sábado, 6 de julho de 2024

Acabo de ler "Sacred Chaos" de Françoise O'Kane (lido em inglês/Parte 1)

 


O Self não faz divisão de valores. Ele é a totalidade, isto é, sejam compostos considerados pelo próprio "Ego" como bons ou ruins. Quando nossos valores, moralidade e virtudes entram em choque com uma realidade que nos nega, existe uma tentativa de puxar "os conteúdos caóticos" de dentro de nosso ser e pô-los em prática. O lado irracional e sombrio é inerente ao psiquismo, ele pode ser custosamente reprimido, mas não pode ser retirado. Ou seja, ele estará conosco onde quer que estejamos e poderá despertar quando menos esperarmos.


O eterno conflito da natureza humana, ele aparece diversas vezes durante a história. As linhas mais avançadas do cristianismo defenderam que o mal está circunscrito na esfera da ação moral, mas não é uma existência por si mesma. Por outro lado, existe uma versão maniqueísta em que há um dualismo no mundo. Um "deus bom" e um "deus mal", opostos dialeticamente. Existe a gnose que separa duas deidades, a material e a espiritual. Os problemas do mundo teriam surgido através da criação do mundo físico.


Ora, o elemento do caos – a ausência de regularidade e estabilidade – gera sempre uma outra percepção acerca da humanidade. Por exemplo, existe dentro da mentalidade revolucionária uma ideia positiva. Do caos, surgirá uma ordem mais justa, socialmente mais equilibrado e em que os recursos são dispostos de forma a favorecer o bem comum. Logo o caos é percebido instrumentalmente, o caos serve para a criação de uma ordem. O revolucionário não defende o caos pelo caos, mas a geração de um caos para a destruição da ordem existente. Isso tendo em vista uma nova ordem. Esse fenômeno pode ser enquadrado como uma espécie de "sedução sombria".


É possível dizer que existe um mecanismo de regressão. Essa regressão é, particularmente, enquadrada como um mecanismo de retornar a passos anteriores – idades mentais anteriores – para resolver um conflito presente. Isso leva a uma perda do "quadro psicológico" em sua inteireza.  Isto é, se o psiquismo pode ser enquadrado como um quebra cabeças em que há graus maiores de consistência e inconsistência pelas partes que faltam ou estão devidamente integradas perante o aspecto momentâneo e dinâmico da vida. Quando entramos em crise, há um obscurecimento e perda quantitativa dos fragmentos que estavam integrados, o que leva uma perda qualitativa do autocontrole psíquico e da estabilidade mental. Usualmente levando a infantilização e imediatismo.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Acabo de ler "Epic Win for Anonymous" de Cole Stryker (lido em inglês/Parte 4)

 


A internet é a criação de vários projetos. Ela nunca foi muito unificada quanto a visão de seus portadores. Não há um senso dirigente geral. Existe apenas uma mescla de várias variações que saúdam umas as outras ou se afastam. Existe uma tradição virtual daqueles que não gostam do funcionamento da vida real: somos muitas vezes marcados por laços e traços de identidades que nos classificam, várias vezes de forma errônea, sendo julgados muitas vezes por condições que nem sequer fomos nós que escolhemos.


Qualquer um que tenha estudado, trabalhado ou vivido em sociedade sabe: somos classificados e hierarquizados o tempo todo. A existência de fóruns que permitam uma não identificação permitem que outros julgamentos possam vir a ser feitos. Esses julgamentos não se baseiam mais na beleza, no porte físico, na capacidade financeira ou na cor dos olhos. Eles pertencem exclusivamente ao âmbito das ideias. É assim que se pensava a Usenet e Futaba, e é assim que também se pensou inicialmente o 4chan.


Não existem muitas leis, nem muitas regras. Ninguém te conhece, nem te julga. Você pensa o que quer e joga aquilo que quer por lá. Não há muita restrição, tão somente interação. Esse seria o ambiente de possibilidade criativa perfeita, com toda envolvente dinamicidade de anônimos conversando entre si. Essa possibilidade de internet foi a internet que o mundo perdeu.

domingo, 30 de junho de 2024

Acabo de ler "8chan, a Twitter-Fossil" de Susana Gómez Larrañaga (lido em inglês/Parte 2)

 


Nome completo do artigo: 8chan, a Twitter-Fossil: A post-digital genealogy of digital toxicity


Existe a possibilidade de traçar genealogia que explique o surgimento e a expansão da toxicidade da internet contemporânea. Essa tentativa de compreensão da causa é de importância vital para o funcionamento da sociedade, visto que a toxicidade virtual tem efeitos sócio-colaterais e impacta na vida de pessoas do mundo inteiro. Se, por exemplo, temos nas democracias a noção de que a informação assegura um voto "mais consciente" e a desinformação um voto "menos consciente" garantir a segurança da informação e achar meios de coibir a desinformação é uma pauta existencial para a perpetuidade da própria democracia. Grupos virtuais virulentos – além de grupos reais que se utilizam do espaço virtual – buscam alterar informações no objetivo de adquirirem alguma vantagem, muitas vezes empregando falsas narrativas que aumentam a possibilidade de uma conjuntura mais favorável aos seus anseios. A desinformação não é só criada por pessoas incultas, mas também por pessoas má-intencionadas que visam debilitar a funcionalidade dos organismos informacionais.


Hoje em dia, é fato notório que a desinformação promovida por certos grupos visa uma disrupção social deliberada. Essa disrupção social tem um impacto sócio-político considerável. Além disso, existe toda uma espécie de criação de um ambiente tóxico que se expande para fora do mundo virtual e vai de encontro a concretude do dia a dia. Os frequentes ataques terroristas, vindos de portadores de ideias de extrema-direita, levam a um questionamento constante acerca da liberdade. Até qual ponto existe legitimidade nas alegações de que devemos ter uma "liberdade de expressão absoluta"?  Até qual ponto existe legitimidade nas alegações de que estão "cerceando a multiplicidade dialógica para impor uma ideologia absoluta e totalitária"? O que são pontos de vista distintos e o que são visões perversas de mundo? Na democracia, quando uma visão deve ser possível dentro da estrutura de um debate democrático e quando ela deve ser abolida por ser prejudicial e perigosa para a própria existência da democracia? Aliás, qual a efetiva possibilidade desses grupos que visam uma maior segurança digital terem o velado objetivo de criminalizar seus adversários políticos mais tênues enquanto atacam os mais notórios? Em outras palavras, seria possível criminalizar Roger Scruton criminalizando Hitler? Além disso, qual a possibilidade de todo aparato construído nessas trincheiras de enfrentamento serem utilizadas pelo grupo que é estudado pelos acadêmicos e pesquisadores contra os próprios acadêmicos e pesquisadores? Existe a possibilidade do feitiço virar contra o feiticeiro. Todas essas questões são demasiadamente complexas e talvez levem centenas de anos para serem respondidas com clareza.


Para além das questões dos impactos sociais e políticos, deve-se questionar a influência psicológica na esfera individual dos frequentadores desses fóruns undergrounds. Eles estão habituados a algo fechado e a narrativização constante de tudo que está em sua volta. O psiquismo deles é muito semelhante ao psiquismo de um membro de seita. Se assim o é, deve-se pensar nos "espólios de guerra" e igualmente nas influências que o fizeram estar tão dispostos a frequentarem locais tão tóxicos. Ou seja, quais foram as experiências existenciais antecedentes a eles se tornarem partidários orgânicos dessas redes.

Acabo de ler "8chan, a Twitter-Fossil" de Susana Gómez Larrañaga (lido em inglês/Parte 1)

 


Nome completo do artigo: 8chan, a Twitter-Fossil: A post-digital genealogy of digital toxicity


É interessante observar que dentro desses "feudos virtuais" vemos um esforço narrativo de caráter sistemático de grupos socialmente excluídos e tóxicos. Quando distintos grupos sociais marginais se encontram, acham um meio de criar um sistematização de sua marginalidade. Essa marginalidade toma um aspecto de "sobrecamadização", adquirindo uma lógica mais estrutural e consistente. Essa "sobrecamadização marginal" vai gerando um sistema. Esse sistema cria um universo paralelo em que só a narrativa do grupo importa. Ou seja, o universo referencial está dentro do grupo e só o grupo se vê como portador da verdade. Uma lógica que remete a "organicidade" das seitas – visto que as seitas criam universos paralelos que possuem a sua própria universalidade. A mentalidade tóxica pode, por sua vez, adquirir o aspecto substancial de uma seita virtual.


Chamo os chans de "feudos virtuais" pois eles unificam uma série de pessoas que foram marginalizadas socialmente e encontraram no chan um universo alternativo longe do mainstream para viverem a sua vida social. É ali que está a unidade da sua formação. E é ali que encontram um meio de criar um rigor sistêmico que dê embasamento as suas crenças.  O fato de suas crenças serem tóxicas e socialmente prejudiciais somado a junção de sobrecamadas de teorias marginais leva, por conseguinte, a uma sofisticação de seu ataque ao organismo social mainstream – que é tido como corrupto – e o aumento do organismo social underground – que é tido como ideal. Esse desenvolvimento, pouco perceptível para a maioria, torna o chan o ponto de encontro estratégico para "intelectuais sombrios" que precisam de maior refinamento de suas teses.


Um grupo marginal precisa se precaver contra a maioria das pessoas. Enquanto a "sociedade mainstream" se organiza através de uma relativização de crenças – ou seja, evita um dogmatismo – para comportar um número de pessoas maior, a "sociedade underground" requer um número de pessoas menor. O princípio de associação majoritária requer um desenvolvimento de uma mentalidade de tolerância para que esses distintos grupos convivam harmonicamente entre si. O princípio de associação minoritária requer um desenvolvimento que vá no sentido oposto, desenvolvendo uma intolerância contra quem rejeita a sua identidade, visto que grupos pequenos que tentam sobreviver em meio a grandes grupos precisam estimular a própria sobrevivência por meio da rigidez – em chans, isso surge a nível identitário. Por outro lado, para fugir da maioria e não se tornar um alvo, se requer uma linguagem e um comportamento linguístico que fuja da maioria da população. É por isso que há um "esoterismo comportamental" nos membros: eles não dão de bom grado a informação necessária para a formação do novo membro, é quase como que se dissessem: "se quer saber de de nós, seja ou torne-se um de nós". Por sua vez, há um "esoterismo funcional", visto que dentro dos chans a informação é deletada de tempos em tempos por causa da estrutura dos fóruns (imageboards).


O fato é que muito dificilmente se poderia juntar todos os dados do mundo – os dados estão fragmentados pelo próprio mundo – sem um grupo de pessoas dedicadas a unificar esses dados. A junção desses dados é chamada de sistemática. O sistematismo é usualmente comum ao exercício filosófico, mas pode ser encontrado em qualquer escola de pensamento e é comum ao âmbito acadêmico. A diferença é que na estrutura universitária o desenvolvimento intelectual envolve uma leitura de mundo mais aberta. No contexto channer, essa formação sistemática não se dá pela assimilação de múltiplas escolas de pensamento através de um esforço dialógico, mas por um número reduzido de formadores – aqueles que foram enquadrados como úteis a causa. Se a universalidade é questionável pois é impossível adquirir todos os dados do universo para se ter uma noção do que verdadeiramente é universal – o universal é incognoscível pois nossa capacidade de adquirir dados e informações (além de compilá-las mentalmente) é contingencial –, o simulacro de universalidade é uma ilusão de que se adquiriu a universalidade. Ora, tal simulacro de universalidade é o jeito com que as seitas e os grupos fechados mantêm controle mental sobre seus partidários. Em seitas e em grupos fechados o que interessa não é o aprimoramento (acuracidade) dos múltiplos objetos e subjetividades de seu estudo, mas a narrativa da própria seita ou grupo fechado. Todavia para que não seja aparente esse desvio informacional deliberado se faz necessário que se creia que o grupo é portador da verdade e que toda verdade emana desse próprio grupo, logo a estrutura alternativa é encarada como a única via de acesso a própria verdade. Uma condição comum em sociedades gnósticas. Um breve adendo: mesmo que existam sociedades fechadas com propósitos psicológicos e psiquiátricos – também militares e religiosos –, estou me referindo a mentalidade de seita.


Não por acaso a cultura channer se tornou, para algumas pessoas, uma forma de escola cybercriminal em que os dados compilados adquirem a forma de uma organização sistêmica. Essa organização sistêmica possibilita uma série de táticas para o contínuo fortalecimento desses grupos marginalizados – excluídos da sociedade – em conjunto aos agrupamentos marginais – que tem uma postura ativamente contrária ao sistema vigente. É evidente que aqui o termo "marginal" tem a "aplicação amoral", podendo ser um grupo que tem objetivos que podem ser vistos como benignos ou malignos, mas o fato é que todo grupo marginalizado que se junta ativamente contra a sociedade é um grupo marginal. Peço encarecidamente que observem que o termo marginal está de forma genérica.

Acabo de ler "DICTADURAS MILITARES Y LAS VISIONES DE FUTURO" de Gabriela Gomes (lido em espanhol/Parte 3)

 


O desenvolvimento nacional é uma questão de segurança nacional. Seja pela instabilidade interna que um país sofre ao não conseguir suprir as demandas de sua população, seja própria instabilidade externa que é causada pelo assédio imperialista de nações mais desenvolvidas. Sendo assim, o desenvolvimento nacional deve ser tratado como matéria da segurança nacional. Os militares argentinos compreenderam essa questão e, a partir disso, traçaram um plano para "salvar a Argentina" e possibilitar um futuro mais tranquilo onde ela fosse uma nação sólida. Não estou afirmando que seguiram o caminho correto e/ou que seus planos deram certo. Além disso, a questão da "futurologia" é multifacetada e apresentada em diversas propostas distintas por diferentes grupos sociais.


Especulava-se que o subdesenvolvimento não só da Argentina, mas como da América Latina – como também em todos os países subdesenvolvidos – poderia servir como "base operacional" dos países mais desenvolvidos. Isto é, sendo a América Latina portadora de inúmeras riquezas naturais, ela seria um território bastante agradável para nações mais desenvolvidas que não possuem tantas riquezas naturais. A questão é que a América Latina não tinha uma segurança muito boa para discutir com igualdade com essas nações mais desenvolvidas. Logo caso essas nações quisessem tomar a força esses recursos, elas conseguiriam fazer isso. Além disso, o superpovoamento e a necessidade de distribuição de recursos levaria a humanidade a um conflito existencial em relação a esses próprios recursos. Perón, naquele período, idealizou que o desenvolvimento não só da Argentina, como do assim chamado "Terceiro Mundo" era uma pauta de segurança e uma geopolítica sensata. Conjunturalmente faz todo sentido.


O correto seria uma geopolítica latino-americana orientada para um desenvolvimento que desse autonomia para essa região resistir ao assédio europeu ou estadounidense. Não só isso, o desenvolvimento econômico deveria ser sustentável e, de modo semelhante, a distribuição dos recursos deveria ser saudável (igualdade). Ou seja, o desenvolvimento deveria ser ecologicamente sustentável e a distribuição de recursos deveria se basear nos preceitos da valorização da humanidade. Propósitos bastante ricos e nobres. Tanto Perón quanto Salvador Allende tinham visões de um desenvolvimento autônomo da América Latina e as questões acerca da duplicidade e do paralelo desenvolvimento-segurança.

Acabo de ler "4chan & 8chan embeddings" de Vários Autores (lido em inglês/Parte 2 Final)

 


O artigo analisado foi escrito por:

Pierre Voué ( pierre@textgain.com ) has a master’s degree in Artificial Intelligence and works as a data scientist at Textgain, studying Salafi-jihadism and right-wing extremism.

Tom De Smedt has a PhD in Arts and is CTO at Textgain, focusing on Natural Language Processing. He was awarded the Research Prize of the Auschwitz Foundation in 2019.

Guy De Pauw has a PhD in Linguistics and is CEO of Textgain. He has over 20 years of experience in Natural Language Processing and Machine Learning.

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Atualmente sei pouco sobre "hackearias", mas pelo que entendi: os criadores desse artigo criaram mecanismos para rastrear e mapear os usos linguísticos do "chanspeak". É evidente que com tal mecanismo é mais fácil de compreender e identificar os portadores do chanspeak. Logo os apitos de cachorro seriam mais facilmente identificados, possivelmente até pela Inteligência Artificial em um futuro próximo. Identificando a utilização de linguagem tóxica, podemos rastrear a movimentação desses grupos sociais e impedir que causem distúrbios. O que é uma utilização bastante inteligente para a tecnologia.


É notório que uma mecanismo de busca que identifica e classifica sistemas linguísticos de grupos sociais determinados pode parecer problemático. E de fato o é a depender da conjuntura. Se, por exemplo, esse mecanismo fosse utilizado para a repressão sistemática de socialistas ou liberais teríamos uma utilização negativa dessa técnica. É preciso delimitar o que é uma "diferença teórica" e o que é um desenvolvimento criminológico e propriamente tóxico. O uso da tecnologia, em mãos erradas, pode ter um lado bastante obscuro.

Acabo de ler "4chan & 8chan embeddings" de Vários Autores (lido em inglês/Parte 1)

 


O artigo analisado foi escrito por:

Pierre Voué ( pierre@textgain.com ) has a master’s degree in Artificial Intelligence and works as a data scientist at Textgain, studying Salafi-jihadism and right-wing extremism.

Tom De Smedt has a PhD in Arts and is CTO at Textgain, focusing on Natural Language Processing. He was awarded the Research Prize of the Auschwitz Foundation in 2019.

Guy De Pauw has a PhD in Linguistics and is CEO of Textgain. He has over 20 years of experience in Natural Language Processing and Machine Learning.

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4chan e 8chan são conhecidos por inúmeros aspectos socialmente relevantes – ou "negativamente relevantes" – e suscitam discussões acerca da regulamentação dos meios de comunicação virtuais e da internet em si mesma. O fato da internet ser um capítulo recente da humanidade envolve um questionamento sério acerca da própria natureza humana e, de modo semelhante, como ela atua em meios alternativos e menos regulamentados. 4chan e 8chan são publicamente notórios na defesa da supremacia branca, misoginia, perseguições, crimes de ódio, desinformação e ideias de extrema-direita.


É dito que antes de algumas ideias terem aparecidos em outros palcos virtuais (como o Reddit e Twitter, por exemplo), apareceram no 4chan e 8chan. Foi dentro da conjuntura, não só virtual, como social, que os manifestos foram disseminados, discutidos e idealizados. É dentro da mentalidade social channer que existe essa possibilidade efetiva. E é por isso que o Reddit e Twitter são espaços secundários e menores para aqueles que desejam e anseiam ser coparticipantes ou, no mínimo, espectadores desses processos sociais turbulentos.


A mentalidade tóxica é assimilável dentro desses fóruns, sendo retroalimentada pelos distintos grupos sociais de extremistas e excêntricos que adentram nesses recintos. Cada qual contribui para o imaginário social que é criado nesses respectivos fóruns e servem de formação marginal que, pouco a pouco, sistematiza-se numa mentalidade cybercriminológica. Esse letramento criminal que vai tomando uma complexidade estrutural conforme o tempo passa cria desafios cada vez maiores as autoridades. Atualmente se discute sobre maior segurança digital e liberdade individual dentro das redes. É evidente que o poder é suspeito por si mesmo e até boas causas podem servir para objetivos maléficos, mas como suportar essa liberdade virtual num momento em que os extremistas se tornam a cada dia mais perigosos?


O problema da toxicalidade virtual é que ela vai desumanizando a representação mental – o imaginário – de cada figura individual, social e até mesmo conceitual de quem frequenta esses fóruns. O que existe para a maioria dos "habitantes virtuais" dessas redes não é mais a realidade, mas uma redução memética que retira a complexidade que o mundo apresenta. O que deveria ser traduzido por uma abertura ao objeto de uma análise é previamente simplificado por uma simples gravura tóxica do que se apresenta. Por exemplo, em vez do questionamento acerca da liberdade sexual feminina e a estrutura do machismo, temos a simplificação negativa da feminilidade e os questionamentos que a ordem social traz sobre a mulher. No caso das raças, judeus são colocados como "conspiradores" e negros adentram numa "animalidade anticivilizada". É evidente que essa "redução memética tóxica" é bastante comum na humanidade, visto que nem todos querem "perdem tempo" aumentando os seus estudos para compreender os problemas da vida. Nesse cenário, optam por uma mensagem simples que traga a segurança de compreender o mundo, mesmo que essa segurança seja cega e, no fundo, demasiadamente simplista para dar uma chave de entendimento para o mundo.


O "meme" é mais facilmente reproduzível do que a busca epistemologizada. Existe mais facilidade em ter uma microleitura dentro de um meme do que ler toda uma bibliografia acadêmica e científica sobre um objeto determinado. Ora, os channers não se abrem a um estudo minucioso do objeto que tratam. E aqueles que se abrem a um estudo minucioso usualmente estão naquela mentalidade de "só quero o lulz (caos)". O que significa que seu estudo não servirá para uma humanização, mas para a prática de uma tática subversiva de manipulação e desinformação das hordas de cybercriminosos que atualmente se encontram unificados nesses "feudos virtuais".