sábado, 3 de agosto de 2024

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 5 Final)

 


Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters


Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell


Falamos sobre a possibilidade da estranheza. Isto é, um mundo que transcende a normalidade e vai aquém dos domínios delimitados pelas vias usuais. A possibilidade queer, a possibilidade estranha, se choca sempre com o discurso normativista e a imposição normativa. As pessoas confundem a estranheza ou o diferente como uma espécie de doença. Toda anormalidade é tratada como doença. A normalização muitas vezes vem carregada de patologização.

Quando falamos sobre movimento queer queremos falar sobre a possibilidade de escolha. A liberdade atitudinal. A liberdade sobre o próprio corpo, sobre a própria vestimenta, sobre a própria utilização da sexualidade, sobre a própria capacidade de decidir. O movimento queer é sobre não ser condicionado por construções sociais que são postas como indiscutíveis. A discussão de gênero e sexualidade muitas vezes se pauta dogmaticamente por construções históricas e sociais que não são essenciais e muito menos absolutas.

A luta da orientação sexual começou com a construção de uma orientação oposta a heterossexualidade. A identidade homossexual foi posta, assumida e levada a cabo. Porém é preciso pensar na identidade bissexual e como ela se manifesta. É preciso que os bissexuais estejam em diálogo com o movimento queer, mas também pensem acerca da sua orientação sexual em particular.

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Acabo de ler "Psicología evolucionista, el caso de las fobias" de Vários Autores (lido em espanhol)

 




Nome completo do artigo: PSICOLOGÍA EVOLUCIONISTA, EL CASO DE LAS FOBIAS

Autores: Troglia, Marisa; Gillet, Silvana Ruth; Fasciglione, María Paola

A teoria da evolução é uma teoria que afirma que existe um princípio de adaptação ao meio que se marca a partir da luta pela sobrevivência. É a luta pela sobrevivência que promove, não só a humanidade como todos os outros animais, a adaptação ao meio. A psicologia evolucionista, surgida a partir da teoria da evolução, propõe uma perspectiva integradora. Ela sintetiza a teoria evolucionista, a psicologia cognitiva e a psicologia aplicada. Ela serve para o estudo – e também o diagnóstico – da normalidade e da patologia.

As emoções têm um valor adaptativo para o indivíduo. Elas fazem parte dele por serem úteis e por facilitarem a sua sobrevivência. Uma explicação psicológica evolucionista da ansiedade é a de que ela é útil para detectar perigos no meio ambiente e promover respostas adaptativas. A ansiedade pode ser natural (advinda de perigo real) ou uma disfunção (advinda de defeitos genéticos ou uma variação). A função genética do medo é a de ativar e movimentar o organismo para enfrentar o perigo. Atualmente muitas das questões desenvolvidas por nós fazem parte de nossas características filogenéticas, mas não possuem muita validade numa sociedade em que o homem já domina muito do meio em que vive.

Somos preparados pela nossa história evolutiva (filogenética) para associar certos estímulos a certas respostas. A história evolutiva das espécies (seleção natural) tem inegáveis vantagens adaptativas, todavia ela sempre é uma incógnita. O ambiente é móvel, isto é, está sujeito a alteração. Logo podemos estar em vantagem ou desvantagem de acordo com nossa adaptabilidade.

Existe o conceito de preparação, no qual é apresentada a ideia de que o organismo está filogeneticamente preparado (através do processo evolutivo da sua espécie) para associar certos estímulos com relativa facilidade ou dificuldade (um mecanismo de cálculo), esses podem ser:
  • Seletividade: são ativadas quando entramos em contato com perigos que foram importantes na história da humanidade;
  • Fácil aquisição: são adquiridas num único ensaio e sem necessidade de um estímulo traumático;
  • Resistência a extração: é uma característica da "aprendizagem preparada", isto é, nossa disposição para aprender acerca de um perigo;
  • Irracionalidade: desproporção entre um perigo real e sua resposta proporcional em ansiedade.
As reações fóbicas, isto é, o medo ante a determinada situação ou objeto, foram transmitidas geneticamente. A razão é pelo fato de que os indivíduos portadores de certos medos foram mais capazes de sobreviverem e se adaptarem. Quando um evento acontece, uma reação emerge no organismo para esse evento. Essa é a linha da aprendizagem preparada. As variações genéticas, por sua vez, traçam que certos indivíduos tem maior potencialidade de adquirirem certas fobias do que outros. 

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 4)

 



Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters


Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell


A realidade bissexual é a realidade da deslegitimação e apagamento. Muitos creem que a bissexualidade pode ser conquistada ou superada, isto é, adaptando-a a uma via monossexual (hétero ou homo), levando a aguardada "estabilidade". Esse comportamento social é descrito como parte da ideologia monossexista, seja ela provinda do meio homossexual ou do meio heterossexual. Esse dualismo, o maniqueísmo sexual de dois antagonismos que se chocam (heterossexualidade e homossexualidade), levam a uma tensão constante entre esses dois grupos (heterossexuais e homossexuais) e os dois grupos de voltam contra bissexuais (bifobia).

A bifobia também está entrelaçada a performática de gênero. A performática é a arte de cumprir – e de forçar – papéis sociais determinados. Um homem deve agir como um homem e uma mulher deve agir como uma mulher. Todavia muitas das questões de gênero são confusas: muito daquilo que é encarado como propriamente masculino ou feminino está ligado a uma construção histórica ou cultural determinada, não sendo essencialmente contínua. Isto é, se um comportamento é essencialmente masculino ou feminino, verificar-se-ia universalmente e não em contextos históricos e/ou culturais. A incapacidade de ir além dos limites sociológicos torna a maior parte do discurso normativo uma mera forçação que se justifica como coação.

Na bissexualidade, a realidade do gênero e do sexo se perdem. A performance – seja em grupos héteros ou homos – não pode ser ao todo acolhida ou suportada. A pessoa bissexual, seja quem ela for, está além das barreiras das contingencialidades heterossexuais ou homossexuais. Delimitar-se comportamentalmente por esses dois meios é uma forma de redução da sua personalidade e identidade. A possibilidade bissexual é a possibilidade de ir além dos limites contingenciais dos mundos heterossexuais e homossexuais, cortando não só para os dois lados, como para as duas possibilidades existenciais.

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 3)

 




Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters

Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell


A primeira utilização do termo bissexual era no sentido morfológico e não a uma prática sexual. Naquele período, em 1866, o termo "bissexual" era o que hoje seria chamado de hermafrodita. Só posteriormente o termo bissexual se referiria a uma prática.

O desenvolvimento da "bissexualidade moderna", conceitualmente falando, passa por alguns entraves. Anteriormente se especulava que o desenvolvimento do homem era superior ao da mulher e que homens passavam por uma fase feminizada antes de adentrarem na fase masculina. O desenvolvimento insuficiente causaria um aspecto feminizado, isto é, causaria uma vida sexual com pessoas do mesmo sexo (homossexualidade). Um feto imaturo produziria um adulto bissexual.

Avançando mais pelo tempo, chegou-se a conclusão de que homens e mulheres são gêneros opostos e que bissexuais não saberiam vislumbrar a diferença – o antagonismo – entre esses dois gêneros. O que levaria a percepção de que bissexuais estão internamente em conflito, emocional ou psicologicamente imaturos, além de qualquer outra forma de instabilidade. O desenvolvimento teórico diria aos bissexuais que eles deveriam "se decidir". Alcançar a "maturidade", seja pela via heterossexual, seja pelo via homossexual, mas preferencialmente pela vida heterossexual. Bissexuais deveriam receber suporte para "compreender" as distinções entre os "dois sexos" e "seus antagonismos".

A ideia era levar bissexuais a compreenderem as distinções entre "os dois sexos" para que eles se tornassem adultos saudáveis. A ideia de que a preferência pelos dois sexos era contraditória, levando a cisão interna, era o norte da antibissexualidade: o bissexual está eternamente dividido, incapaz de ter relacionamentos e estabilidade mental, até que se cure da bissexualidade. Um pouco dessa mensagem ainda ressoa em tempos modernos.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Acabo de ler "Sacred Chaos" de Françoise O'Kane (lido em inglês/Parte 3)

 


Como o lado sombrio pode ser confrontado? O Self é a experiência mais imediata do divino. Todavia esse divino não é uma divino tomado de forma "absolutamente boa", o "divino" abriga uma espécie de substância caótica que é tão psicologicamente importante quanto a parte "sagrada". A má relação entre os dois polos (trevas e luzes) leva a um deslocamento psíquico. Se a má relação causa deslocamento, então a confrontação não é psicologicamente adequada. É preciso que exista uma estabilidade e uma integração.


Vivemos numa sociedade ainda cristianizada e faz parte da nossa cultura a repressão da parte considerada ruim. Essa repressão alimenta a nossa sombra, fortalecendo-a inconscientemente. Não estamos nos afastando do "mal", mas colocando-nos impotentemente ante a sua secreta influência. Dentro do psiquismo, bem e mal fazem paradoxalmente uma unidade. Dentro da cultura cristã, aparecem como irreconciliáveis. A ideia de apagamento do mal pode levar paradoxalmente a um desequilíbrio mental e na ausência da percepção do mal que causa. O mal pode ser, então, racionalizado numa estrutura argumentativa (atacar homossexuais por eles não se adaptarem a estrutura reprodutiva da sociedade, por exemplo) que torne palatável ao ego – tornando a prática do mal como inconsciente a própria pessoa.


Só que falar de "integração da sombra" é algo simples, embora socialmente inadequado – defender que existe um mal dentro de nós e que ele deve ser usado e até mesmo aceito chega a soar absurdo para os "ouvidos mais leigos". Quando pensamos nos mecanismos sociais, eles até agora não demonstraram uma solução satisfatória para a utilização da energia sombria que existe em cada um de nós de uma forma que não seja socialmente tóxica. A utilização da energia sombria pode ser perigosa, mas o seu acúmulo também leva a disrupções sociais. Como já escrito anteriormente, a ideia de que temos que ser bons o tempo todo leva a um acúmulo energético negativo que consequentemente nos leva a ser inevitavelmente maus – e, ressalto mais uma vez, muitas vezes de forma inconsciente.


A imagem do divino (Imagino Dei) e a imagem do Self estão intimamente correlacionadas. A inexistência do mal na doutrina cristã – principal influência teológica da sociedade ocidental – na imagem de Deus leva a uma percepção deturpada da própria estruturação do psiquismo. Essa falha tem um efeito colateral na nossa sociedade. Ainda mais quando temos em mente que a ideia acerca do caos é atrelada ao feminino e o feminino não aparece na trindade. A ideia de "ordem" e "positivo" aparecem de forma inconscientemente maniqueísta na estrutura de pensamento teológico de muitas igrejas cristãs. O cristianismo ao dizer que o mal não está em Deus, cria uma visão em que o mal só pode ser banido para se aproximar de Deus.


A verdadeira natureza do Self está na completude da integração dos elementos, não podendo ser confundida com a negação dos elementos em prol de outros. A capacidade de compreender os diferentes polos do Self e de aceitá-los é de natureza essencial para a maturação do psiquismo. A negação só fortalece inconscientemente o lado que se reprime.

terça-feira, 9 de julho de 2024

Acabo de ler "Epic Win for Anonymous" de Cole Stryker (lido em inglês/Parte 5)

 



O que fez o 4chan se tornar aquilo que ele é? Vivemos num mundo em que a visibilidade se tornou uma constante. O fato de tudo poder ser visto, cada dia mais, numa amplitude cada vez maior, em dimensões cada vez mais absurdas, isso não é assustador? Vivemos numa época em que até mesmo as barreiras coletivas foram ultrapassadas e estamos vivendo num mundo onde quase tudo se torna público.

Quanto mais pública a sociedade se torna, maiores são as fiscalizações sociais na sociedade. Esse aumento de fiscalização leva a uma maior regulamentação social. Hoje em dia é muito mais fácil cobrar alguém por uma frase ou um pensamento, anteriormente não era. E essa cobrança excessiva leva a um aumento da imagem pública, o que corresponde a um aumento da utilização do "ego" e uma carga de várias sensações, sentimentos e ressentimentos sendo jogados na sombra.

Quando as pessoas são sondadas várias vezes ao dia para não caírem em ruínas numa sociedade "extremo-publicizada" elas devem encontrar um subterfúgio para poderem dizer coisas que não podem dizer, pensarem coisas que não podem pensar e verem e ouvirem coisas que não podem ver ou ouvir. É por isso que fóruns anônimos se tornaram os locais prediletos para tal prática.

Com essa pequena análise quero dizer o seguinte: é a própria estrutura da sociedade que vai tornando possível a existência de chans e a mentalidade channer. É o chan o local em que as pessoas podem soltar as suas sombras. Ele é o "local de descarrego".

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 2)


Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters

Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell


Uma orientação sexual invisível e estranha, presa e atacada por pessoas heterossexuais ou homossexuais, que insistem em encaixar bissexuais em sua ordem binária. A questão é: quando uma pessoa é forçada a ser ou se identificar como algo que não é acaba por sofrer. O sofrimento bissexual se dá ante a negação da sua própria existência, tal como se fosse "proibido de existir". E quando identificam alguém que é bissexual, mesmo no âmbito do debate público, logo insistem que essa pessoa é heterossexual ou homossexual.


Outra questão que surge na bissexualidade é a questão do privilégio. Para alguns homossexuais, as pessoas bissexuais gozam do privilégio de terem relações heterossexuais, elas podem esconder a sua própria bissexualidade. Em outros termos, bissexuais podem ser classificados, para algumas pessoas, como "traidores da causa LGBT". Para alguns heterossexuais, bissexuais escondem a sua homossexualidade ou estão num período de confusão. Existem aqueles que, aceitando a existência da bissexualidade, acusam bissexuais de serem promíscuos ou "levarem as doenças sexualmente transmissíveis de um campo para outro".


Com toda literatura científica do mundo contemporânea acerca da sexualidade, além das comprovações continúas da própria existência da bissexualidade, ainda há quem queira negar a nossa existência. A bissexualidade pode existir, pode até mesmo ser comprovada a cada segundo ou milésimo, mas não pode ser socialmente aceita por causa do discurso dominante. A razão da bissexualidade não ser socialmente aceita foi descrita na parte anterior a essa, mas torno a repeti-la: num mundo estruturalmente projetado para privilegiar heterossexuais, muitos não heterossexuais não querem se ver privados desse privilégio e preferem que a bissexualidade não exista, visto que uma vida pública – e até mesmo privada – heterossexual não seria comprovação autossuficiente de heterossexualidade.


Há uma chave dupla dos problemas bissexuais. O maior problema é a sua invisibilidade – por não ser socialmente aceito como existente – e o segundo maior problema são acusações de alto teor moralista e normativista. A acusação de que bissexuais são "incapazes de serem monogâmicos", imaturos e promíscuos. O fato é bissexuais existem num número igual ou superior ao número de homossexuais. Homossexuais e heterossexuais veem o mundo de forma binária pois isso é inerente a própria sexualidade deles, em outros termos, eles veem o mundo a partir de sua experiência pessoal – de forma empírica –, mas a experiência pessoal não é comprovação das suas teses. É impossível ver o que há dentro do outro, sobretudo a alguns aspectos que não são de natureza reproduzível.


Quando cobram uma estabilidade de bissexuais, cobram uma estabilidade pautada na visão monossexista. Isto é, no binarismo maniqueísta da sexualidade.  Estabilidade seria ser "hétero ou homo", mas isso não faz sequer sentido. Estabilidade é continuidade de algo através do espaço-tempo e quem é bissexual é bissexual a vida inteira, logo a bissexualidade é uma sexualidade tão estável quanto a homossexualidade e heterossexualidade. A negação da bissexualidade é algo muito mais ditado de forma narrativa ou ideológica. E os argumentos não surgem pautados por uma pesquisa séria, mas através de uma linha se raciocínio turva que existe para defender um grupo de outro.


A questão apresentada pela bissexualidade é bem variada. Ela apresenta múltiplos caminhos que escapam ao controle, seja de heterossexuais, seja de homossexuais. É um tabu falar que bissexuais são vistos como inimigos de homossexuais e heterossexuais, mesmo que isso não seja conscientemente admito por nenhum desses grupos – além de certas pessoas que prezam pela sinceridade. Homossexuais precisam de uma visão de estabilidade da sua sexualidade para lutar contra o heterossexismo, mas isso leva a eles a atacarem bissexuais, visto que a bissexualidade pode ou poderia apresentar a hipótese de que a sexualidade é uma escolha e não algo essencial, isso favorecia a narrativa heterossexista e a sua normatização forçada. Fora isso, a visão poliamorista que muitos bissexuais apresentam feriu – e ainda fere – a imagem monogâmica que muitos homossexuais quem passar para tornar a homossexualidade mais socialmente aceita. Há também o fato de que homossexuais veem bissexuais como potenciais traidores pelo fato de que bissexuais podem entrar em relacionamentos heterossexuais.