sábado, 30 de abril de 2022

A Cobra

Palavras não morrem, não dá pra esquecer. Os batimentos de meu peito não cessam. E imerso em meu próprio sangue, eu nem consigo mais dormir, tenho imenso medo de me afogar. Salvar-me-á da solidão ou me verá caído na noite sem fim até que tenha percebido que tinha tido a chance de me salvar?


Pegue-me, se puder. Leve-me, se querer. Ame-me, somente se quiser. Meu espírito desvaira-se nos altos céus e colide-se com a crueza do real. Ando sempre em corda bamba num céu etéreo de imprudência bestialogicamente selvagem, é sempre difícil me acompanhar - a única certeza é que no meu anuviado e transtornado mundo: cair é quase sempre morrer, quiçá para renascer outra vez ou para enlouquecer duma única vez, a única garantia é a ausência de código de direito do consumidor.

Minha carne sempre se dobra, sempre tendo gosto agridoce com seu sangue meio amargo e meio adocicado. E estou sempre a sangrar, conquanto que até agora sem minha força vital obscurecer. Namore-me sem nunca saber se você tirará fel ou se tirará mel. É pedir demais, embora o demais é o que sempre peço. Sou um constante inconstante ameno outonal a sonhar quando o metrô de São Paulo levar-me-á ao paraíso da Jerusalém Celestial.

Eu sou de discutir o sexo dos anjos num rigor ultra escolástico, como se a inutilidade me confortasse e livra-se da ideação autocida. Minha visão longeva é tal como um ode ao disforme em que o previsível nunca se encaixa, tal como eu nunca estou a me enquadrar em absolutamente nada. Sou melancólico de formação meditabunda, trazendo uma nauseabunda penumbra entre o campo do dito e do não dito. Eu maquino fantasias tal como a esfinge maquina enigmas. Minha prudência é a soberba do orgulho do fracasso e de fracasso em fracasso crio minha distópica catedral que cresce como capim em direção a loucura dionisíaca e não a visão beatífica do Deus de Abraão, Isaac e Jacó.

Até quando eu serei essa cobra alquímica que come o próprio rabo sem ter coragem de esgotar a própria capacidade física? O transcendente escatológico é contra a minha naturalidade e o peso de minha vida é um fardo para minha alma ofídea. De pele em pele, prostituo-me por uma morada provisória num submundo subnutrido, esperando aquele juízo final que na mortalha me ponha como se coloca um corpo negro, tal como o meu, em mais uma banal estatística.

Não quero ser trágico. Só que vivo a vida toda como um traficante de boas tragédias. Embora que o que eu mais quero é que tudo acabe como a Divina Comédia - aquela estranha poesia que anda do inferno ao céu. É sonhar demais, e sempre sonho em demasia, peremptório erro meu. Perdoa-me, amor, cala-me com teu beijo e esqueça dessa minha loucura tardia.

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