domingo, 5 de maio de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 7)

 



Continuando, mais uma vez, a parte de Emil Ludwig, estamos nas páginas 109 à 122. Nessa parte temos a acentuação do conflito de Stalin e Trotsky, indo até a expulsão de Trotsky do país e, posteriormente, adentrando no conflito da União Soviética com a Alemanha nazista. É evidente que, nesse conflito, temos mais o aspecto da luta pelo domínio do poder interno na União Soviética do que a luta da União Soviética contra a Alemanha Hitlerista.


É interessante: o poder tem uma natureza que é paradoxal. Ao mesmo tempo que apresenta uma sutileza que é regida pelas múltiplas contrariedades que carrega, existe uma outra colocação, esta é o de sua brutalidade. Algo que só alguém de olhos bem treinados poderia entender, num esforço de grau simetricamente parecido ao do exercício esotérico. Trotsky e Stalin tinham o mesmo objetivo: o de trazer luz a um mundo socialista. E, mesmo assim, caíram um contra o outro como dois predadores de objetivos opostos. Como poderíamos explicar tamanha contradição? Talvez pelo próprio impulso de governar, de mandar, de estar na liderança. Mesmo num regime de comunidade, de governança coletiva, de cooperativismo, a natureza humana ainda pesa e ainda se faz escutar por meio da sua influência incontornável.


Outro ponto salutar: a capacidade de manter o socialismo no país requisitava uma harmonia de interesses. Sem essa harmonia, manter o socialismo no país seria algo absurdamente difícil. Uma tarefa quase impossível, para não dizer ingrata. É dessa dualidade – manter o desejo político dum projeto de poder comum ao mesmo tempo em que se lida com as múltiplas versões desse mesmo projeto por diferentes pessoas que se antagonizam – que surge a anatomia do poder soviético e a sua carga de repressão. Olhando minuciosamente, o aumento do poder repressivo do Estado soviético para manter o próprio Estado soviético não é um mero acidente em sua substância, mas a própria substância do mesmo Estado soviético. Tal como é a substância de qualquer modelo de Estado, isto é, a mesmíssima substância de autoconservação. Uma das naturezas do Estado é a de manter a própria natureza do Estado.

sábado, 4 de maio de 2024

Acabo de ler "Kage no Jitsuryokusha - Vol VI - Aizawa Daisuke" (lido em espanhol)

 


A obra de Shadow Garden continua bastante interessante, embora não tenha o ar de glória que tinha em seus primeiros volumes. Para ser mais exato, o enredo desse aqui me passou quase que indiferentemente. O que não é um bom sinal, embora a história da light novel ainda me encante e eu queira ler os volumes posteriores para ver no que vai dar.


Quanto ao volume existe um recurso que me chamou muita atenção nesse volume, existe uma série de piadas que remetem ao nosso mundo. Isso faz com que o autor possa dar pistas sobre a sua própria vida intelectual. Essas referências, muitas vezes literárias, que aparecem em forma de piada, com nomes trocados, servem para demonstrar a erudição do autor. Um recurso bem inteligente, bem colocado e, por sinal, bastante inusual. Demonstra a genialidade dum escritor que rompe paradigmas com a sua obra que sempre quebra os clichês da indústria cultural nipônica.


Uma correlação que se poderia traçar é: a obra tem o aspecto sombrio das obras modernas (Chainsaw Man, Demon Slayer e Jujutsu Kaisen) junto ao humor de Konosuba. Essa correlação cria quebras interessantíssimas: o aspecto sombrio é bem preservado, sendo típico da nossa contemporaneidade (The Boys e Deadpool são fenômenos evidentes disto), ao mesmo tempo em que o humor se mantém intacto com a sua fórmula já montada desde o primeiro volume.


Creio que o autor seguirá uma linha em que a fórmula vá, pouco a pouco, sendo atenuada. O protagonista já não é mais completamente inconsciente das mentiras que contou. Sobretudo do fato de que as mentiras que contou eram, por estranho acaso, uma verdade neste mundo em que agora está. Uma continuidade dessa linha seria equívoca, visto que o próprio enredo vai em direção contrária. O que me pergunto é: como o autor conseguirá atenuar o efeito cômico dessa fórmula que utilizou nos primeiros volumes e que agora não apresenta mais um sentido e que perdeu seu efeito? Essa resposta será dada pouco a pouco e isto revelará o vigor artístico e narrativo dessa obra que ainda tem muito potencial. 

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 6)

 



Ainda na parte escrita por Emil Ludwig, estamos nas páginas 87 à 108 do livro. Aqui vemos o governo de Lênin e toda a conjuntura de dar forma ao poder revolucionário. Com os poder em mãos, o esforço não era mais o de promover instabilidade ao poder dominante e sim o de criar um novo poder dominante. Ou seja, o de construir a ditadura do proletariado. Um estado diferente de todos os outros: não sendo mais controlado pelo clero (via religião), pela aristocracia ou realeza (via política) ou pela burguesia (via economia), agora cabia ao próprio proletariado e ao seu fiel amigo, o campesinato, o de ditar o rumo de sua própria vida e engendrar as engrenagens da liberdade que sempre almejou.


Só que havia um problema nesse sonho, o problema era que o sonho não era só de um. O sonho era um sonho compartilhado com várias visões que, mesmo que se juntassem com alguma semelhança, apresentavam-se distintamente. Dentro do próprio partido, existiam rupturas. Não só isso: socialistas revolucionários, anarquistas, mencheviques e tantos outros, também combateram a burguesia e seus aliados na revolução. Cada qual queria ter parte nesse poder que surgia, mas cada qual tinha uma visão distinta sobre esse poder. Partidários de uma mesma classe – ou duas classes (proletariado e campesinato) –, divididos por diferentes ideais.


O poder evidentemente caiu nas mãos dos bolcheviques, isto é, dos comunistas. Inicialmente esse poder foi utilizado para reprimir os teóricos e adversários do poder comunista, garantindo a estabilidade do poder com base na repressão. Depois de terem calado os inimigos "extra-doutrinários", cabia-se estabilizar o poder nas mãos dos comunistas. E como é que eles fariam isso? Concentrando-o nas mãos de um grupo de comunistas em vez de reparti-lo nas mãos de todos os comunistas. Esse repetitivo processo de concentração para estabilização do poder e para manter a revolução seria, a posteriori, um grande problema para o Estado Soviético e um dos principais motivos de seu fim.


De qualquer forma, a rivalidade entre Trotsky e Stalin vai se delineando e uma ruptura definitiva vai surgindo pouco a pouco.

domingo, 28 de abril de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 5)

 



Essa parte do livro é referente ao capítulo II, em que o historiador Emil Ludwig, dá continuidade a sua análise sobre a vida de Stalin. Vai das páginas 73 à 86. Conta um pouco mais do período de agitação revolucionária e como Stalin, de forma subterrânea – e sempre obedientemente –, continuou como um disciplinado seguidor de Lênin em seu ofício revolucionário.


Quanto a Stalin observa-se: este queria ser, tão apenas, um seguidor de um grande homem. Este grande homem era Lênin. Stalin era uma mescla: ao mesmo tempo em que era um grande estrategista revolucionário, era calmo e quieto. Tal paradoxidade é, até hoje, um grandioso mistério para as múltiplas análises que aparecem grandiloquentemente nos textos produzidos por intelectuais. Isto é, um homem pode ser quieto e, ao mesmo, um incendiário iconoclasta dum regime opressor? A contradição ainda é uma marca humana e, muitas vezes, até mesmo intelectuais decaem em suas análises perante esse formidável fenômeno. Stalin era tão paradoxal quanto é o mais simples humano, mesmo sendo tão complexo quanto é um grande homem.


Stalin tinha aquilo que muitos dos seus seguidores acreditavam: uma forte intuição revolucionária e uma capacidade de compreender a conjuntura dinâmica do real. Conjuntura marcada por um forte desenvolvimento dialético em que múltiplas forças se alteram em tentativas e erros. Cada uma levantando uma série de hipóteses que podem se provar falhas ou assertivas. Tal qual Hitler acertou ao levantar o sentimento nacionalista ao mesmo tempo que censurava fortemente – por morte até mesmo – os líderes revolucionários para frear o contínuo aumento de poder dos socialistas.


O poder e o bom sucesso de Stalin não veio por acaso, muito pelo contrário: é uma obra dum homem que se pôs inteiramente ao serviço da revolução. É possível falar assim de fé revolucionária. O pensamento de Stalin era, antes de tudo, um modus vivendi que se revelava ontologicamente antes de se revelar como um modus pensandi que se revela filosoficamente. Não compreender isso é não compreender a Stalin e, tampouco, tantos outros revolucionários que incendiaram o mundo.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 4)

 



Essa parte do livro é escrita por Emil Ludwig, historiador alemão de ascendência judaica. Ludwig tinha uma teoria histórica baseada numa noção muito específica: não eram os povos que tinham missões a serem desempenhadas, mas sim que as grandes individualidades conduziam o fluxo da história. Se Stalin é analisado por ele, então ele crê que Stalin era portador duma grande individualidade e, com essa substancial personalidade, alterou o fluxo da história com a sua marca. Essa análise vai da página 57 à página 72.


É interessante observar que Ludwig não poderia ser classificado como comunista, muito menos como um partidário de Josef Stalin – Ludwig se classifica como "individualista incondicional". E, mesmo assim, na autonomia da criticidade de seu trabalho, foi um admirador expectante da obra de Stalin. A fundação da União Soviética parecia-lhe o maior acontecimento político do século XX. Dizia até mesmo que: "os russos são o único povo a destruir o reinado do dinheiro".


Ludwig demonstra um Stalin diferente da imagem contemporânea: um homem de profundos estudos, metodologicamente disciplinado, apaixonado pela solitude e duma capacidade oratória e retórica fulminante. Sua atividade revolucionária não foi tímida, só foi típica da sua estrutura comportamental de asiático: silenciosa e parcimoniosa, mas, ainda assim, portadora duma fidelidade férrea e absoluta. A índole de Stalin não é a de um homem apaixonado narcisicamente por si mesmo, tal qual era a de Hitler. A índole de Stalin está, como diz seu próprio nome, no aço. "Stalin" designa exatamente isso: Homem de Aço.


O texto é altamente biográfico, explora a infância de Stalin e o princípio de sua atividade revolucionária. Com uma infância marcada pela mazela da pobreza, Stalin viu muitas vezes pessoas ricas abusarem do poder. O que lhe marcou profundamente, causando-lhe um desgosto para com a situação política da Geórgia e também do Império Russo. Sua vida no seminário lhe deu uma instrução privilegiada, mas o que lhe arrebatou o coração foram as atividades revolucionárias e as mensagens políticas incendiárias que circunstancialmente apareciam.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Acabo de ler "Homo Ludens" de Johan Huizinga

 



Essa versão é apenas um recorte que li especialmente para minha licenciatura em teatro. Mesmo não sendo o livro inteiro, deu-me um sabor bastante apreciável e ressignificou muitas de minhas crenças. Creio que até a minha visão de muito sobre "jogos" e "brincadeiras", além de seu funcionamento social e psicológico, foi bastante alterada por essa breve leitura. Pretendo algum dia, quando tiver maior disposição de tempo, ler a versão completa do livro.


Johan trabalha com uma hipótese bem diferente da habitual, mas ela está em paralelo com grandes escritores e intelectuais de sua época. Creio que com a sanha racionalista e o desempenho desmesurado duma crença excessiva pela razão e o seu uso acabamos por perder a própria capacidade do bom uso da razão. Muitos intelectuais levaram os mitos e as religiões para as portas da frente da academia (aqui no sentido de universidade), exemplos esses são:

- Claude Lévi-Strauss;

- Eric Voegelin;

- Johan Huizinga;

- Mircea Eliade.


A sanha racionalista acreditou que poderia desmistificar o homem e traduzir, na Terra, uma forma de homem de razão pura. Um homem absorvido pela atmosfera duma racionalidade objetiva e que encarava o mundo dum modo completamente imparcial. Tal intenção motivou várias escolas de pensamento: positivismo, anarquismo, marxismo, liberalismo, dentre tantas outras. Todavia a ideia de um homem absorvido inteiramente pela potência do intelecto e capaz de dar juízos racionais em absoluta concordância com os critérios da razão suprema nada mais é do que uma construção da própria imaginação humana e, como tal, incapaz de ser realizada na prática – sobretudo tendo-se em conta a própria humanidade inerente ao homem enquanto homem.


Esse texto, por sua vez, apresenta não uma linha de pensamento que defende o aspecto religioso inerente ao pensamento do homem – mesmo que em escala inconsciente –, mas a inerente ludicidade do homem. Ou seja, somos algo além do que seres inconscientemente religiosos, somos seres que brincam inconscientemente. Dar-se conta disso é, mais uma vez, libertador. E espero que um dia que essa percepção seja academicamente mais levado a sério.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 3)

 


Quem é Josef Stalin? Essa pergunta soa e ressoa, mesmo após um período tão distante. Para responder essa pergunta, debruçamo-nos na visão do primeiro embaixador estadounidense na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas: Joseph E. Davis. Que tipo de visão vocês creem que Joseph nutria acerca de Stalin? Uma péssima, não é mesmo? A resposta é: não. Joseph admirava Stalin e via-o como um homem de notável inteligência e capacidade política. Além disso, acreditava ver nele um excelente homem.


Stalin é aqui relatado como um cavalheiro bastante cordial. Mesmo compreendendo a natureza crua – e por vezes fria – do processo político em sua dimensão real, a famosa realpolitik, Stalin ainda demonstra traços de humanidade e arrependimento dos problemas internos e externos, tentando sempre evitá-los ou atenuá-los na medida do possível. Fora isso, seu contato com os cidadãos da União Soviética é bastante próximo e a sua vida está envolvida numa disciplina que a deixava produtiva e vigorosa.


Hitler também foi analisado, embora numa escala menor, nesse pequeno texto. Hitler é descrito como megalomaníaco e que rouba os créditos do esforço coletivo inteiramente para si. Stalin, por sua vez, demonstra-se mais humilde e compreensivo, valorizando o trabalho coletivo. O único paralelo entre os dois é: a capacidade de realizar grandes planos. Hitler regozijava-se da própria crueldade, Stalin sempre se arrependeu de ter que usá-la.


Um dos pontos sempre falados, mas que hoje salta aos olhos do estudante contemporâneo, ainda mais nessa época de triunfo narrativo do anticomunismo e "antistalinismo": Stalin era um homem bastante metódico, de pouquíssimos prazeres, perpetuamente entregue ao estudo sistemático e ao trabalho contínuo. Ele cumpria ferreamente seus compromissos e estudava os problemas nacionais – além de ter uma compreensão elevada da Europa de seu tempo. Além do mais, admirava os Estados Unidos e não queria um conflito com ele.


Seria um homem assim um monstro tal como hoje se pinta? Talvez os objetivos ocultos da narração contemporânea tenham mais a dizer do que a própria narração que tanto se alardeia.