sábado, 29 de janeiro de 2022

Borboletas no Estômago e Esqueletos no Armário

Todo dia que desfilo, lembro de esqueletos gritando e batendo no meu armário. Na performance contínua, extraío o que é do outro, extraío o absorvido e não absolvo meu espírito acorrentado. As eternas borboletas que estão no meu estômago não encontram espaço além do interior de meu interior, clamam por ajuda de meu corpo que resiste a corrente de meu pensar preservado. É sempre essa confusão, num rolo de constante desilusão. A vida virou um teatro em que sou ator. Sempre ator. Nunca autor ou autora. Sou o imaginado, não sou nunca a imaginação. Já que a imaginação não tem limite concebível e adentra no não-inteligível. Um imaginário é aquele que internamente sofre dentro da coisa imaginada. Imaginar-se é construir-se em desconstrução, ser imaginado é ser marginalizado pelo dedo do criador precário.


Sigo sempre triste ao saber, que não sou o que sou, sou o enquadro teatral de um pensamento outrora forjado. Os esqueletos de meu armário, batem todas as noites, nunca me deixando dormir com profunda tranquilidade. Até quando eles me recordarão que em mim há menos espaço para as borboletas do que para o outro? O outro que adentra pela noite, o outro que esmaga a borboleta imaginária. Ressentidas caveiras, não se esquecem nunca da tenra mocidade que era ingênua o suficiente para não ser teatralmente vivenciada, eles não vão sempre me dizer que o imaginário é o que sou e que não sou o objeto imaginado.  Minha atitude prostituta de forma oculta, oculta as borboletas que gritam silenciosamente em meu útero. Meu ser fálico faliu dentro do caixão que lhe deram aos poucos para que eu soubesse: serei sempre morto-vivo, já que quem vive dentro do caixão não vive. Eterno zumbi a caminhar nos limites inteligíveis e pré-ordenados pelas elites grã pensantes numa tradição atroz e retrógrada que confronta a liquicidade condenando o mundo a se congelar numa nova Idade de Gelo.


Minha expectativa não é o ideal, é um sonho socioeconômico realizável. É o que espero todos os dias ao voltar de meu trabalho performático é um pouco de respeito a minha atitude condicionada. Eu espero respeito por não ser quem sou, espero respeito por obedecer o limite da faixa. Trabalho alienantemente de me configurar ao meu enquadro. E é por isso que toda vez que adentro em meu quarto, esqueletos batem em busca de sair de meu armário. Tudo é performance, tudo é socialmente calculado. Em todo cálculo, viso privar a liberdade da borboleta que vive no armário de meu estômago nauseado. O que tenho que confessar, o que tenho que verdadeiramente falar, é sempre cortado pelo limite do enquadro.


A regra máxima é sempre econômica. É sempre mais austera que a própria austeridade. É a privação do ser para a prostituição do ser. É buscar o viável. É buscar sempre o viável e esquecer o inviável. Esquecendo-se de si em busca do pré-configurado. O preconceito contra si é a segurança de uma prisão preventiva que se molda dentro do molde do corpo, para que a alma psíquica não se exploda em imaginatividade manifesta.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Acabo de adquirir "Sob a Máscara: as polêmicas de Orlando Fedeli e Fernando Schlithler contra Olavo de Carvalho"




Comprei esse livro antes de Olavo de Carvalho morrer. Como é um livro escrito contra ele e ele faleceu há pouco tempo, respeitarei o momento e abstenho-me de comentar qualquer coisa. Também aviso previamente que não era minha intenção causar qualquer polêmica contra o Olavo, sobretudo nesse frágil momento. Comprei esse livro sem qualquer intenção ofensiva, não esperava que ele morresse e muito menos sabia que o livro escrito contra ele chegaria um dia depois de sua morte.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Há um buraco no meu peito!

Há um buraco no meu peito amargo. Há um buraco que ninguém mais vê. Ninguém mais vê, ninguém nunca viu absolutamente nada. Ando a sangrar a cada dia, ando padecendo a cada instante. Em cada camiseta, há um sangue invisível escorrendo do meu peito. Eu tenho fôlego, folego o suficiente para caminhar sem coração. Sou esperto o suficiente para dizer que em palavras sutis, vejo conjurações. Conjurações diabólicas do inferno que são os outros. Tudo que quero hoje é chorar, tudo que quero hoje é esquecer até da mais feliz reminiscência, já que mesmo nelas me mergulho em ressentimento.


Eu não tenho esperança. O futuro não é incerto, ele é trágico. De onde vem tal certeza autovitimada? De onde vem a loucura que me abarca. Sinto meu nariz sangrar enquanto não sangra. Sinto meus olhos chorarem enquanto não choram. Sinto minha boca gritar enquanto não grita. Pessoalmente, pareço normal. Tão normal quanto qualquer pessoa normal pode ser. Só que meu grito silencioso só é silencioso externamente. Internamente ele é tão audível quanto real, não só real, é tão real quanto desesperador. Quem pode livrar o moderno átomo da consciência atormentada? É como se vermes invisíveis crescessem em minha cabeça anuviada, mexendo-se interminavelmente em minha consciência precária.

Eu vi o reflexo do espelho. Eu o vi. Ninguém mais o viu, só eu o vi, só eu ouvi, só eu senti. Ele gritava. Gritava enquanto saia sangue de seus olhos, de sua boca e nariz. Eu tive que fugir do banheiro em que estava o seu abjeto ser, para fugir do reflexo. Tão logo fugia, igualmente, da imagem da câmera frontal de meu celular. Tão logo fugia de cada encontro desencontrado. Minha boca secou, secou depois de imensamente gritar em gritos inaudíveis. Isso não é biológico, não é natural gritar sem gritar e depois cansar de tanto não gritar. Não é natural, não é normal, é sumamente antinatural e sobrenatural, portanto nada mais é mais estranho e mais humano.

As ideações suicidas são pensamentos ou projeções imagéticas? As ideações suicidas são pensamentos ou previsões de um futuro não tão incerto? O que eu quero é uma arma em minha boca seca, separando cada pedaço de meu cérebro num equidistante eterno. Eu quero ver, perto de uma estação de trem, um trem a passar na caminha cabeça, tal como se passasse num monótono trilho velho, livrando-lhe do que há de torpe. Eu quero morrer e mesmo assim ver todas as faces horrorizadas dessa cidade desalmada, conquanto que abundante em almas. Almas não mais conscientes, mas doentiamente alienadas.

Se tudo que vejo são demônios, é natural que eu igualmente o seja. Se o fim do homem é a felicidade, quão corrupto sou eu e quão corrupta é a nossa sociedade. Eu não posso mais beber para esquecer, já que o anjo da morte está sempre ao meu lado. Não posso fumar, nem a tranquilidade tóxica ao meu peito invade. Pelo contrário, sou bomba atômica em perene externalidade. É como se a tensão gravitacional ao meu ser esmagasse. É como se eu já soubesse: há mais coisas entre o Inferno e a Terra que a nossa vã esperança pode conceber. É impossível não falar tamanha heresia que no meu peito vazio e niilista se cria: preferível é a sorte do aborto, já que o destino do homem é caminhar em desalegria.

sábado, 22 de janeiro de 2022

Você já conhece o estilo gamer Sergio Moro?

 



Vamos lá, em primeiro lugar, temos que nos ater as mãos: elas devem estar invertidas. Jogar com mãos invertidas pode parecer um erro, mas demonstra habilidade fora do comum. Imaginem só: "eu sou tão bom que jogo com o controle invertido". Essa é uma imagem de segurança e demonstra uma postura de quem enfrenta inimigos com as mãos nas costas em meio a porradaria. 


O segundo passo? Mensagem nacionalista. Além de jogar bem, a ponto de usar mãos invertidas, você precisa demonstrar que tem uma forte paixão pelo Brasil. Coloque uma mensagem nacionalista. Diga o quanto ama o Brasil e quanto quer defender ele. Só que você não é um defensor qualquer, você é o defensor das mãos invertidas. Você tem garra, coloca uma dificuldade pra si mesmo apenas para demonstrar mais poder e desdenhar os adversários. 


Em terceiro lugar, coloque uma mensagem para algum inimigo ou opositor. Só que demonstre que você é inteligente, que manja das referências simbólicas da cultura gamer e junte-as a realidades políticas locais. Desse jeito, haverá um desaforo sutil, próprio de pessoas inteligentes.


Esse foi, meus caros, o método gamer Sergio Moro.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Acabo de zerar Zelda Skyward Sword no Wii

 



É difícil expressar com palavras do quanto me sinto ao terminar esse belo jogo. Apesar da maioria das pessoas dizerem que o Wii é/foi um console fraco, é possível ver que ele trouxe beleza inigualável perante os adversários de sua época - e nisso há uma velha frase de Dostoiévski demonstra toda razão (ou seria o amor?) do mundo: "a beleza salvará o mundo".


A Nintendo nesse jogo se esforçou em cada detalhe, não que seja o jogo perfeito, mas é um jogo extremamente belo. Chega a ser mais bonito que muitos jogos de Xbox 360 e PS3. O que a Nintendo não podia fazer por hardware, fez por esforço. Eu nunca cansei de notar, enquanto estive jogando, em cada esplêndido detalhe.


É um jogo difícil, requer muitas pausas e demora-se pra chegar em uma conclusão em vários momentos. Demorei mais de 50 horas pra zerar o jogo, foi árduo o meu esforço. Mesmo assim, o jogo é mais que um jogo, é uma experiência poética, é uma experiência mística. Resolver os enigmas, pensar logicamente, dar o enquadramento certo na espada, pensar e pensar de novo e de novo. Sim, é exaustivo, só que infinitamente recompensador. O próprio Ganon - vilão principal - reconhece isso em palavras mais ou menos assim: "você é um exemplar de sua espécie". 


Wii é um dos meus consoles favoritos, desde que o comprei, só me vejo satisfeito. Jogos como Mario Galaxy e The Legend of Zelda Skyward Sword ficarão marcados eternamente em minha memória. E digo isso sem eufemismo algum.

Acabo de (re)ler "Há um outro mundo" de André Frossard

 



Ser cristão, no mais íntimo e profundo sentido do termo, não é crer meramente que o mundo se afastou de Deus pelo pecado. É crer, no mais angustiante desespero desconsolador, que tudo será salvo. É ver o mundo em ruínas, não só permanecendo de pé, mas sorrindo numa densa chuva sem fim, é preciso sorrir até no dilúvio, já que Deus é bom. Não abalado e niilificado com a presente derrota, e sim com a íntima certeza que esse mundo de dor e sofrimento, que esse vale de lágrimas, está em estado gestacional e o que vem depois é mais do que o progresso, é o paraíso. Lá, após toda dor, tudo fará um sentido e se terá uma conexão tão grandiosa, que tudo será perdoado. Mais do que perdoado, tudo será salvo.


Embora hoje não se possa dizer o mesmo. Embora hoje a contradição e a escravidão do ser sejam a norma. Embora hoje não há como dizer que o "Senhor é meu Pastor", já que hoje só se pode dizer: "Por que me abandonaste?". Todo esse sofrimento sem fim, esse mundo líquido de areia movediça sempiterna, esse desconsolo que arrasta o sofrimento em um constante holocausto, em constante desemprego, fome e miséria. É preciso crer num novo ser, ser esse que não é o cidadão perfeito duma utópica sociedade comunista ou duma sociedade conduzida por uma suspeita mão invisível. É preciso crer num novo Céu e numa nova Terra. Num Céu que se faz Terra. Numa Terra que nunca se desconectou e nem mais se desconectará do Céu. Mesmo que agora só haja o império da vaidade. Mesmo que agora só haja o retorno ao pó.


O mundo leva a crer que Deus não existe. O próprio afastamento de Deus o leva. Tudo leva a crer na escravidão da Serperte. O próprio enigma da Serpente é prometer o que já se tem, para se tirar o que se tinha. Só que um dia haverá um mundo, um mundo que não é desse mundo, só que nesse mundo se revela e se faz. Mesmo com tudo isso, mesmo com perene depressão, mesmo com hipotetéticos paraísos revolucionários ou reacionários. Devemos seguir em frente com esse paraíso que é gerado, a cada dia, em direção ao Reino Celeste. Mesmo que agora não o haja, mesmo com a razão condenando qualquer hipótese do milagre nesse vale de lágrimas.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Diários Cadavéricos #4 - Não há oscilação e nem angústia

 

Se eu morresse hoje, sairia tão atormentado que a violência da morte me pouparia da violência do arrependimento. Haveriam duas dores: a primeira é a de não ter cumprido existencialmente o que eu deveria ter cumprido; a segunda é eu ter alívio covarde de ter escapado do dever. Duas fraquezas, duas fragilidades, no entanto uma alivia a outra. E uma é certamente contrária à outra. Se assim é, há uma oculta ordem que é superior e abarcante.

"Não podemos pensá-lo eterno e ao mesmo tempo sujeito à sucessão do tempo" (Há um outro mundo, pág. 68 - André Frossard)

O Deus que eu via, o Deus que eu ainda vejo, é  condicionado ao passado glorioso e também a um tempo que é tão distante quanto inacessível. Lhe falo sempre, por escrita e por palavra, mas por Ti só tenho um agnosticismo. Como, então, em Ti posso me fiar? Continuo a falar, mas com medo de não falar com ninguém. Persisto com pertinência impertinente, assim fico eternamente procurando ver o que há e espero que um dia a espera acabe. Quero alívio, meu Deus. Só que sei isso não é verdadeira teologia, verdadeira teologia é a superação da incerteza pela fé. Uma fé sólida é uma fé que enxerga além, não por uma crença condicionada pelo mundo inteligível, mas pela capacidade ver além do que é momentaneamente inteligível.

"Vosso retorno será a Deus, porque Ele é Onipotente."
(Surata 11:4)


É um alívio ouvir isso. E também um desafio: conto-lhe, então, a torta questão. Sonhei hoje que estava de volta ao ensino médio. Toda hora tenho o mesmo sonho. Estou sempre de volta ao ensino médio e o pior: estou preso nele. Lembro-me de que, no sonho, disseram que se eu não vencesse o ensino médio, perderia até mesmo a minha faculdade. O sonho era estranho: mesmo tendo faculdade concluída, o ensino médio me exigia completar ele novamente e, dessa forma, era obrigado a fazê-lo de novo e ser reaprovado. Será que estou preso no ensino médio? Será que não amadureci? Será que devo superar esse estágio de minha vida de alguma forma? Sei que estou por conta própria lá e assim me mantenho, só que queria saber a razão de eu estar lá e a causa de assim me manter. Volto-me a Ti em dúvida e remorso por essa causa. Revela-me, Pai, causa das causas, a causa que me é desconhecida.

"De Deus nada se oculta, tanto na terra como nos céus"
"Ele é Quem vos configura nas entranhas, como Lhe apraz. Não há mais divindade além d'Ele, o Poderoso, o Prudentíssimo"
(Surata 3:4-5)

Assim diz um de seus santos livros. E assim é: tudo que o homem vê como desordem, é desordem aparente. Desordem no sentido que o homem vê pouco, já que seu horizonte de consciência é delimitado e o futuro é incerto. Esse aparente caos, no entanto, pra Ti é como o vento: já viu tudo, já sabe de tudo, então não há oscilação e nem angústia. Só que eu, como homem, perco-me nesse mundo que é mutável a minha consciência. E logo vem o meu clamor: "Ó Senhor nosso, não desvieis os nossos corações, depois de nos teres iluminado, e agracia-nos com a Tua misericórdia, porque Tu és o Munificente por excelência" (Surata 3:8). Meu coração oscila conforme a alteridade do mundo, mas há a Ti que está além dessa alteridade.