segunda-feira, 8 de julho de 2024

Acabo de ler "DICTADURAS MILITARES Y LAS VISIONES DE FUTURO" de Gabriela Gomes (lido em espanhol/Parte 4 Final)

 


Um Estado é uma visão de um projeto e a realização de um espírito. A ausência de um projeto dificilmente levará a unidade nacional. Logo se faz necessário que a nação tenha um identificação coletiva baseada no cumprimento duma missão civilizada.


Quando os militares assumiram o poder do Chile, quiseram refundar a sociedade e até mesmo a sua mentalidade. A sociedade chilena era vista pelos militares como extremamente estatista, o que a deixa suscetível a mentalidade socialista. Os militares trataram logo de implementar medidas de descentralização, diminuição do gasto público e diminuição do Estado, deixando a iniciativa privada ser o principal motor econômico. Na Argentina, o projeto refundacional deixaria a cargo da iniciativa privada tudo que não ferisse a assim chamada segurança nacional.


Essas iniciativas demonstram o desprezo dos tecnocratas ante ao povo. Isto é, eles creem que o povo não pode governar por si mesmo. Antes disso, o povo deve se elevar a tal ponto que chegue ao desenvolvimento cultural compatível com o nível de um tecnocrata. Essa inferiorização separa o restante da sociedade dos tecnocratas, supostamente portadores de uma visão superior e responsáveis pelos rumos do país. O que não é outra coisa que escravidão política.


Na futurologia argentina, se planejou um desenvolvimento agroindustrial, em que haveria uma implementação de uma modernização industrial. Assim acreditavam que teriam um valor agregado. Além disso, acreditavam que só com o desenvolvimento de uma mentalidade científica-tecnológica seria possível que a Argentina se tornasse uma nação moderna. Graças a isso, investiram também na cibernética, seja no campo da educação (preparando as pessoas para o ano 2000), seja na própria indústria. Computação e informática também foram preocupações do regime chileno, visto que elas se tornariam os motores do desenvolvimento em tempos posteriores.


Olhando hoje, não vemos nem o Chile e nem a Argentina como nações desenvolvidas e capazes de fazer frente aos EUA e Europa – além de, é claro, a China. Apesar de várias boas intenções dos tecnocratas, creio que não foram completamente exitosos em suas intenções. Será que o custo política, social e cultural foi adequado? Promoveu-se a escravização política de sociedades inteiras na promessa de um "futuro melhor" em que essas duas nações seriam equiparáveis a Europa e Estados Unidos, mas se entregou duas nações dependentes e que não tiveram suas prometidas elevações.

domingo, 7 de julho de 2024

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 1)

 


Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters
Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell

Quando falamos sobre identidade bissexual falamos de uma identidade apagada. Não só apagada, mas também marginalizada e estruturalmente excluída. A esse sistema que tenta apagar a existência bissexual chamamos de "monossexismo". O "monossexismo" prevê uma binariedade sexual (hétero-homo), como uma espécie de maniqueísmo sexual. O monossexismo é praticado por heterossexuais e homossexuais, deslegitimando a existência das pessoas bissexuais.

A narrativa monossexista traz uma vantagem para heterossexuais e homossexuais. Se uma pessoa heterossexual quiser fugir do martírio social da homofobia, basta ela ter uma demonstração de afeto pública com uma pessoa do gênero oposto. Esse "argumento triunfal" é, para essa pessoa, comprovação suprema de sua heterossexualidade. Já nos casos de homossexuais, a bissexualidade é um problema pois pode servir como uma "carta coringa". Isto é, heterossexuais poderiam "comprovar" que a sexualidade é uma questão de escolha ou de boa criação. É também mais prático para heterossexuais fingirem ou acreditarem que a bissexualidade não existe, assim fugindo da fiscalização de normalidade.

A bissexualidade é uma ameaça a heteronormatividade, tal como a homossexualidade também o é. No entanto, quando começou a se levantar a questão de uma identidade não-heterossexual, apostou-se na existência duma identidade contraposta a heterossexualidade (a homossexualidade). A oposição binária (heterossexualidade vs homossexualidade) é um reducionismo e a radicalização maniqueísta dessa tendência teorética dualista sustenta uma visão monossexista que leva ao apagamento e exclusão das pessoas bissexuais.

A teoria queer bissexual vai contra a teoria binária pois a teoria binária nega a existência da bissexualidade. A teoria queer bissexual defende a possibilidade de uma existência que rompa estruturalmente com a estrutura binária (monossexismo). Isto é, ela ataca fundamentalmente a estrutura classificatória e engessada que é imposta para restringir a liberdade romântica e sexual.

Acabo de ler "8chan, a Twitter-Fossil" de Susana Gómez Larrañaga (lido em inglês/Parte 4 Final)

Nome completo do artigo: 8chan, a Twitter-Fossil: A post-digital genealogy of digital toxicity


É preciso que tenhamos uma capacidade de investigar a propagação da informação sobretudo em locais altamente descentralizados e desregulados da internet. Apesar da autora estar falando sobre o 8chan e a ausência de mecanismos de regulação para frear a propagação de mensagens tóxicas, a mesma realidade também é observável no Brasil – o movimento channer nacional não é tão fraco como se usualmente pensa. Se não há um mecanismo que identifique a linguagem de determinados grupos sociais, sobretudo grupos particularmente nocivos e criadores de movimentos antissociais, a própria sociedade acaba correndo riscos e sendo vítima da movimentação dessas pessoas.


É evidente que precisamos considerar os aspectos predecessores que os levaram a se tornar o que são e a própria humanidade dessas pessoas, mas elas devem ser presas ou tratadas. Ignorar esse fato é deixar que acumulem mais poderes e mais táticas, garantindo que criem metodologias sócio-colaterais cada vez mais sólidas e perniciosas ao funcionamento da própria sociedade. Assim sendo, temos que compreender que há uma codependência entre o online e o offline. 

Acabo de ler "8chan, a Twitter-Fossil" de Susana Gómez Larrañaga (lido em inglês/Parte 3)

 


Nome completo do artigo: 8chan, a Twitter-Fossil: A post-digital genealogy of digital toxicity


Atualmente se discute muito a questão dos efeitos tóxico-colaterais de certas mentalidades na sociedade. A propagação de ideologias tóxicas se dá muito pela possibilidade que a própria internet fornece. Estamos, como já alertado, presos no dilema da liberdade individual e da segurança pública. Se existem sites em que vemos uma constelação de postagens de conteúdo nocivo surgindo, o que poderíamos fazer se não combatê-los? As antigas soluções do liberalismo clássico muitas vezes desconsideram as implicações psicológicas e sociológicas do discurso e a sua influência no indivíduo concreto ou em agrupamentos sociais. As postagens tóxicas – e a propagação do ideário tóxico – tem efeitos sócio-colaterais, na esfera individual e social, podemos discordar sobre como lidar com isso, mas não podemos discordar que tal problema exista.


Hoje em dia precisamos pensar para além dos antigos dilemas e das antigas soluções. Além disso, devemos superar as barreiras ideológicas e propor uma solução que seja agradável ao bem comum. Não uma solução que seja exclusivamente coletivista ou individualista. Não se trata de esmagar o indivíduo ou a sociedade, mas se trata de colocar uma solução que possibilite o indivíduo viver ao mesmo tempo que cuide do anseio social.

Acabo de ler "Sacred Chaos" de Françoise O'Kane (lido em inglês/Parte 2)

 


A pergunta sobre todas as séries de fatores que levam a funcionalidade ou disfuncionalidade de um organismo são essenciais para compreender como fazê-lo funcionar de modo razoável. A questão que o autor dirige em seu estudo é: como o aspecto da sombra dentro do "self" pode nos ajudar a entender como curar uma pessoa ou atenuar o seu sofrimento? Outra questão: como algumas pessoas são mais "determinadas" em aspectos negativos do que outras? Existe uma correlação entre criação familiar e genética, mas é necessário uma análise mais múltipla para ser menos reducionista e mais completa.


Teoricamente falando, não há suficiência teórica. Por mais que tenhamos uma capacidade maior de análise devido ao ampliamento dos estudos, ainda se é impossível determinar todos os fatores que contribuem na formação de uma insalubridade psíquica de modo perfeito e, assim, gerar uma "sanidade universal". Aliás, a própria existência de uma sanidade universal é questionável, visto que podemos nos enganar diante das nossas próprias inconsistências teóricas inconscientes. A ideia de universalidade já é perigosa, a ideia de a possuir completamente é espinhosa e apresenta períodos de alta crise humanitária (a eugenia nazista é um concreto exemplo disso). A hipótese de total controle sobre as informações que nos faltam levam, de tempos em tempos, a autoenganos trágicos e a paraísos teóricos que se tornam infernos práticos.


Em outras palavras, o que é curar o psiquismo de alguém? Descobrir a falta original? Reestruturar a personalidade com um modelo ideal? Acrescentar o que faltou no desenvolvimento do(a) paciente? Colocar as pessoas nas normas que a sociedade considera majoritariamente como adequadas? Não há um modelo de um herói que tenha superado todos os aspectos sombrios da vida. Se olharmos para todas as pessoas que conhecemos, elas não são um exemplo universal de virtude. Se o começo da argumentação parte de uma abstração que não é verificável dentro da própria estrutura da realidade, como poderíamos pô-lo em prática se sequer temos um modelo palpável? Se estamos no reino da contingencialidade e da impefectude, como poderíamos exigir um padrão altamente idealista se a própria realidade se furta a nossa pretensiosidade? Não há modelo de virtude universal na realidade cotidiana, exigi-lo é sobrecarregar nós mesmos e as pessoas da nossa volta com uma abstração.


Atualmente vivemos numa sociedade baseada no crescimento, no desenvolvimento técnico e tecnológico – além do avanço científico para impulsionar esses dois. Nos tempos modernos, somos avaliados de acordo com a possibilidade de enquadramento na escala produtiva da sociedade e também no aumento dessa mesma produtividade. O parâmetro de normalidade se dá pela funcionalidade atrelada a essa mesma produtividade – "valor" e "agregação de valor" são duas noções que regem a contemporaneidade. É evidente que, se olharmos para outras sociedades e outros períodos históricos, temos outros quadros de normalidade – não há e nem nunca existiu um parâmetro universal de normalidade. Outro ponto central nessa análise: o que é "curar" alguém no sentido psíquico? A psiquê está sujeita a uma dialética que vai se alterando de tempos em tempos. Não se pode assegurar uma "estabilidade contínua", isto é, uma "estabilidade" que se dê até o fim da vida ou do momento da "cura" até o final da vida. Ou seja, a ideia de "cura definitiva" é um pouco deslocada da natureza humana. Ademais, a ideia de "cura" carrega valores humanos de forma latente, onde há uma "normalização" focada em normas humanas contextuais – circunscritas em nosso próprio contexto cultural e histórico. Sendo assim, a noção de melhora é relativa e não poderia ser justificada de todos os modos. Se não, teríamos que dizer absurdos como: "você está curado por estar adequado(a) à conjuntura dos valores sociais vigentes".


Quanto a cura se deve ter em conta de que o "Dark Self" é altamente irracional e emocional. Ele não pode ser excluído e é inerente a nossa própria humanidade. Além disso, o "Self" em si mesmo não contém juízos de valor sobre o que reside em sua interioridade. No Self, não há uma distinção entre "bem" e "mal" como há entre o "consciente" e "inconsciente". Pode-se teorizar-se que a sombra é dividida entre a "sombra pessoal" e a "sombra coletiva", logo ela está no "inconsciente pessoal" e no "inconsciente coletivo". Temos lados ruins particularmente nossos e outros que são comuns a humanidade em si mesma – embora esse lado ruim seja considerado ruim pela moralidade social vigente. Para a "cura" há a necessidade de que o ser reconheça a completude de si mesmo, levando a um processo de integração. A possibilidade de repressão não é funcional, visto que se a sombra continuar sendo reprimida, existe a possibilidade de que a sua "energia" se acumule até que se torne uma espécie de grito da alma. Visto que o lado negativo acumulado pode ser "engatilhado" pelas situações existenciais do mundo e a sombra se manifestar sem a que a gente consiga reprimi-la – e quanto mais energia negativa for acumulada, pior será a explosão que será desencadeada. A questão é: como integrar a sombra a nossa personalidade se não podemos manifestá-la? A sombra é a sombra, em primeiro lugar e antes de tudo, pelo fato de ser socialmente inadequada.


A sociedade contemporânea apresenta um problema radical para com a sombra e o aspecto sombrio do Self. A própria noção de que as redes sociais ampliam demasiadamente a nossa imagem social – tornando-a mais conhecida – e isso faz com que nos tornemos mais sensibilizados ante ao julgamento social, além de uma postura mais energética a adaptabilidade normativa, nos dá um delineamento dessa questão que se torna cada vez mais problemática. A exposição excessiva leva a uma postura mais rígida e mais autorepressiva, aumentando o "condicionamento social" e aumentando o acúmulo energético sombrio. Ao deixar públicos os nossos pensamentos, sentimentos e momentos vitais, tornamo-nos figuras públicas que são julgadas conforme os padrões que regem a sociedade. Como não podemos nos manifestar de modo incongruente aos anseios sociais sem sofrer represálias, acabamos por criar um reforço da normatização e postagens que refletem uma postura social adequada. Se a vida social fosse menos pública, isto é, se fosse mais privada, não teríamos todo esse impacto sobrecarregando nosso psiquismo.


Uma das possíveis soluções é a do equilíbrio enérgico. Em cada ação negativa, colocar uma regra que delimite o peso dessa ação, tornando-a não tão negativa quanto usualmente poderia ser. Uma energia positiva deve ser inserida na energia negativa quando essa é utilizada, assim os efeitos tóxicos – para si mesmo e para o outro – são controlados. Deixar a energia negativa acumulando é fortalecer o polo sombrio do Self e esse fator cumulativo pode levar a uma explosão que obscurece a própria capacidade de funcionamento usual. O fenômeno da regressão pode ser mais ou menos impactante a depender de todo contexto precedente e da boa capacidade de autorregulação psíquica. É preciso utilizar a energia negativa de forma controlada, isso é melhor do que esperar que ela "exploda". Todavia isso requer uma aceitação de que o "mal" está dentro de nós o tempo todo e que precisamos de um bom convívio – além de um convívio cético – com esse mesmo mal.

sábado, 6 de julho de 2024

Acabo de ler "Sacred Chaos" de Françoise O'Kane (lido em inglês/Parte 1)

 


O Self não faz divisão de valores. Ele é a totalidade, isto é, sejam compostos considerados pelo próprio "Ego" como bons ou ruins. Quando nossos valores, moralidade e virtudes entram em choque com uma realidade que nos nega, existe uma tentativa de puxar "os conteúdos caóticos" de dentro de nosso ser e pô-los em prática. O lado irracional e sombrio é inerente ao psiquismo, ele pode ser custosamente reprimido, mas não pode ser retirado. Ou seja, ele estará conosco onde quer que estejamos e poderá despertar quando menos esperarmos.


O eterno conflito da natureza humana, ele aparece diversas vezes durante a história. As linhas mais avançadas do cristianismo defenderam que o mal está circunscrito na esfera da ação moral, mas não é uma existência por si mesma. Por outro lado, existe uma versão maniqueísta em que há um dualismo no mundo. Um "deus bom" e um "deus mal", opostos dialeticamente. Existe a gnose que separa duas deidades, a material e a espiritual. Os problemas do mundo teriam surgido através da criação do mundo físico.


Ora, o elemento do caos – a ausência de regularidade e estabilidade – gera sempre uma outra percepção acerca da humanidade. Por exemplo, existe dentro da mentalidade revolucionária uma ideia positiva. Do caos, surgirá uma ordem mais justa, socialmente mais equilibrado e em que os recursos são dispostos de forma a favorecer o bem comum. Logo o caos é percebido instrumentalmente, o caos serve para a criação de uma ordem. O revolucionário não defende o caos pelo caos, mas a geração de um caos para a destruição da ordem existente. Isso tendo em vista uma nova ordem. Esse fenômeno pode ser enquadrado como uma espécie de "sedução sombria".


É possível dizer que existe um mecanismo de regressão. Essa regressão é, particularmente, enquadrada como um mecanismo de retornar a passos anteriores – idades mentais anteriores – para resolver um conflito presente. Isso leva a uma perda do "quadro psicológico" em sua inteireza.  Isto é, se o psiquismo pode ser enquadrado como um quebra cabeças em que há graus maiores de consistência e inconsistência pelas partes que faltam ou estão devidamente integradas perante o aspecto momentâneo e dinâmico da vida. Quando entramos em crise, há um obscurecimento e perda quantitativa dos fragmentos que estavam integrados, o que leva uma perda qualitativa do autocontrole psíquico e da estabilidade mental. Usualmente levando a infantilização e imediatismo.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Acabo de ler "Epic Win for Anonymous" de Cole Stryker (lido em inglês/Parte 4)

 


A internet é a criação de vários projetos. Ela nunca foi muito unificada quanto a visão de seus portadores. Não há um senso dirigente geral. Existe apenas uma mescla de várias variações que saúdam umas as outras ou se afastam. Existe uma tradição virtual daqueles que não gostam do funcionamento da vida real: somos muitas vezes marcados por laços e traços de identidades que nos classificam, várias vezes de forma errônea, sendo julgados muitas vezes por condições que nem sequer fomos nós que escolhemos.


Qualquer um que tenha estudado, trabalhado ou vivido em sociedade sabe: somos classificados e hierarquizados o tempo todo. A existência de fóruns que permitam uma não identificação permitem que outros julgamentos possam vir a ser feitos. Esses julgamentos não se baseiam mais na beleza, no porte físico, na capacidade financeira ou na cor dos olhos. Eles pertencem exclusivamente ao âmbito das ideias. É assim que se pensava a Usenet e Futaba, e é assim que também se pensou inicialmente o 4chan.


Não existem muitas leis, nem muitas regras. Ninguém te conhece, nem te julga. Você pensa o que quer e joga aquilo que quer por lá. Não há muita restrição, tão somente interação. Esse seria o ambiente de possibilidade criativa perfeita, com toda envolvente dinamicidade de anônimos conversando entre si. Essa possibilidade de internet foi a internet que o mundo perdeu.