quarta-feira, 16 de março de 2022

Acabo de ler "Homens sem Mulheres" de Haruki Murakami



Ler Haruki Murakami é sempre uma tarefa grata. O autor, já indicado ao prêmio Nobel de literatura, é simplesmente um gênio inigualável que goza de um estilo potente, sobretudo no aspecto subjetivo.

O livro conta com uma série de contos de homens que não têm mulheres. Não no sentido que não possuam nenhuma relação social, sexual ou romântica com mulheres. É no sentido de que o relacionamento não entra num tom mais perpétuo, num "relacionamento mais sério" (não, não vou entrar na polêmica do relacionamento aberto ou poliamor). Se questiona sobre o casamento, casar ou não tem a ver com isso, só que não inteiramente. De qualquer modo, são homens que não possuem um relacionamento muito estável.

Talvez o livro vá de encontro com a vida pós-moderna ou líquida, já que o termo modernidade líquida não é o mesmo que "pós-moderno" (esse pressupõe superação da modernidade). Ele vai de encontro com as relações de hoje: sempre mutáveis, com poucos laços duradouros e condições de "fidelidade única". Não poderia ser diferente, é um retrato das relações contemporâneas, de nossa sociedade - aqui sem nenhum juízo de valor do relacionamento ideal ou normativo ou o que quer que seja.

É impossível ler sem sentir nada, já que tudo em Haruki Murakami é descrito com uma subjetividade. Essa subjetividade que nos assombra ou nos encanta é o principal aspecto desse grande autor. Eu não deixei de sentir em nenhum momento, Haruki Murakami me prendeu a cada conto e cada um entregou uma sensação diferente, mesmo que a experiência central (homens sem mulheres) permanecesse a mesma.

Acabo de ler "As Crônicas de Nárnia Vol. 1: O Sobrinho do Mago" de C. S. Lewis

 



"— Riam sem temor, criaturas. Agora, que perderam a mudez e ganharam o espírito, não são obrigados a manter sempre a gravidade. Pois também o humor, e não só a justiça, mora na palavra" (Aslam).
Apesar da aparente simplicidade, o livro é bastante complexo e, como não haveria deixar de ser, esconde uma "mensagem cristã criptografada". O livro tem uma lição moral que quer conduzir o jovem leitor - ou o "velho leitor", como em meu caso - para um entendimento cristão de mundo.
Por um lado, o livro apresenta um conflito quase que cósmico entre uma figura de uma rainha de gelo (Jadis) contra um Leão bem próximo ao fogo (Aslam). Jadis representa não só a figura de Satã, mas bem simboliza a idolatria e o Estado-Deus. Jadis é tirânica e se julga além de qualquer coisa "fortuita" como as emoções e ambições humanas. Já Aslam crê na liberdade, não por acaso uma de suas frases, citada bem no começo, fala sobre o riso e a liberdade de rir. Aslam não se impõe, mesmo sendo imponente, pois crê na liberdade. A salvação traz não somente o paraíso da ausência de escassez, também traz o paraíso do sorriso e do riso. Aslam, tal como Verbo Divino (Jesus Cristo), produz um mundo pelo seu canto majestoso ("no princípio era o verbo", já dizia a Bíblia). Já Jadis representa a gravidade, onde toda ação tem um preço e tudo se correlaciona a um poder gravitacional - lógica da escassez, diferente do paraíso.

André, tio do protagonista, mexe com algo que não sabe e acaba por trazer o mal para a Terra. Digory e Polly, nossas duas crianças, em sua pureza, vão acabar por impedir o mal. As ambições de André, o feiticeiro, acabam dando errado e ele acaba por descobrir que o mal é sempre ligado numa lógica dura, numa lógica de coração de pedra em que a ambição do mais forte recai sobre o mais fraco e o mais fraco se curva - diferentemente do bem, movimento pela graça, que ama todas as criaturas em igualdade e as ela quer bem, não por algo prévio e sim pelo amor. De tal modo, Aslam (figura cristã) é o amor e Jadis (figura satânica) quer só o próprio benefício, abusando dos mais fracos. Simples, mas complexo.

quinta-feira, 3 de março de 2022

Zumbis

 


Quando criança, eu já sabia. Eles um dia estariam lá. Não só pelas ruas, estariam nos metrôs e nos trens que se conectam com toda uma rede de locais que são pórticos de esperança. Não tardaria para que eles vissem, para que eles me cobrassem a tarifa da existência. Ignorei-os pelo fato de que achava que nada podia macular a minha integridade. A infância é sempre ditada pela tolice duma esperança ingênua e logo soube meu lugar no mundo: ou a vida zumbi que dilacera a carne do próximo na esperança que ele se adeque na solidão de seu corpo ou o suicídio idealista que a alma elava, já que no corpo não mais a contém.

Eu sempre soube que eles estariam também estariam nas linhas de trem. Caminhavam em seu sofrimento eterno. Condenados a comer a carne humana, condenados a destruir seus iguais e igualá-los em sua maldição. Crianças, adolescentes, adultos e velhos - nem mais crianças e adolescentes podiam se livrar do jugo da existência cadavérica. Todos deveriam caminhar zumbificados por todos os lugares, sempre e em todo lugar. Logo, nada diferentes do usual, nada diferentes dos seres humanos normais. E nada mais normal que a escravidão. Humanos, demasiadamente humanos, imersos em lodaçais de normas sem fim. Buscando um emprego prum sustento precário. Buscando o básico, o imanente, o nauseante nauseabundado.

Inicialmente desejei sobreviver, eu acreditei que era natural que o Sol se fizesse presente num novo alvorecer. Triste ilusão. A verdade é que o ideal sempre esmaga o real. Às vezes a gente aprende, por outras não. Por vezes só queremos acreditar que o mundo é burlável e que a alma é imortal - crença antiga e reacionária, portanto revolucionária para os parâmetros de hoje.


A noite aqui é sempre fim. Ela é sem fim, mas a Lua é sempre sem gosto. A Lua aqui nunca é mística e não há boêmia no amanhacer. Agora a rotina era mais que a rotina, a rotina era sem transcendência. Agora a rotina era utilitária sem a divindade da inutilidade que encanta a vida e o que objetivo da vida encerra. Era uma noite apolínea sem a dialética dionisíaca. Agora só era só isso, matar ou morrer. Infelizmente, viver não era viver. Infelizmente, viver só era sobreviver. Humanos tornam-se cruéis sem a domesticação da tirania, tão logo que se perde a elevada civilização, perde-se de igual modo a sobriedade da ideação corretamente ordenada. Não são agora só os zumbis problemáticos, são os estupradores, ladrões e aqueles que se fanatizaram pelo gosto pelo sangue, pelo gosto pela morte. Num mundo assim, do que adianta ainda viver? Viver aqui é inatural, já que tirando o sobrenatural do natural, sobra-se tão somente o inatural.

Eu escolhi. Escolhi tristemente, mas escolhi. Escolhi que fugiria dos zumbis na espera do próximo trem. Nesse trem, arquétipo da salvação da alma, entregar-me-ei de corpo para que salve a minha alma. Eu tinha que fugir dos zumbis. Eu tinha que fugir até de mim mesmo. Tinha que sair da cela não tão monástica de meu corpo. A cada dia, eles andavam lentamente ao meu lado. A cada dia, imploravam para que com eles eu caminhasse. Eles andavam sempre vagarosamente, o que era mais detestável era o cheiro. Cheiro cadavérico e distante de todo sonho. Cheiro de zumbi, conquanto cheiro de mim. Cheiro que só sobrevive e não vive. Alguns sem olhos, outros com tripas de fora. De tanto ao lado deles caminhar, cheiro deles já era cheiro meu.

 Quem eu sou? Eu sou o Hipo Cristo justificado, já que fui também crucificado. Um falso cristo, um cristo sem santidade. Cristo esse que tinha sonhos tão proféticos quanto o verdadeiro Cristo. Cristo esse tão crucificado quanto o próprio Cristo. A brutal diferença era que eu não tinha deidade e nem minha morte remia o mal do mundo, mas por ele era condenado. Adequei-me a cada dor. Aprendi com cada qual em seu ódio sem ódio. Com cada qual o ódio mortal, com cada qual o pior tipo de ódio, com cada qual o ódio realizado que matou o realizador. Eu não quero ser um zumbi, eu quero ser o ser amado e o ser que ama. Não quero ser encerrado num corpo que já não tem alma ou espírito, não quero ser um zumbi ou, mais precisamente, não quero ser um cidadão líquido duma pós-modernidade. Não quero, como eles, ser encerrado em um corpo desalmado, como num dia triste sem fim.



quarta-feira, 2 de março de 2022

Acabo de zerar "The Legend of Zelda: Twilight Princess" no GameCube (no Wii)

 



Esse é certamente o jogo mais difícil que eu zerei. E valeu cada segundo. O jogo é simplesmente uma obra de arte que usa todo poder do GameCube - sim, optei pela versão de GameCube, já que ela é mais difícil e o jogo foi criado originalmente nela. E se o jogo queria dar uma despedida honrosa ao nosso querido console em formato de cubo, esse foi o melhor enterro da história dos consoles.

Pra começar, esse Zelda é o mais sombrio de todos. Há quem pensa que trevas e Nintendo não combinem, mas esse jogo existe para provar o contrário. O aspecto sombrio, a ideia de viver num mundo imerso nas trevas, o tom maturo da história, as transformações em lobo, um mundo totalmente fragmentado pelo poder do mal... esse é um Zelda simplesmente único. Difícil acreditar que veio depois do infantil Wind Waker.

A frase da Zelda, no final do jogo, é simplesmente fantástica: "Luz e sombras são as duas faces da mesma moeda. Uma não pode viver sem a outra". O mundo das trevas e o mundo da luz só são ruins quando desarmônicos, na retidão são dialeticamente necessários. Ganondorf não é o mal por ser das trevas, mas por ser desequilibrado. A missão de Link nessa obra é restaurar o mundo em seu equilíbrio, não destruir as trevas. E a verdadeira representante das trevas, Midna, é uma pessoa boa. O desequilíbrio é o erro.

Sem dúvidas é um dos mais belos jogos que joguei. Como foi extremamente difícil, lembrar-me-ei dele como uma eterna conquista. Uma verdadeira obra de arte.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Acabo de ler "Harry Potter e a criança amaldiçoada" de J. K. Rowling, Jack Thorne & John Tiffany

 



"HARRY: Esses nomes que você tem não deveriam ser um fardo. Alvo Dumbledoree Severo Snape teve seus momentos também. ALVO: Eram bons homens. 
HARRY: Eram grandes homens, com grandes falhas. E elas, quase os fizeram ainda maiores."

Esse livro é como uma pack de extensão. Apresenta um universo já rico e trabalha com esse universo. Embora o formato de texto teatral não seja o mais adequado em minha visão. Mesmo sendo uma adição, quiçá interessante, faltou o mesmo gosto dos livros anteriores. Dá-se então o estranho gosto de fan service. Só que a curiosidade para com essa adição é muito bem respondida em alguns pontos.

Quando Snape descobre que há um futuro em que o filho do Harry  Potter tem o nome dele, por exemplo, é fantástico. E até mesmo ele sentir orgulho disso é também fascinante, porém a forma com que isso se apresenta é mal colocada. O filho do Harry não fez nada de bom, até aquele momento, para ser merecedor de tal orgulho do Snape. Se fossem por outras ações - e isso exigiria mais tempo de desenvolvimento - teria sido algo mais interessante e até melhor.

O livro trabalha com um problema que é fixo em quase toda obra que segue esse estilo - tipo Boruto ou o filho do Batman - um conflito geracional que quase sempre surge por alguma idiotice cometida pela geração posterior. Só que sempre que algo assim ocorre, é sempre com um tom excessivamente dramático e fatalista. Você sempre se pergunta: "como é possível que ele tenha errado tanto?". Não é como se jovens não errassem, mas o ponto do erro é quase sempre excessivo e qualquer um que tenha consumido o suficiente disso, já está cansado disso.

Alvo Severo Potter lembra bem o Harry da Ordem da Fênix, comete erros altos. E nisso o livro decepciona: é como se toda a escala evolutiva acentuada voltasse para um estado anterior tão somente para agradar gerações mais novas e por elas ser compreendida. O que não é uma ideia ruim, porém quase sempre mal-executada (seja em Boruto, com o filho do Batman e até com o do Harry). De todo modo, o livro é uma leitura interessante.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Acabo de ler "Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota" do Meteoro Brasil

 



Definir o livro é bastante difícil, já que ele se lida com uma série de áreas que são bastante diferentes. Logo é um livro em que cada parte apresenta, em si, um gosto diferente. Embora seja possível construir uma relação geral do objetivo central do livro.

O livro é bastante interessante, particularmente me interessei mais pela parte que tratou do aspecto do "meme" - o qual, em meu tempo de vida atual, considero um mal - e de suas implicâncias negativas. A própria ideia de reprodutibilidade máxima é o farol do esvaizamento conteudístico contemporâneo. Não por acaso, canais do YouTube se esforçam na mera feitura de vídeos de reação a conteúdos simplórios ou de caráter jornalístico. Essa é a razão de eu odiar a internet moderna.

Várias explicações são interessantes. Como sou um típico leitor alienado que prefere tudo escrito a em vídeo, preferi esse formato aos vídeos do Meteoro Brasil - que infelizmente se tornou um grande canal de react aos dados da atualidade e perdeu a feitura de vídeos de maior qualidade, seja em roteiro, seja em edição. De qualquer modo, como já dizia o não tão velho ditado: "na vida o que interessa é dinheiro no bolso e os problemas são eternos".

A sensação que tenho ao terminar o livro é a que detenho uma maior gama de conhecimento geral sobre vários assuntos e que a leitura foi, sim, proveitosa.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Novas aquisições!




Ganhei recentemente dois livros. "Grandes Contos" de H. P. Lovecraft, é um livro extremamente belo, de capa grossa e com 1.174 páginas do gênio do terror. Já o outro "200 crônicas escolhidas", possui 488 páginas e é do brilhante Rubem Braga, um dos melhores cronistas brasileiros.