sábado, 23 de agosto de 2025

Philosophia Iuris #8: Direito Natural Procedural

 



Essa é a teoria mais moderna do Direito Natural, ela foi desenvolvida pelo Lon. L. Fuller, conhecida como procedural-naturalismo. 


Fuller desenvolveu a sua teoria jusnaturalista com base na análise do que ele considerava uma fraqueza em relação de como a lei operava, especificamente observando o Terceiro Reich. Ele viu a ascensão do nazismo na Alemanha, que foi essencialmente por meios legais e também, por meio da mesma legalidade, instigou um genocídio que era justificado pelo próprio sistema. Fuller viu no sistema nazista, um sistema que pode violar a moralidade e a os direitos humanos. O que lhe trouxe um antagonismo contra o juspositivismo, visto que o juspositivistas colocavam a moralidade como uma questão periférica na construção de um sistema jurídico. Em outras palavras, o nazismo só conseguiu ser uma espécie de sistema que era justificado por si mesmo graças a uma mentalidade juspositivista.


Fuller levanta um questionamento a respeito da natureza da lei e, especificamente, do processo legal. As mesmas questões que inquietavam os antigos jusnaturalistas tornam a aparecer:

- O que a lei é?

- O que a lei não é?

- O que significa chamar algo de lei?


Além disso, a velha frase de Agostinho de Hipona também retornava: "uma lei injusta não é lei" (lex iniusta non est lex). O que fez Lon L. Fuller pensar na necessidade fundamental de uma conexão entre a lei e a moralidade. O que o leva a debater com H. L. A. Hart (defensor do juspositivismo e da separação entre Direito e Moral). Para Fuller, a fundação de um sistema legal precisa vir com certos princípios morais e valores. Ele chama isso de princípios da legalidade.


Apesar de Fuller acreditar que existe uma inter-conexão intrínseca entre moralidade e legalidade, ele rejeita a noção religiosa de lei natural provinda de pensadores clássicos do jusnaturalismo como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino. Em outras palavras, ele não acreditava que a ontologia da lei era derivada de uma autoridade superior como Deus. Logo ele traz uma modernização, de caráter secular, do jusnaturalismo.


A teoria procuderal da lei natural sugere que há um sistema moral com o qual se constrói a estrurura e a administração de uma lei. No entanto, não busca uma razão teológica para justificar o seu ponto, mas sim aponta para a necessidade de um padrão mínimo de moralidade que a lei precisa cumprir. Se a lei, por outro lado, for claramente considera má e/ou uma violação de alguns princípios morais, então certamente ela não é uma lei.


— O Critério Legislativo:


No seu livro "The Morality of Law", Fuller nos convida a imaginar um cenário hipotético onde há um monarca hereditário chamado Rex tentando governar. Rex é descrito como particularmente incompetente e também está numa monarquia que tem uma capacidade de recordação ruim quando está no processo de criação legislativa. Rex é incapaz de criar uma lei por causa que lhe faltam os pré-requisitos para isso.


Fuller apresenta oito pré-requisitos em ordem para que uma lei seja uma lei. Fuller mostra esses pré-requisitos de modo negativo para indicar a incapacidade:


1. Generalidade: falhar em estabelecer leis no geral;

2. Publicidade: falhar em tornar as leis públicas, tornando-as não avaliáveis para quem precisa segui-las;

3. Irretroatividade: falhar em tornar a lei possível;

4. Clareza: falhar em tornar a lei clara e compreensível;

5. Não-contradição: falhar em tornar essas leis livres de contradição;

6. Possibilidade de Cumprimento: Falhar em criar leis que sejam possíveis de concordar;

7. Constância no Tempo: falhar em estabelecer uma consistência nas leis que são criadas, para que não estejam em contradição umas as outras;

8. Congruência entre a Regra Declarada e a Ação Oficial: estabelecer uma descontinuidade entre as leis e a administração delas na prática.


Se qualquer uma dessas oito regras forem quebradas, o sistema em questão falha e não pode ser considerado um sistema legal, visto que falhará em conduzir o comportamento humano, sendo então meramente um conjunto de regras arbitrárias. Isso é, para Fuller, o coração da questão ontológica sobre o que de fato faz uma lei ser lei.

Philosophia Iuris #7: Teoria Moderna do Direito Natural


 


— Recaptulação:


Passamos por duas partes do desenvolvimento histórico do jusnaturalismo. A fase clássica, ou anciã, ligada a Platão e Aristóteles. E fase de transição cristã (Patrística e cristianização do mundo) e medieval, com Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino.


Aprendemos que a questão jusnaturalista da lei se conecta com uma ontologia que busca o ser da lei. Questões como:
- O que é a lei por si mesma?
- Por qual razão descrevemos algo como uma lei e outra coisa como algo que não é uma lei?

Essa preocupação procurava dar uma análise substantiva, uma análise crítica, um olhar jusfilosófico a respeito do processo da criação da lei, da administração da lei e como a lei se torna lei.

É evidente que os jusnaturalistas buscavam, graças a esses questionamentos, uma aderência a uma alta autoridade. Como já vimos uma aderência a um tipo de lei eterna, das leis criadas por Deus (por parte dos cristãos), uma busca por um alto padrão moral objetivo, uma moralidade bíblica ou um tipo de lei natural que antecede a própria lei do Estado (lei positiva). O que vemos é uma busca da essência da lei.


— Jusnaturalismo Moderno:


Os teóricos do Direito Natural, os jusnatualistas, por muito tempo ignoraram o surgimento e o crescimento do juspositivismo. O juspositivismo é uma escola que vai em contraposição aos jusnaturalismo, visto que preza pela primazia absoluta da lei positiva (a lei do Estado). É evidente que enquanto o juspositivismo crescia, existiam múltiplos motivos sociais, culturais e filosóficos que tornavam cada vez menos atrativa a inter-relação entre lei e moralidade.

O retorno do jusnaturalismo ao debate jusfilosódico se dá numa circunstância muito significativa. A sociedade tentou uma reconciliação face aos horrores cometidos nos anos de 1920 e de 1930, perpetrados pela União Soviética e Alemanha Nazista. Os horrores da guerra e do genocídio, além do final da Segunda Guerra Mundial, levam um ressurgimento do desenvolvimento da lei com referência na moralidade.

É preciso alertar que o juspositivismo não necessariamente se esquece ou evita a moralidade em sua tradição legal, mas desloca a moralidade do núcleo conceitual da sua jurisprudência. É por causa disso, a busca por uma moralidade, que o jusnaturalismo retornou fortemente.

Duas teorias modernas do Direito Natural:

1. Direito Natural Procedural, desenvolvido por Lon L. Fuller;
2. A Teoria dos Direitos Naturais, desenvolvida por John Finnis.

Philosophia Iuris #6: Tomás de Aquino e o Direito Natural

 



— Recaptulação:


Na nota pública anterior, escrevi sobre o fato de que Agostinho de Hipona situava a lex aeterna (lei eterna), provinda diretamente de Deus, como superior a lei positiva (que vem do Estado). A lei positiva deveria se subordinar a lex aeterna (lei eterna).


Hoje vamos entrar e entender um pouco do que pensava Tomás de Aquino no campo da filosofia do Direito.


— Uma contextualização a respeito de Tomás de Aquino:


- Foi um frade e um padre italiano, da ordem dominicana, conhecido por ser um influente filósofo e teólogo;

- Não se sabe ao certo se ele nasceu em 1225 ou 1227, mas a data da sua morte é 1274. Ele é o maior proponente de um movimento conhecido como Escolástica;

- Seu trabalho mais conhecido é a Suma Teológica, onde podemos encontrar escritos sobre a Teoria do Direito Natural, além de outros a respeito da teologia e da filosofia;

- A Teoria do Direito Natural em Tomás de Aquino vai diferir da Teoria do Direito Natural de Agostinho, visto que Tomás de Aquino foi influenciado pela redescoberta dos escritos de Aristóteles;

- Para Tomás de Aquino, lei positiva tem uma natural posição na vida política e social, mais do que Agostinho de Hipona acreditava, visto que a lei positiva poderia ser substituída pela adesão à lex aeterna.


— Direito Natural em Tomás de Aquino:


O Direito Natural apresenta quatro hierarquias no pensamento de Tomás de Aquino:

1. Lei Eterna: é a lei que ordena todas as coisas, está restrita ao conhecimento do próprio Deus;

2. Lei Divina: é a parte da lei eterna que foi revelada para a humanidade;

3. Lei Natural: é a capacidade inata da natureza humana de discernir o bem e o mal;

4. Lei Positiva: é a lei criada pelos legisladores humanos.


É válido mencionar que Aristóteles também tinha uma separação hierárquica das leis, para ele havia uma justiça natural, de caráter universal, e uma justiça convencional, que eram as leis específicas da cidade-Estado. O caráter universal, para Aristóteles, era o de uma lei imutável, que poderia ser descoberta pela razão humana. O propósito de uma lei, no pensamento de Aristóteles, era de promover a virtude e o bem comum da comunidade. Como Tomás de Aquino foi influenciado pelo pensamento de Aristóteles, adicionando-se o fator teológico cristão, Tomás via na lei humana uma possibilidade de guiar as pessoas para a felicidade suprema e a felicidade suprema era a união com Deus.


Para Tomás de Aquino, havia uma espécie de relação não convencional entre a lei e a moralidade. E era impossível entendê-la sem uma referência de moralidade. Além disso, todas as leis humanas deveriam ser julgadas em correlação com a lei natural.


É preciso compreender que a Teoria da Lei Natural não é só uma teoria de jusfilosofia, não é só uma teoria a respeito da lei, tampouco algo que é limitado aos estudantes de Direito. O Direito Natural é uma teoria ética. Por vezes adentrando a uma natureza mais teológica. O Direito Natural não se pergunta pura e simplesmente "o que é a lei?", mas vai mais adiante: "o que ontologicamente é a lei?", "o que é a existência da lei em si mesma?". O Direito Natural busca adentrar na questão última do significado da lei.


— A Lei Positiva:


Existem duas fundações que são necessárias para se chegar a razão última e para se fazer o correto curso de uma ação antes de se criar uma lei positiva:

1. A Lex Divina (Lei Divina);

2. A Lex Naturalis (Lei Natural).


A primeira representa a Lei Divina que foi revelada pelas Sagradas Escrituras (Bíblia) e a segunda é a Lei Natural que é acessível pela razão natural através da observação racional da natureza humana. A lex humana (lei humana, entendida como lei positiva), é boa se segue a fundação da lex divina (lei divina) e a lex naturalis (lei natural).


A lei positiva (lex humana) precisa facilitar e servir uma teleologia de um bom propósito. Se o propósito for teleologicamente bom, compatível com o bem comum e a harmonia social, as pessoas não vão sentir vontade de burlar a lex humana (lei positiva/humana) por medo da punição, mas sim por causa da racionalidade e da moralidade. Uma lei bem fundamentada, não é vista por alguém moralmente correto e racional como algo que pode ser burlado, visto que ele vê nessa lei algo natural, lógico e moral, e quebrar essa lei é ser inatural, ilógico e imoral. 


— Lei Injusta:


Tal como Agostinho e inspirado nele, Tomás de Aquino traça uma questão a respeito sobre o que faz uma lei ser lei. Visto que, tornemos a lembrar, uma lei precisa de um questionamento a respeito da sua natureza.


Para Tomás de Aquino, uma lei injusta é tão somente uma lei que tem a aparência de ser uma lei. Algo pode ser percebido como uma lei sem que esse algo seja de fato uma lei por si mesmo. Uma lei injusta não é uma lei por si mesma, visto que todas as leis precisam aderir a lei natural. Em outras palavras, Tomás de Aquino traça uma questão ontológica a respeito da lei, argumentando que algo, para ser lei, precisa ser em referência à lei natural. Se a lei positiva fere a lei natural, não é uma lei.


Se faz necessário recordar que o pensamento de Tomás de Aquino faz referência ao pensamento de Aristóteles. Aristóteles pensava no telos (finalidade) de todas as coisas. Ele se questionava sobre o propósito final, sobre o resultado de algo particular. Logo era preciso ter em mente a finalidade a que se destina dada lei. E as leis precisam estar em conformância com a natureza humana, que é um ser social e político. Contrariar essa natureza, levando a desarmonia social, é uma forma de burlar essa natureza a que se destina toda lei.


Existem formas de saber se algo fere a lei natural:

1. Contrária ao bem comum: quando essa lei é feita com o objetivo de um bem particular, furtando-se a necessidade de ser boa para todos os membros da sociedade;

2. Excede o campo de conhecimento do legislador: quando o legislador não apresenta o conhecimento necessário para produzir essa lei;

3. Fardo injusto: quando há uma desigualdade ou uma desproporcionalidade para certos membros da sociedade.


Para Tomás de Aquino, uma lei falsa não é uma lei, mas uma perversão da lei. É por isso que a lei feita por humanos precisa da referência e da conformidade com a lei natural. Também a lei não pode ser contrária lex divina (lei divina).

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Philosophia Iuris #5: Agostinho e o Direito Natural

 



— Curiosidades Históricas:


1. Quando Agostinho estava escrevendo ainda não havia ocorrido a redescoberta dos trabalhos aristotélicos e tampouco dos livros de Aristóteles;

2. A tradição do Direito Natural teve uma radical transformação com a influência da nova religião que se instaurava na época, o cristianismo;

3. O cristianismo, em específico, era aquele da Doutrina Católica;

4. Naquele período, o cristianismo de um movimento religioso perseguido para a posição de religião formal do Império Romano, o que fez com que ele se espalhasse por toda Europa e partes do norte da África;

5. Os pensadores mais importantes para compreender filosoficamente e teologicamente o Direto Natural na esfera cristã são Santo Agostinho de Hipona e São Tomás de Aquino;

6. Agostinho de Hipona é a figura mais importante da Patrística e Tomás de Aquino é a figura mais importante da Escolástica.


— Relevância de Santo Agostinho de Hipona:


Agostinho de Hipona foi um dos Pais da Igreja, vivendo entre 354 a 430 d.C. e ajudou no desenvolvimento inicial do cristianismo. Nesse período a Cristandade era influenciadas por diferentes teorias e contribuições sobre como interpretar os textos bíblicos. Tão logo, práticas consideradas heréticas se estabeleceram. Nessa época, houve uma tentativa de dar uma codificação formal da Doutrina Cristã e uma codificação formal de como a teologia deveria ser interpretada.


Agostinho de Hipona nasceu no norte da África, que era parte do Império Romano. Seus escritos sobre a teologia e a doutrina cristã exerceram um grande impacto nos trabalhos dos teólogos que vieram depois dele. Foi ele que desenvolveu a Doutrina do Pecado Original, a Doutrina da Graça e deu elucidações a respeito da Santíssima Trindade. Impactando o Primeiro Concílio de Constantinopla em 381.


— Santo Agostinho de Hipona e o Direito Natural:


A primeira distinção a ser feita é o papel que Aristóteles exerceu em seu trabalho. Como dito anteriormente, numa nota pública anterior, Aristóteles é a chave fundacional do Direito Natural. E, como bem sabemos, os trabalhos de Aristóteles não tinham sido recuperados no tempo de Agostinho. Se muito, a influência de Aristóteles no pensamento de Agostinho é limitada, provavelmente inexistente. Quem terá mais influência aristotélica é Tomás de Aquino. Agostinho de Hipona, por sua vez, terá influência de Platão.


Agostinho trabalha com a ideia do bem e do mal para compreender a natureza humana e a condição da humanidade, acreditando que a submissão para Deus é a mais favorável. A conexão que podemos traçar é a ideia de Platão a respeito da submissão à autoridade máxima do Rei Filósofo.


O que podemos ver é que Agostinho procura uma autoridade mais extrema, mais poderosa e mais sábia que o Rei Filósofo como ponto para submissão. E essa autoridade é o próprio Deus. Deus é uma autoridade tão máxima que ele é o único que comporta a lex aeterna (lei eterna). Todas as outras leis, isto é, as leis positivas criadas pelo homem (leis do Estado), não são necessárias caso se siga a lex aeterna (lei eterna). A lei positiva (lei do Estado) é chamada de lex temporalis (lei temporária) e tem importância menor, visto que pode ser substituída se os humanos simplesmente se submeterem a lex aeterna (lei eterna) que é derivada do próprio Deus.


— "Do Livre Arbítrio" (livro de Agostinho):


Uma das maiores frases de Santo Agostinho de Hipona é "lex iniusta non est lex" (uma lei injusta não é lei). Essa frase tem correlação direta com o conceito de direitos naturais, com a moralidade natural e com o conceito natural de lei baseada em princípios morais.


A escola doutrinária do Direito Natural crê na possibilidade de se chegar a um padrão objetivo de moralidade e nesse padrão objetivo de moralidade está o Direito Natural. Se uma lei criada pelo Parlamento (o Poder Legislativo) não adere aos direitos naturais, essa lei é automaticamente inválida.


Para Agostinho, as leis positivas (as criadas pelo homem para serem usadas pelo Estado) só são aceitáveis se encontram fundamentação na lex aeterna (leis eternas). Isso abriu margem para o Direito Positivo basear-se teologicamente na lex aeterna (lei eterna). Estamos falando da teologização do Direito.

Philosophia Iuris #4: Aristóteles e o Direito Natural

 


— A Teoria Anciã do Direito Natural:


Quando falamos do aspecto ancião da Teoria do Direito Natural, fazemos um retorno a Sócrates, Platão e Aristóteles. Em outras palavras, adentramos nas origens fundacionais do Direito Natural. Na nota pública anterior, escrevi sobre Platão e sobre a importância que a lei e a obrigação legal — diante da lei — no pensamento dele.


É válido lembrar que, em se tratando do Direito Natural, Platão conecta-se a Agostinho e Aristóteles conecta-se a Tomás de Aquino. Aristóteles é de suma importância, não só pela influência que exerceu sobre Tomás de Aquino, mas também pelo fato de que ele é o fundador e inventor da Teoria do Direito Natural.


— Recaptulação:


A Teoria do Direito em Platão fala sobre o funcionamento próprio da cidade-Estado (lembre-se da obra "A República"). Aqui, funcionamento próprio, é a noção de como a cidade-Estado grega deveria funcionar de modo efetivo.


Para Platão, o Estado deveria ser organizado na base do Rei Filósofo, um indivíduo que foi treinado desde o nascimento para compreender o estadismo e os princípios da virtude, da ética e da sabedoria. Era uma espécie de ditadura benevolente, mas a ideia de Direito Positivo era tinha uma pequena participação ou importância, visto que a parte mais importante era o poder do Filósofo Rei.


— Aristóteles:


Existe uma conexão muito forte entre a Teoria do Direito e a Natureza Humana no pensamento aristotélico.


Aristóteles tem uma forma bastante teleológica de ver o mundo:

1. Teleológico: se refere ao objetivo final, "telos" quer dizer final;

2. Aristóteles analisava objetos e procurava o final particular desse objeto;

3. Teleológico: é a importância de um ser se referenciar ao resultado final que se destina, é a busca da finalidade de cada ser e objeto;

4. Ética normativa: como a teoria aristotélica visa o objetivo final de cada ser, ela é consequencialista, visto que se funda no objetivo final para determinar a finalidade de cada ação — se estão ou não em conformância com o objetivo final — e é estar em conformância com o objetivo final (uma espécie de normativismo) que determina a qualidade ou moralidade de cada ação.


Aristóteles traça o Direito Natural com base no telos (objetivo final) da natureza humana. Aristóteles acreditava que todas as coisas tinham a sua própria teleologia. Por exemplo, o telos de uma semente é o de crescer para virar uma planta. O telos de um animal filhote é o de crescer e se tornar um animal adulto. O final resultante é de extrema importância para informar e entender o ser de cada objeto estudado. Para humanos, para natureza humana, o telos envolve o entendimento da razão. Humanos possuem uma finalidade específica, visto que carregam a capacidade de serem criaturas políticas, já que possuem dentro de si habilidades sociais e políticas, o que os torna próprios de construírem estruturas políticas, a polis.


— Teleologia e Natureza do Bem:


O cumprimento da finalidade — fim final, telos — indica a norma, a norma é o cumprimento da finalidade e seguir a norma é encontrar o fim natural de cada ser. O bem de cada ser é cumprir a sua finalidade (telos). O fim da humanidade é a criação da Polis, visto que carregam dentro de si habilidades sociais e políticas que levam necessariamente ao surgimento e desenvolvimento da própria Polis.


Tudo que leve ao desenvolvimento e cumprimento do ser em sua própria natureza pode ser identificado como bom.


Existe também uma subteleologia, isto é, o desenvolvimento de algo particular para promover o seu telos (finalidade). Como o de construir estradas para que pessoas caminhem e carros passem por cima. No caso, a finalidade da estrada é atrelada a finalidade do bem comum do ser humano.


— Influência no Direito:


1. O Direito serve para contribuir com a natureza humana;

2. Uma boa lei é aquela que contribui com o telos (finalidade) da humanidade;

3. O significado de uma boa lei está em sua capacidade de contribuir com o desenvolvimento da estrutura social e dos humanos como animais políticos, visto que esses são naturalmente inclinados a viver dentro de uma Polis.


— Obrigação de Obedecer:


Ao contrário de Platão, o pensamento de Aristóteles é mais voltado em responder a necessidade da existência da lei e o sentido qualitativo da lei do que apresentar razões de obedecê-la.


As perguntas que Aristóteles leva em sua linha de raciocínio são:

- O que faz a lei?

- O que faz uma lei ser boa?

- Qual a justificação para a existência da lei?


Ele responde tudo isso com base na teleologia. A existência da lei está vinculada a necessidade humana de viver na Polis, devido a sua natureza social e política. Para se viver na Polis, faz-se necessária a existência da lei, visto que ela é garantidora da harmonia social. A existência da lei é uma necessidade visto que o ser humano necessita viver em sociedade e necessita que essa sociedade seja harmônica. Uma boa lei é uma boa lei quando busca cumprir essa finalidade humana: a de construir e desenvolver a Polis, que é uma construção naturalmente humana.

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Ephemeris Iurisprudentiae #19: TGD 8


Viver em sociedade exige que as relações sejam pautadas por normas. Mas qual seria a diferença entre o Direito e a Moral?


— Direito X Moral:

- Regras Sociais X Deveres das Pessoas;

- Coercibilidade X Pessoa em Si e Divindade;

- Sanção Externa X Sanção Interna.


Podemos ver que, em alguma parte, Direito e Moral possuem algo em comum, isto é, regular a sociedade de alguma maneira. A diferença é que a moral não se restringe a sociedade, atinge a pessoa em si e pode entrar até mesmo no terreno da divindade. Já o Direito está sempre no campo social, atua na regulação da pessoa entre os seus semelhantes.


Todavia essa explicação ainda não é suficiente. Devemos avançar ainda mais na diferenciação da Moral e do Direito.


— Normas X Normas no Direito:

- Imperativas X Autoritativas;

- Conduta Humana X Poder de Exigência.


Segundo Maria Helana Diniz, todas as normas são imperativas visto que fixam as diretrizes da conduta humana. Se as normas da Moral e as normas do Direito apresentam mutuamente a imperatividade, qual seria a exata diferença? A diferença está no fato de que, no Direito, é que a norma é autorizante: ela possibilita ou autoriza a pessoa lesada o poder de exigir o seu cumprimento ou a reparação do mal sofrido. Enquanto isso, a moral, por si só, não carrega esse poder.


— Norma Jurídica X Norma Normal:

- Bilateral X Unilateral;

- Coação X Dever Interno;

- Dever e Obrigação X Não autoriza coação


Indo mais além na diferença entre a norma na esfera do Direito (norma jurídica) e a norma na esfera da moral (norma normal), podemos ver que a norma jurídica carrega a bilateralidade,  a coação, o dever e a obrigação. Na norma jurídica, isso significa que ela impõe dever ao indivíduo violador da norma e autoriza ao indivíduo lesado poder exigir o seu cumprimento conforme a previsão que está estabelecida. No campo da moral, observa-se o fenômeno da unilateralidade, o que significa que há um dever de caráter interno diante do comportamento que a moral prescreve, ou seja, ela não autoriza a utilização da coação para obter o seu cumprimento.


— Resumidamente:

- Moral: volta-se ao aspecto interno, de natureza psíquica, da pessoa;

- Direito: regula as condutas que se exteriorizam no mundo físico, na própria sociedade.


Outra classificação interessante é a de Jeremy Bentham e Georg Jellinek:


— Teoria do Mínimo Ético:

- Direito = Mínimo da Moral;

- Obrigatório;

- Teoria dos Círculos Concêntricos.


O Direito, segundo a Teoria do Mínimo Ético, representa o mínimo da moral, o mínimo possível, o mínimo obrigatório para se viver em sociedade. Essa teoria desenha um círculo grande, que representa a moral, e um círculo pequeno dentro do círculo grande, que representa o Direito. O que significa que o Direito (círculo menor) faz parte da moral (círculo maior).


Outra teoria, contraposta a essa, é:


— Teoria dos Círculos Secantes:

- Normas Jurídicas Independentes;

- Normais Morais Independentes;

- Normas em comum.


Um grande exemplo de que nem toda norma está no campo de Direito ou até mesmo da moral, são normas técnicas. Ali a preocupação não é de caráter moral, mas puramente técnico. Nessa teoria o Direito apresenta alguma independência, há uma parte que depende da moral e outra que é independente.

Ephemeris Iurisprudentiae #18: TGD 7

 



Na nota pública anterior do Ephemeris Iurisprudentiae, comecei com a ideia da Tridimensionalidade do Direito de Miguel Reale, em que abordei o fato de que, segundo essa escola doutrinária, o Direito apresenta três dimensões: Fato, Valor e Norma. Na nota pública anterior, trabalhei a dimensão do Fato. Agora vou tratar a questão do Valor.


O valor é uma realidade humana. Para entendermos o significado da dimensão do valor, precisamos primeiro compreender o que é uma realidade humana e por qual razão ela se distancia da realidade natural.


— Realidade Natural X Realidade Humana:


Vou apresentar micro-definições e depois tentar dar uma ligação dos termos apresentados.


— Realidade Natural:

- Mundo físico na natureza;

- Não intervenção humana.


Podemos entender a realidade natural como a realidade que não passou ou não passa pela intervenção humana. Em outros termos, quando falamos de "Realidade Natural", estamos falando do universo que não foi objeto de alteração pelas mãos da humanidade.


— Realidade Humana:

- Realidade Cultural;

- Criações humanas;

- Formas de comportamento.


A realidade humana, por outro lado, contrapõe-se a realidade natural. Visto que é da natureza da humanidade ter algo chamado cultura e cultura pode ser definido como tudo aquilo que é modificado pela humanidade ou tudo que o ser humano transforma.


A cultura tem relação com o valor, visto que o ser humano só transforma algo com um instituto de torná-lo útil ou apreciável. Da mesma forma, o valor e o Direito são próximos, visto que o Direito se baseia em valores. O Direito, tal como outras ciências culturais/humanas, analisa os fatos humanos e a inter-relação entre os indivíduos, trazendo um juízo de valor de acordo com a finalidade do estudo. A realidade cultural, carregado de valor, é valorada de acordo com o seu relacionamento com os fins determinados pelo ser humano.


— Como o Direito estuda o valor?


Podemos analisar o valor, de uma maneira geral, pela via axiológica e teleológica. A axiologia é o estudo dos valores ou teoria dos valores. Já a teleologia é a finalidade das coisas ou a teoria dos fins. O Direito também pode utilizar-se de leis sociológicas, históricas e econômicas para analisar juízos de valores, fatos e leis éticas. Como também pode estudar a moral, a política e a religião.


O Direito também estuda as Leis Éticas, isto é, a vinculação das normas com o comportamento humano. Visto que o Direito é uma ciência normativa e uma ciência normativa busca vincular normas ao comportamento humano para regulá-lo. Uma norma ética, objeto de criação do Direito, busca associar um juízo de valor ao comportamento humano, para prever sanções (punições) pelo seu não cumprimento. As normas éticas surgem de um estudo das leis éticas, visto que elas visam procurar a melhor forma de colocar um caráter imperativo — um dever a ser cumprido — que regule o comportamento humano. O Direito, como ciência normativa, precisa estabelecer um conjunto de normas imperativas em razão do fato de que valores são relevantes e necessários para a harmonia social.


É válido lembrar que mesmo o Direito tendo como objetivo estabelecer normas, nem toda ciência cultural tem esse objetivo. Podemos olhar uma ciência social que não precisa estabelecer normas para traçar um paralelo. Uma ciência social que analisa se os juízos de valor estão em conformidade com os fatos, sem existir a necessidade de disciplinar a conduta humana por normas ou regras, é a sociologia. Não pelo sociólogo crer que a sociedade não precisa de normas, mas sim por ele ter como objetivo primário descrever o comportamento social e não prever regras. Já o Direito trabalha de outra forma, visto que entra no "dever ser", isto é, na obrigatoriedade normativa de certas condutas.


É importante aqui definir o que é uma norma jurídica: é um veículo para a realização de determinado valor, valor este que deve ser uma tentativa de realizar a justiça, visto que a justiça é o valor que unitariamente comportamento todos valores jurídicos.


— Justiça X Direito:


Esses dois termos são questão de debate para várias escolas doutrinárias. Vou citar três exemplos de possíveis resoluções:

A- Justiça e Direito são identificáveis;

B- A Justiça é mais ampla que o Direito;

C- O Direito é mais amplo que a Justiça.


O significado da Justiça possui uma dimensão histórica que altera o seu significado. Além disso, as diferenças de pensamento também levam a diferentes noções de Justiça.


1- Na Antiguidade Grega, temos os livros Ilíada e Odisséia de Homero. Onde há uma interpretação religiosa e mitológica de Justiça. Aqui Thémis é Lei e Diké é a satisfação da Justiça;

2- Já Platão, de cunho racional e filosófico, apresenta a separação entre o Mundo das Ideias e o Mundo Real. Para Platão, as formas perfeitas e imutáveis (arquétipos) ficam no Mundo das Ideias. Já o Mundo Real, por sua vez, apresenta as coisas materiais que são cópias imperfeitas e transitórias das ideias perfeitas e imutáveis. Platão compreende a virtude humana como reflexo da Justiça e a Justiça é identificada como um arquétipo que reúne todas as outras virtudes. Estabelece também a ligação entre o indivíduo e o Estado, por acreditar que é na sociedade que o ser humano alcança a sua plenitude.

3- Aristóteles também acredita que a Justiça é a virtude completa, tal como Platão, adiciona a questão da alteridade, visto que Justiça sempre parte de um horizonte inter-subjetivo, pelo fato de que somos justos ou injustos em relação a outra pessoa.


A Justiça pode ser resumida como o valor fundante do Direito ao longo de uma experiência histórica. De qualquer forma, não há Justiça sem Direito e nem Direito sem Justiça.