazer com que os trabalhadores aceitassem migrantes, como fazer com que aceitassem negros? Um processo lento, diga-se de passagem.


Saindo das questões raciais e indo em direção as sugestões de gênero, embarcamos no feminismo. O que se esperava da mulher? Que ela fosse bonita e bem cuidada para que encontrasse um bom marido. Ou seja, que valorizasse a si mesma enquanto produto para ser vendida para um bom homem. A "mulher ideal" não era mais do que uma "prostituta" que era vendida uma única vez. A mulher não podia ter uma liberdade e uma autossuficiência tal como o homem podia. Ela era um ser privado de liberdade e sujeitado ao gênero oposto.


Todos esses movimentos foram crescendo e se ajustando com o tempo, seus líderes/representantes foram sendo eleitos e, a partir de suas eleições, começaram a perder a sua criticidade e capacidade de ver a sociedade americana como injusta. O que foi gerando uma sociedade desintegrada e representantes alheios aos interesses de suas próprias comunidades iniciais. Além disso, vários grupos careciam de voz audível, dentre os quais os negros. Esses grupos marginalizados tiveram as suas pautas esquecidas.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Acabo de ler "Teologia do Domínio" de Eliseu Pereira (Parte 7 - Final)

 


Nome:

TEOLOGIA DO DOMÍNIO: UMA CHAVE DE INTERPRETAÇÃO DA RELAÇÃO EVANGÉLICO-POLÍTICA DO BOLSONARISMO


Autor:

Eliseu Pereira


Creio que descobrimos, tarde demais, a triste ligação do movimento evangélico brasileiro com a Teologia do Domínio. Por mais que, nessa altura do campeonato, queiramos mudar alguma coisa, o poder evangélico é crescente e sobe até mesmo quando setores progressistas da sociedade estão no poder.


Como observado no artigo:

Embora a história da formação dos EUA seja distinta da brasileira, a maioria das igrejas protestantes e evangélicas no Brasil é de origem estadunidense, o que cria vínculo teológico-ideológico entre as igrejas de ambos os países. Essa influência pode ser observada desde o início, como, por exemplo, o envolvimento dos evangélicos brasileiros na luta pela Proclamação da República e pela liberdade religiosa, contra a religião oficial do Império. Os ideais políticos dos EUA já se apresentavam como vantajosos para os evangélicos nativos.


Foi graças a integração entre evangélicos norte-americanos e evangélicos brasileiros que esse último grupo chegou ao protagonismo político. Os anseios de evangélicos norte-americanos para com o Brasil é bem longo e seu projeto no território nacional possui um passado longínquo. Todavia apenas em tempos recentes eles conseguiram estabelecer um poder político notório que muito dificilmente acabará.


A Teologia do Domínio não faz distinção entre o velho testamento e o novo testamento. A aplicação da Bíblia deve assumir uma postura literal. E muitos evangélicos brasileiros creem que estão numa cruzada do bem contra o mal. A derrota de Donald Trump, nos Estados Unidos, Bolsonaro, no Brasil, não demonstram que a Teologia do Domínio foi derrotada em solo americano e brasileiro, mas que estão diante de um pequeno impasse histórico a ser superado.


A ideia de teonomia é, também, uma questão escorregadia. Garantir uma minimização do Estado para que os cristãos tomem poder parece uma ideia boa a curto prazo para determinados grupos cristãos, mas como eles podem prevenir que outros grupos atuem livremente dentro de suas propriedades privadas? Só um crescente poder estatal é capaz de fazer cumprir os anseios teocráticos de reprimir os adversários da Teologia do Domínio.


A Teologia do Domínio, apesar de abarcar distintas visões cristãs, não é capaz de assegurar essa "liberdade" que alguns setores cristãos querem. Ela logo implicaria uma unidade doutrinal entre os cristãos, sobretudo quando estes assumirem de vez o poder do Estado e precisarem dele para reprimir os seus opositores. Logo a liberdade de culto não seria possível, visto que essa se sujeitaria a Teologia do Domínio em todas as igrejas.


Ninguém assume explicitamente a Teologia do Domínio. Seus defensores não professam os seus planos. Corremos risco de ver processos de desdemocratização consubstanciados com processos de teocratização. Como ninguém quer encarar essa "maioria crescente" – optando até por fortalecer o seu poder de tempos em tempos –, o Brasil – e os Estados Unidos – corre um forte risco.

Acabo de ler "Teologia do Domínio" de Eliseu Pereira (Parte 6)

 


Nome:

TEOLOGIA DO DOMÍNIO: UMA CHAVE DE INTERPRETAÇÃO DA RELAÇÃO EVANGÉLICO-POLÍTICA DO BOLSONARISMO


Autor:

Eliseu Pereira


“O Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias” (Jair Messias Bolsonaro)


A ideia de que uma maioria cristã pode colocar "leis compatíveis com as suas crenças" é bastante falha. Em primeiro lugar, não há uma unidade doutrinal dos cristãos brasileiros. Em segundo lugar, isso feriria a própria laicidade do Estado. Em terceiro lugar, isso fere o Brasil enquanto país plural. Em quarto lugar, os não-cristãos seriam oprimidos por uma maioria.


O objetivo dos evangélicos no Brasil é colocado numa frase bastante esclarecedora:


“Eles desejam ‘restabelecer’, por meio da conversão individual, da inculcação da moral cristã, do uso da mídia e da participação direta nos poderes políticos constituídos, uma espécie de neocristandade, a dominação cristã do Estado e da vida privada” (Mariano)


O objetivo de construir uma nação evangélica e construir uma neocristandade é um objetivo totalitário. O maior inimigo dos humanistas e democratas no Brasil não é, como muitos creem ser, o fascismo ou nazismo. Esses grupos (fascistas e nazistas) são meramente minoritários e estão perdidos em algumas células de radicalidade. Não entram na maioria da população. Se há um inimigo poderoso o suficiente para arrombar as portas do Estado e remodelar o país num projeto totalitário, esse inimigo seria a Teologia do Domínio.


A Teologia do Domínio se utiliza do chamado "cristianismo cultural". Essa "cultura cristã" se oporia radicalmente aos seus "inimigos mais notórios". Esses inimigos notórios seriam humanistas e comunistas. Entram aí uma série de movimentos que estariam travando a cristianização total da sociedade. Para vencer, se faria necessário uma frente que atacasse os inimigos da "civilização judaico-cristã". É evidente que entre eles estariam LGBTs, comunistas, liberais, sociais-democratas, conservadores céticos e tantos outros.


O Estado seria pouco a pouco dissolvido e em seu lugar o poder seria distribuído a uma série de igrejas que desempenhariam o antigo papel do Estado. A minimalização do Estado se daria em paralelo a maximização das igrejas cristãs em poder e influência política. Logo a velha questão teológica (poder espiritual e poder temporal) seria "resolvida" com as igrejas assumindo o poder temporal.


As ideias da Teologia do Domínio são socialmente complicadas. Uma série de grupos se veriam ameaçados pelo seu poder crescente. Só as ideias de teocracia já ameaçam o Estado Democrático de Direito, criminalizando a própria noção de que a democracia se faz com diferentes ideias. Calar as diferentes ideias é uma forma de calar a própria possibilidade de democracia. Além dessa problemática, nos separamos com o fato de que as igrejas assumiriam o poder ao lado de um patriarcado. O patriarcado é uma ameaça as mulheres e aos seus direitos e liberdades. Com o antagonismo crescente de cristãos e LGBTs, vemos também uma ameaça a minorias de gênero e sexualidade.

Acabo de ler "Teologia do Domínio" de Eliseu Pereira (Parte 5)


 Nome:

TEOLOGIA DO DOMÍNIO: UMA CHAVE DE INTERPRETAÇÃO DA RELAÇÃO EVANGÉLICO-POLÍTICA DO BOLSONARISMO


Autor:

Eliseu Pereira


As características da Teologia do Domínio são: nacionalismo cristão, supremacia religiosa e visão teocrática. Nada disso rima muito bem com o espírito da constituição americana ou brasileira, todavia é bastante comum ver gente – muito intolerante, por sinal – defendendo essas medidas teocratizantes nos EUA e no Brasil.


O Brasil tem um fenômeno de dependência teológica dos EUA, sobretudo no que tange ao movimento neopentecostal. Dentre aquelas que se destacaram no uso da Teologia do Domínio, se encontra a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus). Os encontros de formação levaram um grande contato entre os evangélicos brasileiros e os evangélicos americanos, preparando o terreno para eleição de Jair Messias Bolsonaro.


As preocupações da Teologia do Domínio no Brasil são "altas". O antagonismo entre a Teologia do Domínio e os LGBTs é algo historicamente relevante. Também há a luta contra qualquer advento da cultura humanista e, é claro, a velha ladainha anticomunista. Apesar de que, no Brasil, se use mais o termo "comunista" em vez de "humanista" para atacar qualquer pauta humanista, mesmo que essa pauta venha de grupos liberais.


Uma das principais beneficiadas da Teologia do Domínio foi a Damares Alves. Até aquele momento, Damares era uma política de baixo clero. Durante o governo Bolsonaro, Damares tornou-se protagonista de uma série de questões políticas. Suas frases sobre gênero e sexualidade – uma defesa heteronormativa – se tornaram bastante comuns e ressoaram numa série de debates públicos.


É estranho observar que várias igrejas, inicialmente desarmônicas e com objetivos distintos, cederam a un projeto político comum. A unificação ecumênica do projeto de poder só poderia demonstrar que ter poder e se fortalecer é mais importante do que as questões religiosas – ou de "mercado" – propriamente ditas. Trump promoveu os desejos evangélicos americanos na América Latina, Bolsonaro foi um representante orgânico das pautas da Teologia da Domínio.

Acabo de ler "Teologia do Domínio" de Eliseu Pereira (Parte 4)

 


Nome:

TEOLOGIA DO DOMÍNIO: UMA CHAVE DE INTERPRETAÇÃO DA RELAÇÃO EVANGÉLICO-POLÍTICA DO BOLSONARISMO


Autor:

Eliseu Pereira


Esse artigo responde uma pergunta: quando se deu a aproximação do partido republicano para com o público evangélico? Em 1964, o Partido Republicano (PR) sofreu uma das maiores derrotas da sua história. Para resolver essa questão – num país onde o voto não é obrigatório – um dos públicos a serem conquistados era o dos evangélicos. A conveniência uniu o PR (Partido República) e a TD (Teologia da Dominação).


O plano teocrático teria os seguintes objetivos:

“para tornar ‘todo pensamento cativo a Cristo’; exercer domínio sobre todos os aspectos da vida; e fazer com que a família, a igreja e o governo civil estejam em conformidade com os ditames da lei bíblica”


O leitor ou a leitora devem estar se perguntando qual seria a base que fundamentou esse revés histórico de cristianização da política. A base seria a suposta "decadência moral" dos Estados Unidos da América. Essa "decadência moral" estaria ligada aos avanços dos comunistas e humanistas.


Com um período longo de formação de base – envolvendo vários think tanks –, Ronald Reagan foi eleito e reeleito. Além disso, o senado americano conseguiu a maioria republicana. Com Ronald Reagan, empossado pelos anseios evangélicos, a política neoliberal tomou forma. O que demonstra, mais uma vez, a fusão entre neoliberalismo e teologia do domínio.


A Teologia do Domínio conseguiu estabelecer alguns presidentes nos EUA: Ronald Reagan, George W. Bush e Donald Trump. Esse último, por sua vez, criou institutos para promover os interesses dos Estados Unidos e de Israel na América Latina: "Latino Coalition for Israel". O que demonstra que os interesses da Teologia do Domínio foram exportados para cá. Não é incomum que pastores norte-americanos venham para ministrar cursos aos pastores brasileiros.


O lobby evangélico tampouco precisa ganhar as eleições presidenciais para fazer valer a sua vontade. Pode muito bem avançar em setores menores: governos estaduais, câmeras legislativas e tribunais. Além disso, ocupam setores educacionais, censuram livros e obras de arte. A Teologia do Domínio é exportada para países do hemisfério sul.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Acabo de ler "Teologia do Domínio" de Eliseu Pereira (Parte 3)

 


Nome:

TEOLOGIA DO DOMÍNIO: UMA CHAVE DE INTERPRETAÇÃO DA RELAÇÃO EVANGÉLICO-POLÍTICA DO BOLSONARISMO


Autor:

Eliseu Pereira


"os seres humanos são essencialmente religiosos, dependentes de Deus e não seres racionais independentes"


A ideia de que o homem não é livre, mas simplesmente um objeto a ser condicionado é um tanto problemática. Existe diferença entre ser um "ser" e um "objeto-a-ser-condicionado". A liberdade, por assim dizer, não existiria. O que existiria seriam objetos. E esses objetos precisam ser condicionados, destituídos de qualquer propósito que escape aos planos do "Criador".


O plano reconstrucionista é o de criar uma fábrica de seres condicionados pela teonomia (leis de Deus). Incapazes de cumprirem qualquer outra coisa ou de terem liberdade atitudinal. Para tal, requerem até mesmo a diminuição do Estado e o aumento gradativo da igreja em todos os setores da vida. Além desses condicionamentos, existe outra problemática no meio: a defesa da servidão para o pagamento de dívidas e pena de morte por apedrejamento.


O plano de reconstrução do patriarcado é bastante claro. A raíz reacionária bastante precisa. O retorno a essa "sociedade cristã primordial" – o passado glorioso – requer o sacrifício até mesmo daqueles que seriam vistos, por muitos intelectuais vulgares, como aliados do plano. Se não fosse isso, não haveria uma citação clara contra os conservadores:


“Todos os lados do espectro humanista são agora, em princípio, demoníacos; comunistas e conservadores, anarquistas e socialistas, fascistas e republicanos” (RUSHDOONY, 2010, p. 236).


O tipo de plano que se estabelece por esses teóricos, e seus seguidores políticos nos EUA e na América Latina, é um retrocesso enorme em toda a argumentação que se vem desenvolvido ao longo dos anos. Se as ideias chegarem ao ponto de se realizarem, o que ocorrerá a partir daí é a repressão sistemática de qualquer oposição política e/ou religiosa aos cristãos dominionistas. Tal como aparece como pressuposto no seguinte argumento:


"Todo mundo fala sobre liberdade religiosa, mas ninguém acredita. Portanto, sejamos francos sobre isso: devemos usar a doutrina da liberdade religiosa para ganhar independência para as escolas cristãs até alcançarmos uma geração de pessoas que sabe que não existe neutralidade religiosa, lei neutra, educação neutra e governo civil neutro. Então, eles se ocuparão na construção de uma ordem social, política e religiosa baseada na Bíblia que finalmente nega a liberdade religiosa dos inimigos de Deus"


A liberdade de investigação e de pensamento tem sido, durante um bom tempo, o motor do progresso. Não há como garantir o bem-estar social – a melhora contínua dos padrões de vida – sem essa mesma liberdade. O condicionamento contínuo leva a um padrão fixo que impede o desenvolvimento, visto que muitas vezes o desenvolvimento está atrelado a síntese entre diferentes componentes que só são perceptíveis por diferentes grupos e pessoas.