sábado, 23 de março de 2024

Acabo de ler "Raça e Etnia"

 



Nota:

- Como o nome da pessoa que escreveu não foi apresentado, não o apresentarei. Mas o conteúdo veio do curso de teatro e poderia ser provavelmente debitado a pessoa que escreveu o documento anterior.


Existem diversas formas de preconceito. E aqui tratamos do preconceito na forma que ele é usualmente encarado: um juízo alienatório de uma pessoa incapaz de sair da circunferência de seu eu e de seu grupo social, de raça, de gênero, de orientação sexual, etc. O preconceito se manifesta por uma atitude discriminatória hostil a determinados segmentos sociais. E se revela pelos seus impactos não só socialmente destrutivos, mas semelhantemente:

- Pelo impacto psicológico, gerando transtornos mentais e, em casos mais graves, suscitando ideações suicidas e práticas de automutilação;

- Pelo impacto econômico, fomentando a desigualdade e até a dominação de determinados grupos;

- Pelo impacto político, criando estruturas politicamente nocivas que paralisam a igualdade harmônica e desejável entre membros de uma mesma sociedade;

- Pelo impacto social, caracterizando uma sucessiva construção de um aparato deslegitimador de pessoas por suas orientações sexuais, etnias, religiões, dentre outras características.


Existem, evidentemente, outras características nocivas que poderiam aparecer aqui. Todavia o número de caracteres do Instagram impossibilita um detalhe mais minucioso.


O racismo, o preconceito mais trabalhado no texto, é uma forma de dominação e uma mentalidade que justifica algumas raças e subjuga outras. Ele atribui que algumas características, típicas de determinados fenotipos, possuem uma superioridade intrínseca. Enquanto outras, pertencentes a outros tipos, possuem inferioridade intrínseca. Esse determinismo gera uma confirmação passiva ideologicamente determinada para estruturar todo um aparato repressivo.


Combater o preconceito, seja de qualquer espécie, é um dever de um educador na medida mesma que qualquer preconceito impede o pleno exercício da humanidade. Combater o preconceito é possibilitar que exista, no outro ou em nós mesmos, uma humanidade aspirante de sonhos e dignidades.

Acabo de ler "Multiculturalismo" da Dra Marcia Polacchini

 



O papel de um educador é sempre o de favorecer uma ampliação da capacidade crítica. Essa capacidade, por sua vez, revela-se na possibilidade mesma de expandir os horizontes da própria cultura. Isto é, a de expandir os limites do mundo em que se localiza. Essa expansão é decorrente duma imersão dialógica no multiverso de diferentes culturas que variadamente conflitam, juntam-se ou vivem tolerantemente.


O processo de desenvolvimento da América Latina está atrelado a um conflito: mesmo que multicultural por sua forma, apresenta-se dum modo desnivelador e opressivo. Existiam os grupos socialmente dominantes, aos quais obedecíamos, e os grupos marginalizados de toda espécie. Essa postura favoreceu um engrandecimento de locais dominados pelos grupos mais poderosos e pouco ou nenhum espaço para grupos sociais de menor poder. Contradição essa que resulta em conflitos sociais gigantescos até hoje.


O multiculturalismo visa estabelecer:

- O contato entre diferentes grupos;

- Um processo de radicalização democrática;

- Frear as pulsões de dominação de grupos sociais majoritários;

- Propulsionar uma sociedade mais harmônica;

- Tornar mais presente a participação de grupos minoritários ou menos poderosos no rumo sociopolítico;

- Etc.


O multiculturalismo também é uma negação do pseudo-universalismo. E o pseudo-universalismo nada mais é do que uma falsa concepção, gerada por um erro perceptual, de um grupo sobre si mesmo. Esse grupo usualmente se coloca acima dos demais e quer subordiná-los a sua cosmovisão. Nesse campo é necessário um combate. Uma forma de esfriamento de mentalidades antidemocráticas expansionistas.


O multiculturalismo é, por sua importância social, um dos maiores debates da contemporaneidade e um gigantesco problema a ser resolvido.

quinta-feira, 21 de março de 2024

Acabo de ler "Teatro Completo: Peças Míticas" de Nelson Rodrigues

 



Com esse texto se encerra, por fim, a mais grandiloquente saga de microanálises desse perfil: um passeio imortal pela obra do homem que se fez eterno pela sua produção teatral. É, para mim, um grande momento. Eu tenho a honra de dizer que sou daqueles que conseguiu ler toda a produção teatral de Nelson Rodrigues. E não só li, como analisei. Talvez não com a grandeza que mereceria um autor de estatura tão universal quanto Nelson Rodrigues, mas ainda assim, em minha pequeneza, pude divulgar as suas obras.


Nelson é um homem sem o qual nada faria sentido. Lembro-me até hoje que estava isolado, numa casa desocupada, lendo Pondé. E Pondé detalhou Nelson com uma infinidade de detalhes, tão belos e tão maravilhosos, que me fez, logo após terminar o seu livro, buscar um livro de Nelson Rodrigues na biblioteca para poder ler. Daí para frente, tudo mudou num absurdismo mágico.


Eu lhes digo orgulhosamente, sem medo de passar uma impressão de monotonia intelectual, que leio Nelson Rodrigues há onze anos. Não houve, desde meus 16 anos de idade, um ano que não tenha pego um livro de Nelson Rodrigues para ler. E isso demonstra todo triunfo de impotência apaixonada que essa obra me causa. Ela é como uma bomba que, ao explodir, causa um choque estremecedor cujo o impacto, na pele, não é o de dor e sim o de espantamento admirativo.


Nelson é, para mim, meu pai espiritual em duas grandes áreas: na dramaturgia e na crônica. Nessas duas áreas, Nelson reina na minha consciência, como uma espécie de imperador ululante e eu sou apenas parte do cenário que existe tão somente para justificar a beleza lírica de sua obra, tal qual a estranha Cabra Vadia que ficava comendo capim ou mato enquanto Nelson realizava suas hilariantes entrevistas imaginárias - dizia ele, em seu saber profético, que essas eram mais verdadeiras que as entrevistas reais.


O tempo passa, leio e leio vários e vários autores, numa maquinal erudição acumulativa. Só que eu tenho a certeza absoluta de que, em toda minha vida, lerei Nelson Rodrigues e/ou escritos sobre Nelson Rodrigues. Nelson Rodrigues é e sempre será isso: o trágico fulminante!

Acabo de ler "Teatro Completo: Tragédias Cariocas II" de Nelson Rodrigues

 



(Texto publicado atrasado. Já havia sido lançado do Instagram e Facebook)

Ler Nelson Rodrigues é um ato de ex-covardia. O homem expôs para nós o que escondíamos em nossos corações amaldiçoados pela falsificação contínua do discurso para negação continuada de nossa realidade psíquica. A sua obra é um contínuo enfrentamento da condição perfomática que a sociedade nos insere.


Nelson quis deixar a sociedade nua. Talvez por uma forma de vingança, talvez uma forma de ser um professor moral, talvez pelo simples desejo de ver a verdade sendo pouco a pouco revelada. A sua obra é duma somatória de confissões e revelações que dão os contornos das almas humanas e brasileiras em toda a sua veracidade trágica.


E, no fim, não é na confissão em que se reside a verdadeira postura filosófica e psicológica? Só nos damos por conhecer quando somos verdadeiros, só alcançamos degraus mais altos de filosofia quando expressamos nossas ideias de fato como elas são. Criar adornos verbais imposibilita a própria capacidade evolutiva e prende a vida num ciclo de mentiras ilusórias que fazem com que percamos o nosso tempo de vida vivendo uma vida falsa.


A intenção do moralismo mortal de Nelson Rodrigues é que a ontologicidade humana não se autodevore em nome duma adequação social de caráter puramente normativa e perfomática, o moralismo de Nelson Rodrigues é daquele que confessa a radicalidade de sua subjetividade. O moralismo rodrigueano é o moralismo confessional. Porém a confissão é um dos maiores atos de coragem, ela é pressuposto e antecedente de toda autenticidade.


Nelson Rodrigues deve ser estudado como um filósofo, como um poeta, como um psicólogo, mas sobretudo como um verdadeiro mestre da ciência ontológica. É ele que nos ensina que devemos voltar a estar nus perante Deus sem a falsidade do discurso moral.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Acabo de ler "Senhora dos Afogados" de Nelson Rodrigues

 



Essa peça é bastante misteriosa. Muitas vezes, vemos cenas de personagens que possuem gradações em suas percepções da realidade. Ora se encontram numa realidade plenamente fática, por outras se encontram num pequeno estado de desequilíbrio poético. É como se a fala deles anunciasse uma outra realidade, uma que viesse do próprio inconsciente.


É interessante ter lido de forma plena cada fase da obra dramatúrgica de Nelson Rodrigues. E ver como ele foi, pouco a pouco, construindo a obra que lhe consagrou como um autor que estava acima da média. E como ele conseguiu se tornar o maior dramaturgo brasileiro. 


Quando pensamos na frase "por antonomasia" queremos dizer alguém que represente algo por substituição. Quando dizemos isso queremos dizer que existe uma perfeição na capacidade de uma pessoa representar algo. É por isso que quando dizemos "O Filósofo" referimo-nos a Aristóteles. É por isso que quando dizemos "O Teólogo" referimo-nos a Paulo de Tarso. Agora, ao dizermos, "O Dramaturgo Brasileiro" referimo-nos a Nelson Rodrigues.


A beleza da sua obra demonstra uma grandeza que transcende, em muito, a própria qualidade de obras de pessoas de países mais conhecidos como referência em produção cultural. Ele se ergue, junto com a sua percepção trágica e mística da vida, num patamar deixado apenas aos maiores intelectuais da história.


Louvado seja, senhor Nelson Rodrigues, por ter uma obra que consagrou o Brasil na história do teatro universal. Louvado seja, senhor Nelson Rodrigues, por ter nos presenteado num quadro de perfeição as misérias humanas para que nos purifiquemos em processo catártico.

Acabo de ler "Hombres y Engrenajes" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)


 


"Pero así como la máquina empezó a liberarse del hombre y a enfrentarse a él, convirtiéndose en un monstruo anónimo y ajeno al alma humana, la ciencia se fue convirtiendo en un frígido y deshumanizado laberinto de símbolos. Ciencia y máquina fueron alejándose hacia un olimpo matemático, dejando solo y desamparado al hombre que les había dado vida"

(Ernesto Sábato)


Esse livro é, certamente, portador duma brilhante mensagem e, ao mesmo tempo, duma liricidade no uso da língua de Cervantes. O conteúdo ensaístico casa perfeitamente com a capacidade de gerar bons efeitos poéticos por meio da escrita. Além disso, a mensagem em si vem recheada duma erudição inabalável que só homens como Ernesto Sábato sabem ter. Certamente esse livro entra como uma das melhores leituras do ano.


Digo-vos que existe uma grande questão: falido o projeto socialista e tendo o mundo nas mãos do imperativo ideológico da forma econômica do capitalismo, que sobra de nós? As mensagens sociais que venho visto, longe de serem de apoio ao capitalismo e estrita observância a ele, são a negação cabal do domínio capitalista e a esperança de que, ao menos alguma hora, uma afronta surja e ataque os sonhos burgueses que atordoa vários de nós.


O homem está hoje, mais do que todos os tempos, dominado. Tornou-se apenas um escravo das estruturas que ajudou a construir. E agora se lida com um mundo vazio, sendo apenas um dado numérico diante dum grande oceano de nada. E ao se olhar como mera formação estatística se revolta e crê, crê firmemente numa aurora que deixará toda essa porcaria tecnocrática no chão e trará, reacionária e revolucionariamente, o retorno de seu Self.


Acreditamos, apesar de tudo, num devir dum mundo melhor. E nossas lágrimas preenchem o chão enquanto nos vemos sistematicamente explorados por um mundo corrupto, por um sistema doente e por uma horda de homens que na desumanidade de cada dia se desumanizam em coro harmônico com essa mesma desumanidade.

terça-feira, 19 de março de 2024

Acabo de ler "Arte-educação no Brasil" de Marcia Polacchini

 



A situação do ensino e do estudo no teatro avançou muito, mas ainda existem uma série de lacunas a serem preenchidas. Uma das mais requisitadas, como não poderia deixar de ser, é o estudo individualizado das matérias artísticas para um desenvolvimento mais global na prática na arte e, igualmente, na possibilidade de especialização conforme a individualidade do aluno.


Veja que o teatro sempre leva ao questionamento: é por meio do teatro que a pessoa vivencia de forma simulada uma vivência real ou ficcional. Ou seja, a atuação é, em si mesma, uma forma de potencialização educacional. O que leva necessariamente a um aumento da capacidade de aprender. Ao simular um texto teatral, o aluno adentra numa espécie de vivência simulada que corporifica o conteúdo da mensagem e o dá uma forma singular de aprendizagem.


Pode-se dizer que a literatura já é, em si mesma, uma forma de passar simuladamente uma espécie de vivência. E o leitor, ao adentrar no texto por meio da leitura, já consegue efetivamente simular em sua cabeça o conteúdo daquela experiência. É por isso que a ficção é mais assimilável que o conteúdo filosófico em estado puro. Todavia existe algo que vai além: é a interpretação de um texto por meio da atividade de atuação. E é por causa disso que o teatro é importante.


A compreensão de que a literatura ajuda ao estudante ao lhe dar possibilidade de uma afetividade com o conteúdo de estudo, deixando-lhe mais propício ao conteúdo da mensagem já é um fator crucial para compreensão do estudo literário. Saber que o teatro ajuda nessa linha, mas intensificando o lado da simulação, ajudando o desenvolvimento mais pleno da expressão corporal no processo, também ajuda a compreender a importância crucial do teatro na formação humana.


No Brasil, com o avanço duma educação tristemente focada em "funcionalidade" laboral e extremamente produtivista - própria do ideário neoliberal - nos falta a compreensão do teatro e da literatura. Visto que qualquer coisa é pensada como "exacerbação da imaginação", sendo que a própria ideia de um ser humano completamente maquinal e racional é produto do imaginário.