domingo, 24 de agosto de 2025

Philosophia Iuris #11: o Desenvolvimento do Juspositivismo

 


Quando pensamos em juspositivismo alguns nomes saltam em nossa mente: John Austin, H. L. A. Hart, Ronald Dworkin. 

O desenvolvimento do juspositivismo está correlacionado ao declínio do jusnaturalismo. O que contribuiu ao declínio do jusnaturalismo foi a secularização da sociedade, visto que com a secularização a influência religiosa também entrou em declínio. Historicamente, pelo menos naquele momento, o jusnaturalismo estava correlacionado a uma matriz de pensamento religiosa. Tal como podemos observar nos escritos de Santo Agostinho de Hipona e São Tomás de Aquino.

O jusnaturalismo também foi identificado como aquele que acreditava que o sistema legal derivava do sistema moral. Embora se possa afirmar que, para um jusnaturalista, o sistema legal deve derivar do sistema moral.

Podemos ver um afastamento mais amplo do jusnaturalismo e do juspositivismo em tempos mais historicamente recentes graças ao impacto que o sistema legal da Alemanha Nazista e o sistema legal da União Soviética tiveram no debate público. O juspositivismo foi encarado como aquele que separou a necessidade moral do sistema jurídico e o jusnaturalismo como aquele que entendia que todo sistema legal derivava da moralidade. As duas alegações podem ser tidas como falsas, visto que o juspositivista estuda a lei como lei, não necessariamente não observando a moralidade; e o jusnaturalista quer que a lei seja moral, mas sabe que existem leis imorais, que ele julga como falsas.

— O que havia antes do juspositivismo?

Os princípios da Common Law podiam ser vistos como transcendentes. Tal como os princípios de da justiça e da beleza em Platão. Quando uma "nova lei" surgia, era mais como uma descoberta e não uma invenção.

Analisemos mais cautelosamente. O sistema da Common Law era visto como um sistema que era desenvolvido pelos juízes, não pela criação de novas leis ou pela ideia de invenção de novas leis ou novos princípios de leis. Em vez da invenção, havia a descoberta de novos princípios. Os juízes eram encarados não como inventores, mas como aqueles que estavam descobrindo regras que já existiam antes das suas descobertas, mas que ainda não tinham sido percebidas pelos seres humanos.

Isso lembra a reminiscência de Sócrates e Platão, isto é, a ideia de que o conhecimento não é adquirido externamente, mas sim a recordação de algo que a alma já sabia antes de encarnar. Caso vocês se recordem bem das notas públicas anteriores dessa série, Platão acreditava que no Mundo das Ideias existiam formas perfeitas (arquétipos) e imutáveis das quais o mundo real derivava, mas de forma temporária e imperfeita. A forma que o Direito era encarado anteriormente, baseava-na a ideia de que estávamos entendendo e colhendo mais a fundo um Arquétipo Perfeito de Justiça. Logo era como se a gente estivesse tentando traduzir o intraduzível do Mundo das Ideias no Mundo Real, captando mais e mais da forma perfeita, sem nunca captá-la ao todo.

Essa perspectiva, como já devem ter percebido, lembra a perspectiva jusnaturalista. Se existem direitos de natureza imutável, que são assimilados pelo uso da razão, há um aspecto transcente nesse pensamento. E as modificações na lei não existem para instaurar novidades, mas para ampliar a compreensão do que se havia antes. Essa forma é tão parecida com o jusnaturalismo que, de fato, jusnaturalismo e Common Law eram tidos como quase o mesmo. Podíamos ver a ideia de objetividade, a ideia de moralidade, uma noção de uma idealidade que transcende, todos esses conceitos em correlação com as teorias da jurisprudência.


— Tudo mudou:

É evidente que tudo mudou. Se formos para o nosso tempo, isto é, no século XXI, podemos ver o avanço da Teoria Crítica, embora o juspositivismo ainda seja o predominante no ponto de vista acadêmico. Todavia cabe aqui compreender a linha histórica de raciocínios que levaram o juspositivismo a se tornar predominante.

No século XVII, vimos o desenvolvimento político da Revolução Inglesa. No século XVIII, vimos o desenvolvimento da revolução francesa e americana. As ideias dos direitos dos homens e das liberdades fundamentais.

Podemos olhar com o olhar afastado e crítico do Thomas Hobbes, de um ponto de vista antirrevolucionário, a partir do livro seu livro Leviatã para defender a necessidade de uma autoridade sólida. Todavia podemos olhar para pensamentos como o dos pensadores de natureza mais revolucionário para o seu tempo, como o John Locke e o Jean-Jacques Rousseau. É evidente que o desenvolvimento do pensamento liberal clássico impactou muito esse período. Ao mesmo tempo que eles tinham um pensamento próximo do jusnaturalismo, eles também poderiam ser encarados como bastante críticos do monarquismo.

— Origens do Juspositivismo: John Austin

É aqui que vamos compreender como se instala o pensamento revolucionário de John Austin. Ele começa a desenvolver, a delinear e a possibilitar uma teoria jusnaturalista que afastava a lei da moralidade. 

Ele vai contra a sabedoria convencional da jusfilosofia do seu tempo. Visto que essa acreditava na união entre lei e moralidade. Com a entrada do pensamento de John Austin, vemos a lei não mais derivada do conceito de moralidade, mas do conceito de soberania. Logo não haveria mais a ideia transcendental de normas legais como na jusfilosofia.

O que vamos começar a analisar, no próximo capítulo dessa série do notas públicas, é como John Austin quebrou com os jusnaturalistas e derivou a sua jusfilosofia a partir da ideia de autoridade soberana e não da moralidade — tal como faziam os jusnaturalistas.